#vamosmudarbrasilia
O
investimento de 10% do PIB em educação pode não surtir o efeito
desejado, caso o ensino brasileiro não se liberte da doutrinação que o
assola, como defende a ONG Escola Sem Partido, que realiza o primeiro
congresso a tratar do tema.
Caso a educação pudesse ser feita apenas com dinheiro, sem dúvida, o Brasil teria um ensino de Primeiro Mundo. Com a promulgação pela presidente Dilma Rousseff do Plano Nacional de Educação (Lei Federal 13.005), em 25 de junho último, o Brasil terá de aplicar 10% do Produto Interno Bruto (PIB) em educação, o que significa uma soma anual de R$ 484 bilhões, considerando o PIB de 2013, segundo o IBGE. Hoje, o País investe 5,8% do PIB em educação e, a partir do quinto ano de vigência do plano, isto é, em 2019, esse investimento terá de ser de 7%, alcançando os 10% no final da vigência do plano, em 2024.
Com
os 5,8% que já investe na educação, o Brasil desponta como um dos
países que mais investem no setor. Segundo reportagem da “Folha de S.
Paulo”, publicada em 5 de junho, “entre os países com maior peso na
renda mundial, reunidos no G-20, os desembolsos com a educação variam de
2,8%, na Indonésia, a 6,3% do PIB no Reino Unido, de acordo com a ONU”.
Ou seja, o Brasil já está próximo do topo do investimento e, com os 10%
do PIB para a educação, tende a se isolar na liderança entre as grandes
economias, ficando atrás apenas de nações diminutas, como Lesoto, que
lidera investindo 13% do PIB, ou de Cuba, cujas estatísticas sociais –
jamais fiscalizadas a sério pela ONU – são tão confiáveis quanto uma
nota de 3 reais.
O
comprometimento desse porcentual do PIB no ensino foi a grande bandeira
da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, liderada pelo ex-líder
estudantil Daniel Cara, com uma vasta rede de apoiadores nacionais e
internacionais, que vão desde a ONG ActionAid, presente em mais de 40
países, até a Unesco e o Unicef, organismos da ONU para a educação, a
cultura e a criança, passando pela Open Society do megainvestidor
Georges Soros. Essa medida irá salvar a educação brasileira? A resposta é
não. Nas condições em que se encontra o ensino no País, investir 10% do
PIB em educação é quase jogar sal em carne podre. E uma das razões para
se considerar esse gasto um desperdício e não um investimento é, sem
dúvida, o viés ideológico da educação brasileira.
O
próprio Plano Nacional de Educação é um sintoma da doutrinação que
impera nas escolas do País, tanto públicas quanto privadas. A Campanha
Nacional pelo Direito à Educação, que sustentou a luta pela aprovação do
plano e dos 10% do PIB, é muito mais do que a face de Daniel Cara,
fartamente entrevistado pela imprensa como líder do movimento. Seu
comitê diretivo conta com 11 entidades, entre elas o Centro de Cultura
Luiz Freire, um grupo de esquerda radical de Pernambuco, sediado em
Olinda, que defende o controle social dos meios de comunicação, e até o
indefectível MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), com 2
mil escolas em seus assentamentos e acampamentos, nas quais oferece
uma educação à moda cubana, tendo Che Guevara como modelo.
Universidades viraram incubadoras de minorias
Hoje,
muitos movimentos sociais não surgem espontaneamente – são fomentados
ou até criados pelas universidades, que se tornaram verdadeiras
incubadoras de minorias. Na maior parte dos casos, de forma culposa, em
decorrência de uma pregação ideológica geral, mas, em alguns casos, de
modo doloso, por meio da organização institucional desses movimentos,
que contam até com financiamento público, geralmente com verbas
destinadas à pesquisa e à extensão universitária.
