“Quem
bate cartão não vota em patrão” é o mantra entoado por muitos
sindicalistas. O jargão parte da premissa de que o empregado é
necessariamente explorado pelo empregador, uma ideia que se opõe à
concepção de uma relação de cooperação, em que há a possibilidade de
ambos ganharem ao firmarem um contrato de trabalho.
Assim, quem vê os posicionamentos da Central Única dos Trabalhadores (CUT) ao criticar a terceirização e a reforma trabalhista não imagina que nos últimos anos a entidade apoiou diversas pautas dos empregadores.
Historicamente ligada ao Partido dos Trabalhadores, a instituição é a
principal entidade de representação sindical brasileira, representando
uma parcela significativa dos mais de 17 mil sindicatos brasileiros, um número inalcançável em qualquer lugar do mundo.
No
tempo em que o PT ainda sentava no Palácio do Planalto, o governo
lançou diversas pautas nacional-desenvolvimentistas, apoiadas tanto pela
FIESP quanto pela CUT. Em 2011, estas entidades assinaram e entregaram em conjunto um documento
ao então vice-presidente Michel Temer com uma reunião de pedidos
expressos das duas organizações. Denominado de “Brasil do Diálogo Pela
Produção e Emprego”, as proposições partiam da ideia que seria
necessário “que o Estado exerça um papel fundamental de estímulo aos
agentes produtivos (trabalhadores e empregados)”.
Apesar das palavras de ordem que polarizam a relação entre trabalhadores e empresários, a CUT se aliou à FIESP em várias pautas que geraram lucro para eles e custo à população em geral. É o que se convencionou chamar, na ciência política e econômica, de rent-seeking, isto
é, a obtenção de renda de determinados atores por meio de uma
manipulação do ambiente político. As proposições dessas duas entidades
quase sempre foram seguidas à risca pelo Estado brasileiro, o que
evidencia seu poder de influência. Relacionamos abaixo sete casos que
demonstram como a FIESP e a CUT juntas são mais perigosas que algumas bombas atômicas.
1) A CUT defendeu a TJLP do BNDES, o que fez seu dinheiro ser destinado a grandes empresários.
FIESP,
CUT e outras centrais sindicais defenderam financiamento público e
desonerações tributárias com o objetivo de reduzir o custo de crédito
para investimentos. Em larga medida isso foi possível ao diminuir as
taxas do BNDES por meio da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP).
As entidades eram favoráveis ainda ao Programa de Sustentação do Investimento (PSI),
operado pelo banco público e pela FINEP, empresa pública brasileira,
sendo bem sucedidas em seus pedidos. Assim, foi feita posteriormente uma
Medida Provisória convertida em lei,
elevando o limite de financiamentos da União para até 452 bilhões até o
final de 2015: tudo a fim de incentivar ainda mais a indústria
nacional.
Entre 2008 e 2014, a união aportou no BNDES a enorme quantia de R$ 450 bilhões, em sua maioria alocados em empresas de grande porte. A título de comparação, esse valor poderia financiar 14 anos do Programa Bolsa-família, que,
diferentemente do BNDES, beneficia o quintil dos brasileiros de menor
renda. O banco público, pelo contrário, emprestava dinheiro pela Taxa de
Juros de Longo Prazo a juros negativos (valor menor que a inflação da
época). Tudo isso foi e é bancado por toda a população por meio de impostos.
Apesar dos protestos da entidade sindical contra as recentes alterações no BNDES que acabaram com a TJLP, os brasileiros pagarão esse pato até 2060.
2) A CUT apoiou a redução dos juros “na canetada” promovida por Dilma Rousseff.
Em abril de 2012, a ex-presidente Dilma Rousseff fez um pronunciamento
em rede nacional defendendo interferências do governo na política do
Banco Central, a fim de diminuir os juros. Naquela ocasião, a petista
afirmou:
“Os
bancos não podem continuar cobrando os mesmos juros para empresas e
para o consumidor enquanto a taxa básica Selic cai, a economia se mantém
estável e a maioria esmagadora dos brasileiros honra com presteza e
honestidade os seus compromissos.”
Apesar da oposição da maioria dos analistas econômicos sérios, o discurso foi aplaudido tanto pela CUT quanto pela FIESP. As organizações advogaram expressamente por essa redução até que os juros brasileiros alcançassem o padrão internacional.
