editorial de O Globo
Na apresentação que fez à comissão do impeachment das razões técnicas
que a levaram a assinar o pedido de impedimento da presidente, junto com
Miguel Reale Jr. e Hélio Bicudo, também juristas, Janaina Paschoal
disse ter concluído que o governo “não considera a responsabilidade
fiscal um valor”. A frase resume bem o pano de fundo da tragédia fiscal
que começou a ser plantada no segundo governo Lula, quando a crise
mundial agravada a partir de fins de 2008 serviu de pretexto para a
adoção de uma política econômica “anticíclica”.
Na realidade, era a aplicação das antigas propostas petistas de aumento
dos gastos sem cuidados com a inflação, sempre em nome, claro, do
combate à pobreza e da redenção dos miseráveis. No primeiro mandato de
Dilma, esta política, já batizada de “novo marco macroeconômico”, foi
aprofundada, apesar de todos os alertas. A partir de 2013, técnicas de
“contabilidade criativa” foram usadas para maquiar déficits e, em 2014,
na campanha, tarifas públicas ficaram congeladas e ainda pressionaram,
por meio de subsídios, o Tesouro. Estava preparado o terreno para a
catástrofe iniciada logo após a posse da presidente reeleita num
estelionato contra o eleitor — choque tarifário, inflação, recessão e
consequente desemprego.
Os dados referentes às contas públicas em fevereiro e no primeiro
bimestre do ano, divulgados quarta-feira, ilustram o aprofundamento do
problema fiscal, dada a resistência de Dilma e do lulopetismo — agora
mais unidos que nunca, na luta contra o impeachment — em fazerem as
mudanças necessárias para evitar que os gastos continuem a crescer numa
velocidade maior que as receitas. Quando estas não caem, devido à
recessão.
É por isso que os números são e tendem a continuar dramáticos: em
janeiro e fevereiro, juntos, os gastos do governo federal cresceram
16,8% e as receitas, 6,4%. Todo o setor público somado — União, estados e
municípios — acumulou um déficit primário (sem incluir os juros da
dívida) de 2,1% do PIB, considerando-se um período de doze meses. Não
havia registro de um resultado negativo tão robusto.
Já no conceito de déficit nominal — aqui considerados os juros —, o
saldo em vermelho chegou aos 10,75% do PIB, algo que faz lembrar a
Grécia na crise em que ameaçou sair da zona do euro.
Mesmo assim, o governo insiste na política suicida: quer autorização do
Congresso para acumular, este ano, mais um déficit primário, este de
1,5%. Está convencido, com base num keynesianismo mal digerido, de que a
sucessão de déficits públicos resgatará a economia.
Será o contrário. Com a piora da percepção sobre a solvência da dívida
pública, o crédito encarece. O câmbio sobe, a inflação ganha fôlego e os
juros precisam ser elevados. Assim, a recessão se mantém, a arrecadação
não reage e a bola de neve do pessimismo com o país não para de
crescer. É a marcha da insensatez à vista de todos.
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