editorial O Globo
A crise fiscal em si — a maior já registrada no Brasil, pelo menos em tempos recentes —, e a reação de grupos organizados a medidas para contê-la continuam a gerar efeitos pedagógicos e a desvendar mazelas. O caso mais evidente é o da aceleração da crise previdenciária, cujo enfrentamento exige uma reforma — seja feita agora ou mais tarde, em condições mais severas — que, além da questão demográfica, enfrente privilégios de castas dos servidores públicos, não apenas federais.
Há movimentos em várias frentes que evidenciam pressões para a manutenção de discrepâncias em benefícios previdenciários incompatíveis com qualquer noção de justiça social. Por exemplo, a média da aposentadoria do assalariado da iniciativa privada (INSS) está em R$ 1.240, enquanto no serviço público federal, no Executivo, é de R$ 7.583. Se considerarmos as carreiras ditas de Estado, conclui-se que convivem no mesmo país beneficiários de aposentadorias de níveis terceiro-mundistas e cotistas milionários de fundos privados de pensão suíços (a aposentadoria média no Judiciário soma R$ 26.302).
Já o programa de licitações e privatizações do governo Temer reverbera em esquemas de corrupção em estatais. Com a Lava-Jato, tornou-se evidente que funcionários de carreira de empresas públicas, técnicos de boa formação, concursados, se deixaram cooptar por grupos políticos. O case da Petrobras é exemplar: Paulo Roberto Costa, Nestor Ceveró, Renato Duque e outros, de longa carreira na empresa, foram apadrinhados por PT, PMDB e PP para financiar os partidos e enriquecer políticos, a partir do superfaturamento de contratos feitos com empreiteiras do esquema. Como pagamento, amealharam milhões de dólares para si mesmos.
As resistências a privatizações completam a aula sobre como o Estado brasileiro tem sido saqueado por políticos de esquerda e direita, por meio do aparelhamento das estatais com vistas a negócios escusos e ações clientelistas.
Dois casos são emblemáticos. O primeiro, a privatização da Eletrobras. Devem-se discutir aspectos técnicos da operação, sem que se possa esquecer uma questão central: a Eletrobras, quebrada pela política tarifária populista da presidente Dilma Rousseff, não tem como sustentar os investimentos exigidos pela economia brasileira. E sem energia, por óbvio, o país não crescerá.
As críticas de grupos políticos à venda do controle da Eletrobras são originadas no temor com a perda de influência na Chesf, em Furnas, na Eletronorte etc. As subsidiárias da Eletrobras são usadas para intermediar negócios (em busca de comissões) e empregar apaniguados (atrás de votos e também de negócios). Por isso, a bancada pluripartidária mineira, Aécio Neves (PSDB) à frente, é contra a operação. Tem interesses nada republicanos pelo menos em Furnas. Quanto à Chesf, o governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), arrisca-se a utilizar o horário do partido na TV para dizer que querem “privatizar o São Francisco”. Não se sabe como isto seria possível. Ele e seu grupo, claro, não desejam perder acesso à Chesf. O mesmo vale para muitos outros políticos nordestinos.
Um caso até mais explícito é a bem-sucedida pressão sobre o Planalto de Valdemar Costa Neto, ex-presidiário do mensalão, para manter a Infraero com dinheiro. Uma das formas é impedir a licitação de Congonhas, a fim de que o segundo aeroporto em movimento do Brasil continue a sustentar a estatal, em que Costa Neto e grupo exercem influência.
Milhões de usuários pagam alto preço na forma de baixa qualidade de serviços.
A lição dada de forma indireta pela crise, mas muito clara, é que um efetivo plano anticorrupção precisa incluir profundo e abrangente programa de privatizações. A estatal é a gazua que arromba o Tesouro
extraídaderota2014blogspot
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