É
o caso, por exemplo, do Centro de Difusão do Comunismo da
Universidade Federal de Ouro Preto (MG), um programa de extensão
vinculado ao Curso de Serviço Social da universidade, que oferecia
bolsas de pesquisas para os alunos participantes de suas atividades de
militância política contra o capitalismo.
Apesar
de declarar que “não é um programa acadêmico com objetivos
político-partidários”, o Centro de Difusão do Comunismo afirma que seu
objetivo é “desenvolver o trabalho de ensino, pesquisa e extensão a
partir da perspectiva da classe trabalhadora – do ser social que
trabalha e é explorado – e lutar por uma sociedade para além do
capital!”. O próprio nome não poderia ser mais expressivo: em vez de um
“grupo de estudos” do marxismo, como muitos que pululam dentro das
universidades pelo País afora, trata-se de um “centro de difusão” do
comunismo, o que revela o seu papel de militância política e não de
estudo apenas teórico.
Diante
desse aparelhamento político da universidade, um advogado de São Luís
do Maranhão, Pedro Leonel Pinto, entrou com uma ação popular contra o
centro comunista e conseguiu que a Justiça Federal suspendesse o custeio
de suas atividades por parte da Universidade Federal de Ouro Preto, que
ficou impedida de fornecer professores e disponibilizar suas
dependências para as atividades do centro. Todavia, a única medida que
deve ter surtido efeito prático foi a suspensão do pagamento das bolsas
de extensão para os ativistas do centro, pois a pregação comunista
continuou dentro da própria universidade, a despeito da decisão da
Justiça.
De
24 de abril a 10 de julho último, por exemplo, o Núcleo de Estudos
Marxistas da Federal de Ouro Preto, vinculado ao CNPq, promoveu um
encontro sobre a obra do marxista húngaro István Mészáros, realizado nas
dependências do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da
universidade. Nos cartazes de divulgação das palestras aparece a frase:
“Em apoio ao Centro de Difusão do Comunismo”. No mês de maio, também
nas dependências do instituto, foi realizado um “Encontro com os
Trabalhadores”, envolvendo quatro sindicatos, promovido pelo Curso de
Serviço Social em apoio ao Centro de Difusão do Comunismo. No cartaz de
divulgação do evento, uma frase desafiadora: “Ação judicial nenhuma vai
impedir nossa luta ao lado dos trabalhadores”.
Minorias com verbas milionárias
Não
se trata de um caso isolado, mas de uma tendência. Pelo Brasil afora,
núcleos de estudantes de pós-graduação ou graduandos com bolsa de
iniciação científica engrossam as fileiras de movimentos como a Marcha
das Vadias, a Marcha da Maconha, o Movimento Passe Livre e os black
blocs, geralmente associando a militância política com as atividades
discentes. O movimento gay, o movimento negro e o movimento feminista
são os que mais se beneficiam da doutrinação ideológica que impera nos
meios acadêmicos. Hoje, na área de humanidades, não faltam linhas de
pesquisa destinadas aos estudos de raça e de gênero, que se tornaram até
mais atraentes do que os estudos de classe das velhas gerações do
marxismo ortodoxo, calcado no materialismo histórico-dialético.
O próprio movimento negro, que tem raízes numa luta justa contra o racismo, especialmente nos Estados Unidos, adquiriu contornos claramente artificiais, chegando a ser ele próprio segregacionista ao tratar o branco como inimigo e o mulato como um ser desprezível, que só é digno de respeito caso se assuma como negro. No excelente livro “Uma Gota de Sangue”, o geógrafo e sociólogo Demétrio Magnoli disseca a criação artificial de minorias pelo mundo afora, num levantamento à altura dos estudos do economista norte-americano Thomas Sowell, que, analisando as ações afirmativas de países como Estados Unidos, Índia, Nigéria, Sri Lanka e Malásia, demonstra a ineficácia das políticas públicas que visam a emancipar as minorias e, no mais das vezes, acabam produzindo injustiças e conflitos.