Como se sabe, a tentativa foi desastrosa,
resultando em uma inflação de dois dígitos, mesmo em meio à maior
recessão econômica da história brasileira. Tivemos o que os economistas
chamam de estagflação – por um longo período, algo extremamente
raro. Sem saída, com vistas a combater a escalada dos preços, os juros
foram reajustados sequencialmente, superando o patamar que estavam antes
do discurso da presidente.
Como se sabe, a inflação atua como um imposto sobre o poder de compra da moeda, prejudicando principalmente os de menor renda
que não conseguem fazer investimentos para se protegerem dela. A
despeito disso, as ações para diminuir a inflação foram duramente
criticadas pela CUT em nota divulgada à imprensa.
3) Quando a CUT se uniu à FIESP para você comprar produtos mais caros e ruins.
Instituições
que preservam empresas ineficientes são um obstáculo ao desenvolvimento
do país porque nos tornam mais pobres. Há um consenso entre os
economistas de que barreiras alfandegárias e crédito subsidiado são
medidas de proteção que podem, eventualmente, serem positivas para o
setor beneficiário, mas são péssimas para o país. Quem afirma isso é o economista Marcos Lisboa.
Em
sua argumentação, ele relaciona diversos trabalhos acadêmicos que
demonstram a correlação empírica entre abertura comercial e
produtividade: quando a proteção do governo sobre determinado
setor cai, a produtividade sobe; quando a proteção sobre o setor
aumenta, a produtividade cai. A
razão é relativamente simples: diminuir barreiras alfandegárias facilita
o acesso a insumos e bens de capital mais eficientes.
Contrários
a isso, a CUT se uniu aos empresários da FIESP visando defender normas
de conteúdo nacional como uma “diretriz de política industrial a fim de
defender a indústria nacional”. Isso significa obrigar
empresas nacionais a utilizarem determinado percentual de matérias
primas produzidas localmente na produção de alguns bens.
As entidades fizeram ainda lobby perante a União para a implementação
de uma política de substituição de importação de produtos elaborados
para serem produzidos no Brasil.
Essas medidas fizeram a produtividade geral brasileira cair e, em nome desse nacionalismo econômico, os brasileiros tiveram de arcar com produtos mais caros e de qualidade inferior. Nas palavras de Sérgio Lazarinni,
esse sistema que se realiza mediante a criação de alianças e
emaranhados comerciais estabelecidos entre grupos privados com o governo
denomina-se “capitalismo de laços” – e há digitais da CUT e da FIESP
para todos os lados nessa prática que é, no mínimo, questionável.
4) Quando a CUT se uniu à FIESP para o governo adquirir produtos mais caros e ruins em licitações.
Nessa
mesma toada, os órgãos de classe defenderam juntos o protecionismo nas
compras do governo. Segundo eles, o Estado deveria “regulamentar e
aplicar mecanismos legais que preveem a margem de preferência para
produtos nacionais nas compras governamentais”.
Em
outras palavras, o Estado teria que, ao realizar seus processos
licitatórios, adquirir produtos desenvolvidos nacionalmente, mesmo que
isso significasse um custo mais alto para os pagadores de impostos. O
lobby, novamente, funcionou e o Congresso Nacional aprovou legislação nesse sentido.
A curiosidade é que o artigo 37 da Constituição de 1988
determina que a Administração Pública é norteada pelo princípio da
eficiência. Em linhas gerais, isso quer dizer que se deve buscar
resultados efetivos pelos menores custos. Dessa forma, tem-se uma
legislação que obriga o Estado a desrespeitar um princípio
constitucional para proteger grupos de interesse. Apenas mais um
paradoxo entre tantos em terras tupiniquins.
5) Quando a CUT aplaudiu a conta de luz mais barata para empresários.
Em
julho de 2014, Dilma Rousseff anunciou redução na conta de luz de 32%
para as indústrias e 18% para residências. Reverenciando-a na plateia estavam representantes das federações estaduais da indústria e Vagner Freitas, presidente da CUT.
Por meio de medida provisória, o governo interveio no setor elétrico antecipando as concessões, mas de uma forma que não foi vantajosa às concessionárias.
Assim, apenas uma parcela das geradoras aderiu e o volume de energia
ficou bem abaixo do esperado. A consequência disso foi que as
distribuidoras tiveram que recorrer ao mercado de curto prazo de energia
a fim de atender os consumidores e o Brasil não correr o risco de haver
outro racionamento em sua história. Para isso, essas empresas tiveram
que arcar com preços muito elevados, o que afetou significativamente seu
caixa.
