, por José Paulo Kupfer O Globo
Terminou em uma certa barafunda o esforço do governo e de lideranças de sua base aliada no Congresso para votar a proposta de reforma da Previdência ainda em 2017. Depois de ditas e contraditas das mais variadas, o início do processo de votação deve ser, em princípio, adiado para fevereiro. Já pipocam agora declarações de governistas segundo as quais a reforma será aprovada no ano eleitoral de 2018. Mas, no mercado financeiro, aumentou muito o ceticismo em relação a essa aprovação antes de 2019.
A corrida para votar a reforma a ferro e fogo parece ter provocado mais estragos do que seu adiamento supostamente poderia produzir. Na confusão da barganha de votos, os parlamentares da base inflacionaram o preço da adesão, obtendo benesses que ajudam a deteriorar o ajuste fiscal desenhado pela equipe econômica do governo. Nenhuma das medidas de ajuste anunciadas em agosto, por exemplo, foi votada. Refletindo essa situação, o Orçamento para 2018, aprovado nesta quarta-feira, começa com um furo de receitas ainda não confirmadas estimado em R$ 20 bilhões.
Para atender à enxurrada de pedidos de verbas e de gastos tributários — isenções e renúncias — dos parlamentares, o Orçamento prevê cortes em despesas sociais, com impactos diretos e negativos sobre a economia, como é o caso do programa Minha Casa Minha Vida. Ficaram penduradas receitas previstas de R$ 6 bilhões, que seriam obtidas com a alteração na tributação de fundos de investimentos exclusivos, atingindo apenas altíssimas rendas, e outros R$ 9 bilhões em desonerações de folhas de pagamento. É fácil imaginar a pressão fiscal que se abaterá sobre o governo com a ameaça de ter de começar um ano de eleições cruciais cortando gastos.
Entendem-se as frustrações de alguns com o anticlímax do desfecho da última batalha previdenciária do ano. Mas, como se diz no mercado, essa possibilidade já estava mais do que precificada. No pregão da Bolsa de Valores e na cotação do dólar, a baixa do primeiro e alta da segunda, no dia seguinte ao adiamento, não indicava maiores sobressaltos. O mesmo já se pode adiantar em relação à fixação do calendário para votação da matéria, em meados de fevereiro. Pode não dar, e isso também logo vai estar na conta.
A verdade é que a reforma da Previdência descarrilou lá atrás, na sequência do encontro noturno e fora da agenda do presidente Temer com o empresário Joesley Batista. A partir de então, o capital político do governo foi gasto em altas doses para evitar a aceitação das duas denúncias da Procuradoria-Geral da República contra Temer, relegando a reforma da Previdência a um notório segundo plano. Um dos efeitos colaterais desfavoráveis do bem-sucedido movimento para engavetar as denúncias apareceu na forma de desorganização da base aliada no Congresso, até aqui não inteiramente recomposta.
Depois de derramado o leite da reforma previdenciária, abriu-se uma janela para repensar melhores caminhos reformistas. Para começar, pareceu ficar claro que a tática do rolo compressor nem sempre funciona e, mesmo quando funciona, costuma deixar sequelas. Está aí, a propósito, a reforma trabalhista produzindo inseguranças jurídicas e decisões judiciais bizarras, tudo o que o governo prometia evitar, para lembrar o que ocorre quando medidas corretivas e ajustes, de forte impacto popular, são aprovadas sem o devido arranjo social.
Talvez seja a hora de compreender que a reforma da Previdência, ainda mais no formato diluído em que acabou se acomodando, não é a panaceia do ajuste fiscal nem muito menos de todos os problemas econômicos. Se poderia contribuir para impulsionar a recuperação econômica, seu adiamento não tem a capacidade de arruinar a economia. Nas projeções de Fabio Kanczuk, secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, o choque positivo da reforma no PIB é maior do que o de seu adiamento. Com ela, a economia, em 2018, cresceria 3,3% — e não só 3% como projetado no momento. Com o adiamento para 2019, recuaria 0,15 ponto, para 2,85%.
Não chega a ser, se a previsão oficial estiver correta, um preço alto demais para encontrar um caminho do meio.
José Paulo Kupfer é jornalista
extraídaderota2014blogspot
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