SYER RODRIGUES/INSTITUTOLIBERAL
A prática dos chamados “intervalos bíblicos” nas escolas públicas de Pernambuco tem gerado intensos debates sobre os limites da liberdade religiosa e da laicidade do Estado. Organizados espontaneamente por alunos durante o horário de recreio, esses encontros para estudo e celebração de fé cristã têm sido alvo de um procedimento administrativo do Ministério Público de Pernambuco (MPPE). A fiscalização busca avaliar se tais atividades violam princípios constitucionais, enquanto parlamentares e representantes religiosos defendem a legitimidade dessas reuniões como expressão da liberdade religiosa garantida pela Constituição.
Embora a Secretaria de Educação e Esportes de Pernambuco e o Sindicato dos Trabalhadores em Educação (Sintepe) reforcem o compromisso com a diversidade e a pluralidade, críticas de ambos os lados da discussão revelam um cenário polarizado. Para alguns, os encontros respeitam a laicidade do Estado e refletem o direito dos alunos à prática de sua fé; para outros, levantam questões sobre o uso de espaços públicos para práticas religiosas. Abordaremos esse tema sob a ótica do direito natural à liberdade, valor essencial a todo e qualquer processo civilizatório.
Em primeiro lugar, a Constituição brasileira protege, entre outras coisas: (1) o direito de praticar qualquer religião ou não seguir nenhuma; e (2) a não discriminação por razões de crença ou convicção. Ao mesmo tempo, a mesma Constituição estabelece o princípio da laicidade do Estado, impedindo que o governo favoreça ou adote uma religião específica. O que observamos, portanto, são alunos que, por iniciativa própria, praticam a fé cristã durante os intervalos, sem que isso interfira no conteúdo pedagógico oferecido pelo Estado. Esses estudantes devem ser protegidos pela lei, garantindo que não sejam discriminados por suas crenças. É importante destacar que, nesse caso específico, não se trata de uma ação do governo favorecendo a religião cristã, mas de uma manifestação espontânea dos próprios alunos, a contragosto (ou não) dos burocratas estatais.
Em segundo lugar, esses alunos pertencem a famílias de baixa renda, que, mesmo pagando impostos de forma coercitiva todo mês, são obrigadas, no final das contas, a matricular seus filhos em escolas públicas que, no geral, entregam muito pouco, haja vista vários problemas de estrutura física, salas sem equipamento de ar condicionado, absenteísmo de professores, transmissão de conteúdo inadequado, insegurança, drogas, entre outros problemas que parecem não ser preocupação prioritária do MP e do Sintepe. Diante dessa obrigação de pagar imposto e de matricular seus filhos numa escola pública com vários sintomas de precariedade, permitir, sem muitas reservas, que os alunos usufruam desses intervalos bíblicos é um direito que o Estado deve salvaguardar com entusiasmo e até mesmo com grande gratidão, até porque nossa civilização foi construída sobre os pilares da moral judaico-cristã (além do direito romano e da filosofia grega).
Em terceiro lugar, o argumento utilizado por quem se coloca de forma contrária aos intervalos bíblicos, de que adeptos de outras religiões não podem se reunir para praticar seus credos ou não podem sequer participar desses intervalos bíblicos, não pode ser utilizado na tentativa de coibir tal prática. A razão é muito simples: o nosso país é altamente cristianizado, contendo, segundo o último censo de 2022 do IBGE , 81% de católicos e evangélicos. Ou seja, é muito mais provável que um grupo cristão se reúna numa escola do que um grupo hinduísta ou budista. Acrescido a isso, está no DNA do cristão o interesse em anunciar as boas novas do Reino de Deus a todos, pois é de total interesse do cristão que todos ouçam o plano redentor de Deus para a humanidade por meio de Cristo. Como amante da liberdade, o cristão deve proteger os direitos da menor minoria que existe, o indivíduo. Portanto, os direitos fundamentais devem garantir a mesma liberdade às minorias religiosas e, se algum devoto cristão atentar contra a liberdade religiosa de outras crenças ou contra a dignidade humana, além de estar pecando, também estará infringindo os princípios fundamentais da liberdade.
Mas tem uma pergunta que não quer calar: se as manifestações religiosas em intervalos fossem uma prática habitual de indivíduos cuja orientação política fosse de esquerda, será que o MP, a Secretaria da Educação e o Sindicato estariam sinceramente preocupados com isso? Ou só estão preocupados porque têm a consciência de que os cristãos, de modo geral, especialmente os evangélicos, não compactuam com ideias socialistas e/ou comunistas? A preocupação é com a dignidade humana ou com questões políticas? Ou o MP, a Secretaria da Educação e o Sindicato, mesmo levando em conta que o Estado é laico, ainda não perceberam que o Cristianismo é o maior agente de transformação social da História e a maior força voluntária do planeta? Se a Constituição impede o Estado de promover religiões, então, ao menos, que ele não atrapalhe.
Ao que parece, temos duas alternativas: ou lutamos para garantir o princípio da laicidade colaborativa, onde o Estado deve colaborar para que a liberdade conferida a qualquer pessoa seja preservada, mesmo em contextos de conflitos que tenham o potencial de cercear esse direito fundamental; ou deixemos o Estado se imiscuir cada vez mais em áreas onde ele nunca deveria ter entrado, pois, como disse certa vez um ex-primeiro-ministro holandês, Abraham Kuyper: “O Estado tem elasticidade infinita, o que quer dizer que, uma vez ocupado um determinado espaço, o Estado nunca esboçará qualquer reação de recuo”.
Devemos sempre nos lembrar dos pilares do liberalismo de John Locke, que acentuava tanto a limitação dos poderes discricionários do Estado quanto destacava a importância da tolerância religiosa. Historicamente, a liberdade religiosa foi fundamental para o reconhecimento de outras liberdades, como a de consciência, a liberdade política, a liberdade econômica, sendo simplificada pela inclusão desse direito como sendo a primeira emenda da Constituição dos Estados Unidos. Por outro lado, aqui, no Brasil, o Ministério Público de Pernambuco, em vez de fiscalizar o Estado, visando a garantir esse direito, na verdade, está violando esses princípios e se configurando como uma espécie de quarto poder.
*Syer Rodrigues é graduado em Ciências Contábeis e Teologia, especialista em Finanças e pós graduado em Escola Austríaca de Economia pelo Instituto Mises Brasil. Consultor Econômico Financeiro em Recife-PE.
PUBLICADAEMhttps://www.institutoliberal.org.br/blog/politica/a-liberdade-dos-intervalos-biblicos-nas-escolas-de-pernambuco/
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