EDITORIAL FOLHA DE SP
O caso, ao menos em tese, é bastante simples. O auxílio-moradia foi concebido como remuneração adicional para magistrados e membros do Ministério Público que, por força de sua atuação, estivessem em serviço fora de seus domicílios de origem.
A ajuda, ainda no campo das abstrações, faria sentido sobretudo para os membros da estrutura federal, que com frequência se veem deslocados para Estados distantes de sua residência habitual. Seria, por assim dizer, um incentivo à ocupação de cidades remotas.
Já aí haveria um problema na argumentação. As carreiras de juízes federais e procuradores da República estão entre as mais bem pagas do país. Seus integrantes não tardam a ganhar R$ 33.763 mensais —valor equivalente ao salário de ministro do STF e que, por determinação da Constituição, deveria ser o teto do serviço público.
Para comparação, 1% dos trabalhadores com os maiores rendimentos em 2016 recebiam por mês, em média, R$ 27.085.
Diante desses dados, o estímulo de R$ 4.377 mensais do auxílio-moradia soa um despropósito. Tudo piora, porém, porque, desde 2014, uma decisão provisória do ministro Luiz Fux estendeu o benefício a todos os juízes federais, pouco importando o local em que trabalhassem.
Numa escalada previsível, não tardou para a regalia alcançar todos os magistrados brasileiros, além de membros do Ministério Público.
Como se não bastasse, esse dinheiro extra tem sido utilizado para driblar o teto constitucional. O disparate é tal que juízes recebem, em média, R$ 47,7 mil por mês. No Ministério Público Federal, 86% dos procuradores e subprocuradores extrapolaram o teto em 2016.
Além da óbvia imoralidade, há uma séria questão orçamentária. Nesses três anos e meio em que a decisão provisória de Fux produziu efeitos, o auxílio-moradia consumiu R$ 5 bilhões em valores atualizados até dezembro, segundo a ONG Contas Abertas.
Apesar do evidente absurdo da situação, o STF não terá vida fácil. Conforme noticiou a coluna "Painel", desta Folha, "diversas associações ameaçam declarar guerra ao STF numa tentativa de fazer Cármen Lúcia recuar".
A ministra, cuja passagem pela presidência do STF decepcionou muita gente, tem a oportunidade de comprar uma briga boa e deixar, quanto a isso, legado valioso.
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