Jornalista Andrade Junior

quarta-feira, 24 de junho de 2020

"Nordeste não é mais reduto da esquerda",

por Rodolfo Costa

O pragmatismo político da região muda o jogo de forças, enquanto o governo federal prepara um megaprograma para transformar o semiárido

Onordestino é um lutador, um pragmático e um ser político por natureza. Na região, mesmo em lugares de difícil acesso, onde o Estado teima em não se fazer presente, o povo sabe interpretar e entender as ondas, as tendências e, provavelmente como nenhuma outra população no país, vislumbra no pragmatismo político uma resposta coerente à sobrevivência. Aproximar-se do poder central é, muitas vezes, garantia de recursos e investimentos.
Por mais que a esquerda ainda teime em afirmar que o Nordeste veste vermelho, essa premissa não é uma verdade absoluta. Muito pelo contrário. O nordestino é hábil no jogo político e movimenta-se de acordo com suas necessidades e conveniências conjunturais. A eleição de nomes como José Sarney, Roseana Sarney e Antônio Carlos Magalhães, protagonistas de partidos como Arena e PFL, comprova essa característica.
Agora, a pandemia do coronavírus intensifica na região uma tendência iniciada depois da posse de Jair Bolsonaro. Uma espécie de “direitização” tem potencial de impactar decisivamente o cenário político presidencial para 2022. O governo federal sabe disso, bem como alguns notáveis coronéis políticos, que, com discrição, articulam alianças com o Planalto, sobretudo após a “licença” concedida pelo Centrão.
Eleitorado conservador na região aprova as falas da ministra Damares Alves

O eleitor nordestino constatou que eram fake news as histórias propagadas na região segundo as quais Jair Bolsonaro, se eleito, trabalharia pela extinção do Bolsa Família. O programa não apenas continuou como ganhou uma 13ª parcela, equivalente ao 13º salário. No caso do abono emergencial, R$ 27,4 bilhões foram pagos a beneficiários nordestinos. O eleitor vê também as promessas de expansão do saneamento básico serem sistematicamente adiadas — no Nordeste, 39% da população tem acesso a esgoto tratado, ante 68,7% no Sudeste; enquanto as empresas estaduais da região querem manter o monopólio, o governo federal tenta aprovar no Congresso um novo marco do saneamento, que permitirá a ampliação dos investimentos da iniciativa privada.
Há que considerar, ainda, o caráter conservador de parte expressiva do eleitorado local. Quando a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, dá entrevistas em programas populares de TV sobre a campanha Tudo Tem Seu Tempo, que estimula adolescentes a não iniciar precocemente a vida sexual, as buscas na internet sobre medidas para evitar a gravidez na adolescência aumentam nos Estados nordestinos em até 70%. É um sinal de que as falas da ministra estão reverberando entre a população.
Pesquisas de opinião já dão conta do fenômeno. De acordo com levantamento da XP Investimentos divulgado em 12 de junho, o governo Bolsonaro foi avaliado como ótimo ou bom por 22% dos entrevistados nordestinos. Observado de forma isolada, o número pode não parecer positivo. Entretanto, o porcentual de aprovação ótima ou boa na região atingiu o piso histórico de 15% em 30 de abril, após o impacto da saída do ex-ministro da Justiça Sergio Moro. Uma recuperação de 7 pontos porcentuais em menos de dois meses não é desprezível.
Na internet, identificam-se sinais igualmente positivos. Nos últimos 90 dias, mesmo com a crise do coronavírus e tendo sua imagem bombardeada dia e noite nos telejornais, Bolsonaro manteve um nível de interesse em buscas do Google no Nordeste na casa dos 77,4 pontos de um máximo de 100 — interesse elevado, que indica alta popularidade, acima de potenciais adversários na região, como Ciro Gomes (63,4) e Flávio Dino (13,8).
O Centrão tem importante papel na articulação de apoios de líderes políticos na região