O próprio movimento negro, que tem raízes numa luta justa contra o racismo, especialmente nos Estados Unidos, adquiriu contornos claramente artificiais, chegando a ser ele próprio segregacionista ao tratar o branco como inimigo e o mulato como um ser desprezível, que só é digno de respeito caso se assuma como negro. No excelente livro “Uma Gota de Sangue”, o geógrafo e sociólogo Demétrio Magnoli disseca a criação artificial de minorias pelo mundo afora, num levantamento à altura dos estudos do economista norte-americano Thomas Sowell, que, analisando as ações afirmativas de países como Estados Unidos, Índia, Nigéria, Sri Lanka e Malásia, demonstra a ineficácia das políticas públicas que visam a emancipar as minorias e, no mais das vezes, acabam produzindo injustiças e conflitos.
E
o que é mais grave: muitas dessas minorias só tomam consciência de si,
criando uma história que nunca tiveram, por meio do discurso ideológico
produzido nas universidades e fomentado com recursos de poderosas
fundações privadas, como a Fundação Ford. Demétrio Magnoli descreve
esse fenômeno: “Diferentemente das nações, que emanam de um processo
complexo de fabricação de uma história, uma literatura e uma geografia,
as ‘minorias’ da globalização emergem apenas de uma postulação étnica
superficial. Nações podem até ser interpretadas como imposturas, mas são
imposturas nas quais o povo acredita. As ‘minorias’, em contraste, são
imposturas nas quais nem mesmo os impostores acreditam”.
Para
Demétrio Magnoli, as elites multiculturalistas que formam essas
minorias artificiais “não precisam de apoio popular, pois a sua
legitimidade se conquista nos salões suntuosos das instituições
internacionais”. O autor mostra que só a Fundação Ford destinou 280
milhões de dólares, em 2001, para criar programas de pós-graduação
voltados para a formação de “lideranças emergentes de comunidades
marginalizadas fora dos EUA”. Segundo outras fontes, de 1962 a 2001, a
Fundação Ford investiu só no Brasil 347 milhões de dólares, em valores
corrigidos pela inflação. Magnoli afirma que “as subvenções da Fundação
replicaram nas universidades brasileiras os modelos de estudos étnicos e
de ‘relações raciais’ aplicados nos EUA e consolidaram uma rede de
organizações racialistas que começaram a produzir os discursos e
demandas dos similares norte-americanos”.
Atentado à dignidade humana
Ora,
se até o histórico movimento negro já está perdendo suas raízes
legítimas e se tornando um engenho ideológico da academia, o que dizer
de movimentos sem qualquer lastro histórico, como a Marcha das Vadias?
Tanto no Canadá, onde teve origem, quanto no Brasil, que imita tudo,
essa marcha é pura consequência dos estudos de gênero que se
disseminaram pelas universidades de todo o mundo. Vá lá que, em
metrópoles como São Paulo ou Nova York, onde existem tribos para todos
os gostos, esse tipo de marcha pudesse surgir espontaneamente (e nem
isso ocorre). Mas o que dizer da modesta cidade de Jataí, no interior de
Goiás, com seus 93.759 habitantes? Lá, a “Marcha das Vadias” só existe
porque conta com o apoio do Campus UFG, por meio de um grupo de extensão
sobre gênero, direitos e violência.
O
extremismo ideológico que grassa nas universidades pode chegar ao ponto
de destruir a própria dignidade humana, equiparando-se aos experimentos
de Joseph Mengele no ápice do terror nazista. Em 29 de maio último, os
alunos do curso de Produção Cultural da Universidade Federal
Fluminense, como parte da disciplina chamada “Corpo e Resistência”,
promoveram no Campus de Rio das Ostras o evento “Xereca Satânica”, em
que, a pretexto de denunciar o alto índice de estupro, uma mulher teve a
vagina costurada no meio da festa. Depois que o evento foi denunciado
na grande imprensa, a Polícia Federal chegou a abrir inquérito para
apurar responsabilidades, mas provavelmente a investigação não dará em
nada, esbarrando na apregoada liberdade estética de seus promotores.
