por Raul Velloso O Globo
Se não mudarmos muita coisa, o Brasil estará condenado a crescer a taxas
médias pífias nas próximas décadas — não mais que 2% ao ano, algo que
há algum tempo soaria como absurdo total. Como não se pode contar com o
“bônus demográfico” (ou o aumento do grau de empregabilidade da
população), nem com outro boom de commodities ou qualquer fator exógeno
para facilitar nossa vida, a única saída é investir. Só que nisso
estamos apanhando muito.
Na infraestrutura, onde as carências são imensas, e público e privado se
entrelaçam mais fortemente, o privado tem real interesse em investir,
há ampla disponibilidade de financiamento e alguma melhoria
institucional, mas é só. Falta planejamento, os contratos de concessão
são inadequados, as agências reguladoras, medíocres, e os órgãos de
fiscalização atuam mal. Ou seja, há muito o que fazer para quem cuida
dessa parte.
Entrementes, voltando à raiz do problema, não há como fugir do
equacionamento da questão fiscal do jeito certo, para mobilizar novos
recursos destinados principalmente ao aumento do investimento público.
Sem falar na redução das incertezas com que o setor privado, temeroso da
explosão da dívida pública, hoje se defronta.
Todos sabemos que isso não é fácil, pois os gastos correntes são
extremamente rígidos, os déficits previdenciários são gigantescos, e a
carga tributária já passou do limite. Assim, qualquer possibilidade
extra de mobilizar recursos no setor público é muito bem-vinda e deve
ser examinada com toda a atenção.
Nesse grupo, se inserem as oportunidades de antecipação da entrada de
recursos mais conhecidas como securitização de recebíveis, onde fluxos
futuros de recursos relativamente garantidos, que tendem a ficar
escondidos e inertes por muito tempo e com risco de deterioração, podem
se transformar em um volume expressivo de recursos a curto prazo, com
inúmeras possibilidades de utilização. A exemplo de várias operações
similares, essas oportunidades estão presentes no dia a dia dos mercados
financeiros.
Nelas, devem-se incluir dívidas tributárias de empresas e pessoas para
com o governo, mais conhecidas como “dívida ativa”, que se referem, na
verdade, a tributos não recebidos em exercícios anteriores.
Nesse caso, a partir da análise dos fluxos históricos de recuperação
dessas receitas, projeta-se a capacidade futura de ingresso de tais
recursos por meio de metodologias já estabelecidas no sistema
financeiro. Posteriormente são transformados em ativos financeiros
capazes de gerar recursos líquidos expressivos a curto prazo ou servir
de garantia em parcerias com o setor privado, por exemplo.
Registre-se que esses procedimentos não podem ser confundidos com
operações de crédito convencionais, como às vezes se alega em segmentos
pouco informados sobre o assunto. Referindo-se a bases tributárias
pretéritas, não têm como comprometer a capacidade de gestão financeira
das administrações futuras.
Ora em tramitação no Senado, o projeto de lei complementar 204/16
procura consolidar as normas relacionadas com esse tipo de
securitização. Contudo, tendo restringido os casos de securitização de
“créditos tributários” aos chamados parcelamentos, a aprovação do
projeto deverá permitir o recebimento imediato de apenas um percentual
desprezível do potencial arrecadatório dado pela totalidade dos créditos
inadimplidos existentes. Assim, por que fazer algo insignificante,
quando se pode resolver parte relevante dos problemas fiscais
existentes? Parece obra de inimigo.
O ponto central é que hoje já existe tecnologia para adotar uma
modelagem que jogue o foco sobre os fluxos totais regulares decorrentes
do estoque de créditos, e não apenas dos parcelamentos. Na União, esse
fluxo alcança a expressiva marca de R$ 20 bilhões anuais, que tendem a
se repetir todos os anos, dos quais, para uma estruturação no período de
20 anos, pode derivar a obtenção imediata de recursos financeiros
oriundos do mercado de cerca de R$ 130 bilhões, e os restantes R$ 270
bilhões serem convertidos, por exemplo, em ativos garantidores de longo
prazo para o setor privado, ou destinados a fundos previdenciários.
Cabe notar que existem algumas operações do tipo acima em andamento em
várias unidades federativas, considerando a totalidade dos créditos
inadimplidos (e não apenas os parcelamentos), com análises dos fluxos
respectivos, na forma a meu ver mais correta de encarar a questão. Será
realmente uma pena que esse processo seja travado por uma visão muito
limitada do alcance do instrumento, que praticamente o inviabilizará se o
projeto for aprovado como está.
Por fim, uma vantagem que muitos não enxergam na inserção privada é a
possibilidade de se incrementarem os valores cobrados da dívida
tributária hoje inerte nos escaninhos governamentais. Como se sabe, não
será aqui, onde é muito grande a quantidade de ações em tramitação no
Judiciário, que a gestão pública primará por maior eficiência.
Raul Velloso é economista
extraidaderota2014blogspo
0 comments:
Postar um comentário