editorial do Estadão
Lula da Silva chegou à conclusão de que o Brasil precisa de um programa
“radical no sentido político”. Defendeu a ideia na segunda-feira, em São
Paulo, durante reunião convocada para “debater” o programa do partido a
ser apresentado na campanha presidencial do ano que vem. Não entrou em
detalhes sobre o que entende por um programa político “radical”.
Há, entretanto, fortes indícios de que está convencido de que só um
governo forte, autoritário, será capaz de “salvar” o País. Dias antes,
falando em nome do PT – portanto, em nome de Lula – no Foro de São Paulo
realizado em Manágua, capital da Nicarágua, a presidente do partido,
senadora Gleisi Hoffmann (PR), manifestou apoio e solidariedade “ao
governo da Venezuela e ao presidente Nicolás Maduro”, bem como a
esperança de que a eleição de uma Constituinte, que se realizaria no
domingo passado, “possa contribuir para uma consolidação cada vez maior
da revolução bolivariana”.
O regime venezuelano consolida-se como ditadura, após o golpe de Nicolás
Maduro com essa Assembleia Constituinte, cujo verdadeiro objetivo é
anular o poder da Assembleia Nacional de maioria oposicionista. Com a
economia destroçada, uma inflação de cerca de 800% ao ano e a falta
crônica de bens essenciais como comida e medicamentos, os venezuelanos
emigram em massa, enquanto a repressão violenta às manifestações de
protesto deixou mais de uma centena de mortes. Tudo isso define a
tragédia do regime chavista.
Mas Lula e o PT permanecem firmemente solidários ao governo de Caracas. É
o seu espelho e modelo. Não é de estranhar, portanto, que estejam
dispostos a mergulhar na campanha eleitoral de 2018 defendendo um
programa político “radical”.
Uma análise retrospectiva dos 13 anos do lulopetismo na Presidência da
República fornece abundantes demonstrações de desapreço pelos
fundamentos da democracia e da liberdade. Lastreado pelos ensinamentos
de sua prática sindicalista, que implica uma visão superada e obtusa da
“luta de classes”, mas de excelente efeito nos palanques, Lula tentou
sempre incutir no coração dos brasileiros o sentimento maniqueísta do
“nós” contra “eles”.
Um sentimento que sugere confronto e exclusão – na verdade, o ódio –
negando a racionalidade dos fundamentos democráticos do diálogo e da
conciliação, imprescindíveis num regime de liberdade.
Se radicalizar a política significa persistir no “nós” contra “eles”,
Lula estará desconsiderando o resultado de pesquisa realizada pela
instituição cuja finalidade é promover estudos e pesquisas destinados a
subsidiar os programas políticos do PT, a Fundação Perseu Abramo. Em
abril deste ano a fundação divulgou o resultado de pesquisa realizada
com um grupo de eleitores pobres da periferia de São Paulo que deixaram
de votar no PT depois de 2010.
Os entrevistados não se consideram vítimas de exploração pelos patrões
num contexto de luta de classes. Entendem que pobres e ricos são vítimas
de um inimigo comum: o Estado burocrático que só pensa em cobrar
impostos e não presta os serviços pelos quais a população paga.
Segundo a fundação, os antigos eleitores de Lula têm uma visão política
conflitante com o discurso do PT. Revela o estudo que os eleitores
entrevistados “têm a igualdade de oportunidades como ponto de partida e a
defesa do mérito como linha de chegada. Tratam o mercado como
instituição mais crível que o Estado”. Diante disso, conclui o estudo
que “o campo democrático-popular precisa produzir narrativas
contra-hegemônicas mais consistentes e menos maniqueístas sobre noções
de indivíduo, família, religião e segurança”.
O lulopetismo caiu pelos próprios erros e Lula deveria saber que,
repetindo-os, não voltará ao poder. Mas o fascínio do PT pela
experiência venezuelana torna difícil imaginar que Lula esteja disposto a
mudar seu discurso populista. A simples tentativa de implantar aqui um
regime bolivariano golpeará fortemente a democracia. É aí que reside,
para o País, o perigo do programa “radical no sentido político” que o
ex-presidente defende.
extraídaderota2014blogspot
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