Jornalista Andrade Junior

domingo, 22 de dezembro de 2024

'Dias de Toffoli',

 por Augusto Nunes  Sessões do Supremo estão parecidas com recreio no hospício


É sempre complicado entender o que Dias Toffoli está querendo dizer, mesmo quando lê palavrórios produzidos por juízes auxiliares. A coisa piora em discurseiras de improviso: com frequência, a destrambelhada procissão de frases chega ao fim sem que os parceiros de toga saibam o que Toffoli decidiu. 

Neste fim de 2024, o bacharel em Direito duas vezes reprovado no concurso de ingresso na magistratura resolveu enfeitar seus pronunciamentos com a evocação de músicos brasileiros. As sessões do Supremo Tribunal Federal ficaram parecidas com recreio no hospício, mas os superdoutores fazem de conta que o que anda acontecendo não tem nada de mais.

Teoricamente, o STF começou a decidir se uma informação que contrarie a verdade oficial deve ser imediatamente removida pelas próprias big techs ou, como determina o Marco da Internet, só depois de expedida a ordem judicial. O problema é que a turma que sonha com a censura sem censores entende tanto de redes sociais quanto um bebê de colo. Na semana passada, por exemplo, o ministro Luiz Fux avisou que “a grande protagonista” das notícias falsas é a inteligência artificial. “A culpa é do robô”, resumiu Fux. “É a mão invisível da inteligência artificial”, emendou Toffoli num aparte que prosseguiu com a transformação de ferrovias em “vias de comunicação”, enveredou por trens de Minas Gerais e recolheu numa estação não identificada “as letras de Fernando Brant e a voz de Milton Nascimento”

Era só o começo. Neste 18 de dezembro, Toffoli interrompeu no meio de uma frase o presidente do STF para, aparentemente, demonstrar que não seria reprovado num concurso que selecionasse jurados de programa de calouros. “Vossa Excelência falando desta revolução que estamos a viver… é impressionante a visão do Gilberto Gil”, começou a viagem do ministro, com um terço do rosto oculto pelo par de óculos escuros preto-graúna. “Em 1997, ele lançou a música Pela Internet, uma alusão ao Pelo Telefone, primeira… primeiro samba gravado na década de 10. E aí ele, 80 anos depois, escreve Pela Internet… se me permite, só a primeira parte…”

“Claro”, autorizou Barroso. “Justiça também é poesia.” Toffoli foi em frente: “Criar meu web site/ Fazer minha homepage/ Com quantos gigabytes/ Se faz uma jangada/ E um barco que veleja”, gaguejou o intérprete. Feliz com o desempenho, sugeriu ao presidente da Corte que cantasse a música. “Tenho praticado algumas ousadias na minha vida, mas não essa”, sorriu Barroso. Quanto ao que efetivamente interessa, a dupla desafinou. Ao contrário de Barroso, Toffoli votou pela transformação das big techs em máquinas de censurar. Fux concordou. 

Com um pedido de vista, o ministro André Mendonça interrompeu o julgamento. O encerramento desse espetáculo da insanidade ficou para o ano que vem. Tempo é que não falta, portanto, para examinar dois problemas de bom tamanho. Primeiro: se as big techs tiverem de remover por conta própria o que é fake news, como escolher entre opiniões antagônicas sobre o mesmo tema, personagem, entidade ou instituição? Seguemse nove exemplos, extraídos do vídeo acima. 

1. Guilherme Boulos, 14/8/2019, no programa Morning Show: “Eu não tenho a menor dúvida de que houve corrupção no governo do PT. Você tem aí provas de que houve corrupção na Petrobras durante o governo do PT”.

2. André Janones, 2/6/2022, em entrevista ao portal UAI: “No governo Lula, era uma roubalheira… E só a bandidagem do PT que tinha acesso a isso”. 

3. Marina Silva, 21/9/2018, no programa Pânico: “É corrupção, claro que é corrupção… Você tem dúvida? Você tem dúvida? Você tem dúvida? É crime de corrupção. Lei da Ficha Limpa… Lei da Ficha Limpa é clara: crime de corrupção, não pode ser candidato quem é julgado em segunda instância, e o crime que foi praticado foi corrupção”.

