por Alexandre Borges
O que temos a aprender com a batalha entre comunistas e integralistas em 1934
Uma caminhada leve, de menos de uma hora, separa a região onde fica a sede da Fiesp, na Avenida Paulista, da Praça da Sé. Coisa de 3, 4 quilômetros. Parece fácil, mas se puder nunca cruze essa linha imaginária, politicamente explosiva e tóxica, entre a Paulista de hoje e o marco zero da maior cidade do Brasil.
É claro que não estou falando de uma visita real à praça da estonteante catedral inaugurada nos anos 1950 que é a sede da Arquidiocese de São Paulo, um passeio que você deve fazer sempre que puder. O que você deve evitar é a viagem imaginária para a Praça da Sé de 7 de outubro de 1934, uma espécie de vórtex mental que a política brasileira parece presa há quase noventa anos e não dá o menor sinal de sair.
A data de 7 de outubro daquele ano marcava o segundo aniversário da publicação do Manifesto que serve de marco fundador do movimento integralista no Brasil, grupo político liderado pelo escritor Plínio Salgado e assumidamente inspirado no fascismo italiano que chegou a ter mais de 1 milhão de simpatizantes no país e ser, durante o início da ditadura Vargas, uma das forças políticas mais influentes do governo; servia de contraponto tanto ao comunismo quanto ao liberalismo, ambos vistos pelo movimento como perversões materialistas, antipatrióticas e divisivas.
Fortemente armados, os “antifascistas” esperaram a chegada dos integralistas
Em 1934, ainda não havia ocorrido a Intentona Comunista de Prestes, que aconteceria no final do ano seguinte, ou o Levante Integralista, que se daria meses depois da decretação do Estado Novo, duas tentativas de golpe de Estado tão mal-ajambradas que fariam o Putsch da Cervejaria nazista de 1923 parecer um primor de ação revolucionária. Mesmo não dando em nada, as duas serviriam de pretexto para o endurecimento da ditadura varguista e as crueldades nunca superadas da polícia de Filinto Muller.
Mesmo com todas as tensões políticas que ocorriam no país desde a década anterior e vivendo num regime de exceção, tanto integralistas quanto comunistas se esbarravam nas praças e na cena política nacional. Tudo muda naquele fatídico 7 de outubro de 1934, quando os simpatizantes da Aliança Nacional Libertadora (ANL), ligada umbilicalmente à Internacional Comunista, prepararam uma tocaia para encurralar e impedir a comemoração dos membros da Ação Integralista do Brasil (AIB) na Praça da Sé.
Fortemente armados, alguns espalhados estrategicamente em prédios perto da praça, os “antifascistas” esperaram a chegada dos integralistas, sempre muito ruidosos e alvos fáceis por serem identificáveis pelas camisas verdes e pelo cumprimento “anauê”, que acompanhava um gesto evidentemente inspirado no sieg heil nazista. Os simpatizantes da AIB vinham de todo o Brasil para um evento comemorativo alegadamente pacífico, com gritos de palavras de ordem e comícios, mas os movimentos de esquerda da época decidiram que era uma oportunidade de partir para o confronto físico e impedir a festa. Com radicais dos dois lados, o que poderia dar errado?
Após a aglomeração dos integralistas na praça, começa o tiroteio com balas de todos os lados e o saldo da tocaia foi trágico: sete mortos e aproximadamente trinta feridos. Os integralistas fugiram do local após os disparos e foram chamados depois pelos comunistas de fujões, “galinhas-verdes”, e o episódio até hoje desperta certa nostalgia nos radicais dos dois lados que acham que diferenças políticas entre as visões mais intolerantes da extrema esquerda e dos ultranacionalistas deveriam ser resolvidas à bala.
Abominar ideias políticas de um grupo não dá salvo-conduto para a violência
No último domingo, torcidas organizadas foram convocadas para a Avenida Paulista numa autodeclarada luta “pela democracia” e “antifascista”, o que gerou um confronto com apoiadores do governo e quase terminou, como na Batalha da Praça da Sé, em tragédia. Podemos não ter a mesma sorte da próxima vez, e convém aprendermos um pouco com o que sobra desse tipo de enfrentamento. Abominar ideias políticas de um grupo não dá a ninguém um salvo-conduto para violência, depredação de patrimônio público ou privado ou desculpa para perturbação da ordem pública que cerceie o direito de ir e vir de famílias e cidadãos em locais públicos.
Não há nada de “democrático” no incentivo ou na realização de quebra-quebras, especialmente num país em pleno vigor da ordem democrática e com liberdades individuais garantidas em lei e exercidas na prática. O Brasil deu um exemplo de cidadania ao mundo em ocasiões como nas manifestações pelas Diretas Já (1984), pelo impeachment de Collor (1992) e de Dilma Rousseff (2015-16), assim como piscou o olho para o caos ao tentar mimetizar o movimento Occupy Wall Street em junho de 2013, terminando com a morte trágica do cinegrafista Santiago Andrade.
O que ocorreu na Paulista neste domingo foi um péssimo presságio e todos os democratas do país têm a obrigação de impedir que os radicais de todos os lados cruzem a Brigadeiro Luís Antônio e cheguem à Praça da Sé de 1934. O direito de manifestação é constitucional e ninguém discute, mas a reedição de conflitos baseados em ideologias europeias do século passado e que já renderam mortes e golpes de Estado no Brasil é tudo de que o país que enfrenta a maior crise econômica de sua história não precisa.
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Alexandre Borges é podcaster e analista político. Seu canal no YouTube Imprensa Livre teve mais de 2 milhões de views no segundo turno da eleição de 2018. É também analista político e colunista da revista Veja, do jornal Gazeta do Povo e autor contratado da Editora Record. Na Rádio Jovem Pan, foi apresentador do programa 3 em 1, líder de audiência no segmento.
publicadaemhttp://rota2014.blogspot.com/2020/06/da-paulista-praca-da-se-por-alexandre.html
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