Boa parte dos líderes locais monitora atentamente esses sinais e calibra a aproximação com o Planalto. É o que têm feito, por exemplo, os governadores de Alagoas, Renan Filho (MDB), e do Ceará, Camilo Santana. Santana, apesar de petista, age nos bastidores com extremo pragmatismo. Em algumas sub-regiões importantes, como a Zona da Mata pernambucana e o centro-norte baiano, coronéis políticos têm migrado para a direita.
O efeito Centrão também não é desprezível. Alguns dos principais nomes do bloco são nordestinos: o paraibano Wellington Roberto, deputado pelo PL; o deputado alagoano Arthur Lira (Progressistas); e o senador Ciro Nogueira (Progressistas), do Piauí. Além disso, integrantes de destaque do governo são da região, como o líder no Senado, Fernando Coelho (MDB-PE). A aproximação de caciques como esses com o presidente Jair Bolsonaro traz de volta à cena política o clássico jogo do “ganha, ganha”. Bolsonaro ganha apoio; os membros do Centrão ganham em expressão e influência na Esplanada dos Ministérios, a ponto de sugerir obras e ações justamente em favor da região onde a popularidade do presidente registra tendência de alta.
Na campanha para as eleições municipais de 2020, os comandantes do Centrão querem que o presidente Bolsonaro viaje pelo Nordeste para atuar como cabo eleitoral de seus candidatos e reforçar o discurso conservador.
Embora haja características comuns a todos os Estados da região — forte atuação de caciques políticos, dependência de programas sociais, níveis elevados de pobreza —, há que considerar determinadas peculiaridades. O Nordeste não é um bloco monolítico. De modo que, obviamente, não se espera adesão integral ao governo Bolsonaro. Ciro Gomes (PDT-CE) tem seu capital político e é candidatíssimo em 2022. Flávio Dino (PCdoB), governador do Maranhão, busca projetar-se como nome alternativo da esquerda. E o governador baiano Rui Costa, petista extremado, é aliado incondicional de Jacques Wagner.
Os opositores de Bolsonaro terão dificuldade de botar na conta do governo federal as mortes por covid-19 na região. Como se sabe, por determinação do Supremo Tribunal Federal, coube à União repassar os recursos, e aos governos estaduais e às prefeituras, a gestão do dinheiro e o estabelecimento de políticas públicas. Os governadores também precisarão esclarecer os gastos excessivos com despesas sem licitação. Embora amparados na lei de calamidade pública, numerosos contratos apresentam irregularidades.
Um megaprograma com potencial de integrar o semiárido ao circuito do agronegócio
O Planalto identifica a oportunidade para ter uma presença mais marcante na região. “O Nordeste é a pauta mais urgente e fundamental, mais até do que a Amazônia”, diz o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, general Augusto Heleno. “O Nordeste pode mudar o panorama do Brasil.”
Em razão dos desvios colossais das gestões petistas, durante as quais houve farto derramamento de recursos sem que obras saíssem do papel, o fundamental agora é planejamento cuidadoso e garantia da capacidade de gestão e de execução. No Maranhão, uma refinaria prometida por Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff ficou no canteiro de obras. A Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, tornou-se símbolo da corrupção identificada pela Lava Jato, também não foi concluída e agora está em processo de venda. Seu orçamento inicial era de US$ 2,3 bilhões e chegou a US$ 18,5 bilhões. “É uma questão de investir corretamente e não ter roubalheira. Caso tenhamos uma série de presidentes com esse pensamento, o país será capaz de resolver os problemas do Nordeste”, diz Heleno.
A aposta do governo é numa estratégia que permita a saída do assistencialismo por meio da criação de oportunidades de trabalho. O nome de batismo do programa ainda não está fechado, mas o grupo que trabalha na formulação — uma equipe interdisciplinar com técnicos de vários ministérios, do BNDES, da Embrapa e até da iniciativa privada — gosta de “Sertanejo Forte” ou “Sertanejo Vencedor”. Como slogan, “Família com renda mínima é família sem fome” ou “Família com renda máxima é família vencedora”.
O programa pretende integrar pequenos produtores rurais da região às operações do grande circuito do agribusiness. Presume-se que seja possível aproveitar recursos naturais do bioma da caatinga. Haverá crédito, assistência técnica e garantia de compra da produção. Todos os tipos de culturas capazes de prosperar no semiárido poderão receber recursos. “Todo o trabalho até aqui desenvolvido pelo governo, já demonstra que somos quem mais olhou e atendeu ao Nordeste brasileiro”, complementa o ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni.
O grupo de trabalho analisa um conjunto de dados para estabelecer critérios claros para a aprovação de projetos, tais como área, PH do solo, acesso a água, indicadores sociais etc. Não haverá dinheiro a fundo perdido, e sim recursos a custos camaradas: R$ 25 bilhões anuais em um período de dez anos — ou seja, R$ 250 bilhões em créditos no total, operados pelo Banco do Nordeste e pela Caixa.
O crédito poderá ser tomado até mesmo por beneficiários do Bolsa Família. Será possível favorecer também quem ainda não tem terra para plantar — R$ 3 bilhões por ano serão destinados a uma linha de crédito para a compra de terrenos. Outros R$ 4 bilhões irão para uma linha habitacional, de modo que o proprietário possa construir ou reformar a casa-sede. Para a infraestrutura hídrica e irrigação, R$ 3 bilhões; os R$15 bilhões anuais restantes serão para o sistema de produção em si, o modelo integrado à agroindústria, seja com ovinocultura, caprinocultura, apicultura, cultivo de mamona, sisal ou ainda o tradicional umbuzeiro.
Trata-se de um megaprograma com potencial de mudar o semiárido nordestino, produzir riquezas, gerar muitos empregos e, finalmente, tornar a região menos dependente do Estado e mais próxima do virtuosismo do mercado — um caminho oposto àquele historicamente defendido pela esquerda. Caso o governo seja capaz de entregar ao menos as primeiras etapas concretas desse projeto, o Nordeste poderá ser uma grande surpresa no jogo eleitoral de 2022.

Revista Oeste













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