4. Simone Tebet, 8/8/2022, no programa Roda Viva: “Lula não tem capacidade de fazer o mea-culpa como o grande orquestrador do até então maior escândalo da história da República que foi o Petrolão. Não vamos aqui dourar a pílula. Nós estamos aqui falando de um governo que primeiro usou o Mensalão como mesada pra comprar o Congresso Nacional, depois numa reeleição o Petrolão, dividindo com partidos políticos, é verdade, essa culpa. Eu faço esse reconhecimento, o governo do PT não faz. Até hoje nega esse escândalo”

5. Luiz Fux, 10/6/2022: “Tive oportunidade, nestes dez anos de Supremo Tribunal Federal, de julgar casos referentes à corrupção que ocorreu no Brasil. Ninguém pode esquecer que ocorreu no Brasil no Mensalão, na Lava Jato… Muito embora tenha havido uma anulação formal, aqueles 50 milhões nas malas eram verdadeiros, não eram notas americanas falsificadas. O gerente que trabalhava na Petrobras devolveu 98 milhões de dólares e confessou que assim agiu”.

6. Luís Roberto Barroso, 15/6/2020, no Roda Viva: “O que aconteceu na Petrobras foi crime mesmo, não foi política. O que aconteceu na Eletrobras foi crime mesmo. O que aconteceu na Caixa Econômica Federal foi crime mesmo, o que aconteceu no crédito consignado foi crime mesmo, o que aconteceu nos fundos de pensão foi crime mesmo. Portanto, a gente não pode criminalizar a política nem politizar o crime. Desvio de dinheiro, de gerente devolvendo 150, 180 milhões de reais, não é possível alguém achar isso natural. Isso não é política. É bandidagem. Houve uma quantidade impressionante de coisas erradas, entranhadas na estrutura do Estado. A corrupção, no Brasil, foi uma criminalidade estrutural, institucionalizada e sistêmica. E eu acho que, verdadeiramente, a Lava Jato ajudou a desvendar isso, e a mudar a cultura de impunidade do país”. 

7. Alexandre de Moraes, 4/10/2016: “O governo corrupto que foi posto pra fora do Brasil pela corrupção, pela falta de vergonha na cara de quem roubava bilhões e bilhões, se, ao invés de roubarem bilhões, tivesse investido na segurança, se, ao invés de desviar dinheiro pra construir um porto em Cuba, tivesse investido em presídios, nós estaríamos muito melhor”

8. Gilmar Mendes, 18/9/2015: “O que se instalou no Brasil nestes últimos anos, e está sendo revelado na Lava Jato, é um modelo de governança corrupta — algo que merece o nome, claro, de cleptocracia. Vejam o que fizeram com a Petrobras! Por isso se defende com tanta força as estatais. Não é por conta de dizer que as estatais pertencem ao povo brasileiro. Porque pertencem a eles. Infelizmente para eles, e felizmente para o Brasil, deu errado”. 

9. Felipe Neto, sem profissão definida, 11/3/2016: “E é isso: cadeia nesse corrupto chamado Lula, nesse safado, nesse ladrão, nesse desgraçado, nesse delinquente que afundou o nosso país”. 


Guilherme Boulos foi o candidato de Lula e do PT à prefeitura de São Paulo. André Janones colocou a serviço do antigo inimigo a sua usina de notícias cafajestes. Marina Silva e Simone Tebet hoje chefiam ministérios do governo Lula. Fux, Barroso, Gilmar e Moraes só enxergam crimes atribuídos a “extremistas de direita”. Felipe Neto virou sabujo do governo. Tudo somado, ou mentiram antes ou estão mentindo agora. Em qualquer dos casos, imploram por um ingresso no inquérito do fim do mundo. 


O primeiro problema não é complicado: basta que os ministros recuperem o juízo e enterrem a censura em cova rasa. O segundo problema é Dias Toffoli. Esse não tem solução.



REVISTAOESTE













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