Mariana Carneiro, Folha de São Paulo
O governo vai desembolsar nos próximos dias o equivalente a US$ 6 milhões (cerca de R$ 23 milhões) para cobrir um calote de Cuba no BNDES.
O valor se refere a uma parcela que venceu em junho e que o país pagou apenas parcialmente. Dos US$ 10 milhões que deveria quitar no mês, Cuba pagou ao BNDES cerca de US$ 4 milhões.
Passados 180 dias do não pagamento, o BNDES formalizou o calote no último dia 17 e acionou o FGE (Fundo de Garantia à Exportação), que é bancado pelo Tesouro.
A maior parte da dívida tem origem no financiamento das obras do Porto de Mariel, um dos símbolos da política exterior do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que pregava a aproximação do Brasil com países latino-americanos, africanos e do Hemisfério Sul.
O Brasil emprestou US$ 682 milhões (cerca de R$ 2,6 bilhões pela cotação atual) para a Odebrecht ampliar e modernizar o Porto de Mariel.
O empréstimo começou a ser contratado em 2009 e as obras foram concluídas em janeiro de 2014. O pagamento foi parcelado em 25 anos (até 2034).
Nos primeiros contatos feitos pelo governo brasileiro para cobrar o valor devido, Cuba alegou que passava por dificuldades financeiras e se recuperava da passagem de um furacão.
Com pagamentos a conta gotas, em julho e em agosto, o país tentava demonstrar o interesse em quitar a dívida.
Mas nestes dois meses novas parcelas venceram, no valor total de US$ 11,4 milhões, e também ficaram sem pagamento.
Em setembro, uma missão foi enviada a Havana com o objetivo de negociar pessoalmente uma saída. O governo de Cuba se comprometeu então a enviar uma proposta para reescalonar os pagamentos. Mas a carta nunca foi enviada.
Na semana passada, o Itamaraty enviou a comunicação derradeira ao governo cubano, informando que, sem o pagamento, o Brasil declararia o default. Ainda assim, Cuba não fez nova comunicação.
Segundo o BNDES, até o fim de setembro, o valor em atraso em 2018 somava US$ 26 milhões. Em 2019, o banco tem a receber mais US$ 70 milhões.
Além do banco estatal, Cuba também deixou de pagar o Banco do Brasil pelo financiamento à exportação de alimentos. Até novembro, a dívida nesta linha de crédito era de aproximadamente 45 milhões de euros.
Na visão de funcionários do governo brasileiro, a decisão cubana de não pagar pode ter fundo político.
Cuba já decretou unilateralmente o fim do convênio no programa Mais Médicos, após a eleição de Jair Bolsonaro. E, embora não esteja honrando o financiamento estatal dado Brasil, tem comprado alimentos de empresas brasileiras pagando à vista.
Procurada pela reportagem, a embaixada cubana em Brasília informou que o chefe do corpo diplomático não estava.
Para Cuba, as condições de financiamento externo tendem a piorar após a decretação do calote. Em crise, o principal parceiro do pais, a Venezuela, reduziu importante fluxo de divisas via venda de petróleo abaixo do preço de mercado para os cubanos.
Como membro do Clube de Paris, o Brasil deverá informar o calote ao grupo, que assume a cobrança.
O Ministério da Fazenda, responsável pelo ressarcimento ao BNDES, informou que, após a decretação do calote, tem até 30 dias para fazer o pagamento.
Os recursos saem dos cofres do Tesouro, remanejados de outras áreas do governo. Isso porque, embora o FGE seja um fundo contabilmente superavitário, os valores arrecadados no passado a título de contratação do seguro de crédito entraram no caixa da União.
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