Em 2015, vencidas as eleições, a União já não tinha caixa para continuar subsidiando a tarifa, então elas foram reajustadas em 50%. Desde então, o consumidor está pagando mais caro na conta de luz e isso vai permanecer até 2025,
pois as transmissoras de energia precisam ser indenizadas em R$ 62
bilhões. E a FIESP e a CUT apoiaram esse golpe no bolso dos brasileiros.
6) Quando a CUT pediu incentivos fiscais para estimular a inovação (de grandes empresas).
Uma
das coisas que mais faltam ao Brasil é a análise da eficácia e
eficiência de políticas públicas. Antes de implementar uma política
governamental o ideal seria verificar os custos de oportunidade a fim de
optar pela alternativa que apresente maior geração de bem estar e
impacto para cada real gasto. Em um mundo perfeito, haveria também
análises independentes a fim de supervisionar constantemente a prática.
A realidade brasileira, no entanto, é fazer políticas públicas sem avaliação de desempenho ou quaisquer metas de resultados.
Isso ocorre em larga medida por haver defensores políticos e
econômicos, mesmo de políticas públicas ruins. Um dos vários exemplos
que se apresenta no cenário brasileiro é a Lei do Bem.
Essa
legislação trata de um conjunto de incentivos fiscais que buscam
auxiliar na pesquisa e desenvolvimento de inovação tecnológica das
empresas. Ela vigora desde 2005 e é uma antiga demanda da CUT e da
FIESP. Embora a ideia inicial possa ser boa, segundo relatório do Banco Mundial, os resultados de desempenho apresentados por esse ordenamento jurídico foram muito baixos.
Isso
ocorre porque, ao excluir organizações que fazem declarações de imposto
de renda com base em seu lucro presumido (uma modalidade de
planejamento tributário típica de pequenas e médias empresas), a maioria
das pessoas jurídicas beneficiárias foram grandes companhias já bem
estabelecidas e que não precisariam de incentivos fiscais para inovar em
seus métodos de produção, fazendo com que a norma favoreça principalmente as empresas maiores e melhor estabelecidas do país, e não atinja a maioria dos pequenos ou novos empreendimentos.
Dessa
forma, a lei em questão provoca uma desigualdade de armas na
concorrência, favorecendo enormemente as sociedades empresariais maiores
e mais antigas. Portanto, as entidades apoiaram uma legislação que, na
forma como é estruturada atualmente, não recompensa adequadamente o
investimento privado em inovação. Nada mais desastroso para a livre
concorrência.
7) Quando a CUT defendeu empreiteiras que controlam a indústria naval.
Grande
sonho da gestão petista, reviver a indústria naval brasileira tornou-se
uma espécie de dogma. Porém, diante da crise econômica – causada em
grande parte por medidas que foram e ainda são apoiadas pela CUT -, a
indústria naval brasileira acumulou milhares de demissões. A grande
questão é que esse setor é dominado por empreiteiras. Assim, qualquer
defesa de investimentos nele, mesmo que indiretamente, acaba por
beneficiar grandes empreiteiras, algo que o órgão de classe sindical vem
fazendo com maestria.
Em audiência pública
na Câmara dos Deputados, um representante da CUT defendeu políticas
governamentais que possibilitassem a manutenção e geração dos empregos
perdidos. Para tanto, criticou as instituições financeiras que, em seu
entender, têm criado dificuldades para o crédito necessário à execução
dos investimentos previstos em contratos. Como um legítimo procurador de
uma federação da indústria, argumentou que se os bancos privados não
têm manifestado interesse em financiar a indústria naval, o BNDES deve
assumir esse papel.
Além
disso, ele pediu uma “atenção maior do governo com os trabalhadores nas
discussões sobre a indústria naval brasileira”. Segundo ele, os
melhores investimentos serão feitos apenas com a inserção de
representantes da mão de obra nas discussões sobre o setor naval.
Essa
ideia, de que é preciso fazer obras na indústria naval para gerar
empregos, contraria a lógica de mercado, que é buscar obter os melhores
resultados com os mínimos esforços com finalidade de satisfazer seus
consumidores. Nesse sentido, o emprego não deve ser tratado como um fim,
mas um meio.
A pressão das entidades, mais uma vez, foi bem sucedida. Em maio deste ano, o governo aprovou um orçamento de R$ 3 bilhões
com o objetivo de construir novos estaleiros. Isso a despeito de
especialistas da área questionarem se há de fato demanda para projetos
assim, em virtude da frota nacional ser pequena. Provavelmente, será uma
nova conta a ser paga pelos brasileiros, sob o manto de proteção da CUT
e da FIESP.
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