Mais
espantoso do que o próprio evento foi a defesa que se tentou fazer
dele. O coordenador do curso de Produção Cultural da Universidade
Federal Fluminense, Daniel Caetano, graduado em Cinema e doutor em
Literatura, Cultura e Contemporaneidade, explicou que a mulher que teve a
vagina costurada integra um coletivo de Minas Gerais que foi ao Rio
especialmente para participar do evento. E acrescentou: “É um coletivo
que está habituado a fazer performances como a que aconteceu, feitas
para chocar a sensibilidade das pessoas e fazê-las pensar sobre seus
próprios limites”. Ora, se é para testar limites, que se acabe com a tal
Comissão da Verdade e se contratem torturadores da ditadura para fazer
performances nas universidades.
Daniel
Caetano foi ainda mais longe, afirmando taxativamente: “Embora não
tenham sido feitos ‘rituais satânicos’ e o título do evento fosse
essencialmente provocativo (ao contrário do que o jornalismo marrom
afirmou), precisamos dizer que não haverá de nossa parte qualquer
censura a atos do gênero”. E desafiou: “Qualquer pessoa em cargo público
que porventura se posicionar contra a performance será por nós
inquirida acerca de suas atitudes prévias contra os estupros em Rio das
Ostras”. Engraçado é que essa gente, quando se trata de combater
criminosos armados, sempre fica contra a polícia, alegando que violência
não se combate com violência. Mas na universidade ensina a combater o
estupro estuprando – o corpo, a inteligência e a dignidade humana.
Efeitos negativos na educação básica
Mas
engana-se quem pensa que essa ideologia destrutiva fica restrita às
universidades e afeta apenas a qualidade do ensino superior. Ela tem
graves consequências na sociedade, especialmente em áreas como saúde e
educação. Esse tipo de ativista, até por integrar coletivos ideológicos,
participando de amplas redes de relacionamento acadêmico, acaba fazendo
especialização, mestrado, doutorado e se tornando autoridade
pedagógica, indo pontificar na educação básica sobre gênero, minorias,
exclusão. Em que outro lugar um especialista em costurar vagina e
teorizar sobre isso arranjaria trabalho? Só mesmo nas Secretarias de
Educação, onde poderá pontificar sobre teoria de gênero e
“heteronormatividade burguesa”, coordenando a distribuição de camisinhas
e kit gay.
Agora
pensem quantas camisinhas não dá para distribuir nas escolas com 10% do
PIB para gastar? É por isso que, antes de se investir essa fabulosa
soma de recursos na educação, seria preciso combater a doutrinação nas
escolas. É evidente que o conhecimento não é absolutamente neutro e o
professor ou o autor de um livro, na relação com seus alunos e leitores,
fatalmente há de misturar alguma crença pessoal em meio aos fatos que
leciona. Mas justamente por reconhecer essas limitações humanas, é que a
ciência sempre se esforçou para criar métodos que afastassem ao máximo a
inevitável subjetividade do indivíduo – e a educação, que serve à
ciência e dela se serve, também esposou esse mesmo princípio,
inculcando no mestre a necessidade de cultivar a imparcialidade.
Mas,
hoje, ocorre o contrário: ancorando-se em pensadores como o pedagogo
Paulo Freire e o filósofo Michel Foucault, o ensino se tornou um
instrumento das mais diversas lutas políticas, transformando as escolas
num feirão de experimentos de gueto, em que cada minoria julga-se no
direito de ter o seu português, a sua matemática, a sua história, a sua
geografia, a sua literatura, dilapidando o patrimônio comum que tornou
possível o surgimento das grandes civilizações ao longo da história.
Seminário contra a doutrinaçãoFelizmente,
já surgem reações a essa destrutiva politização do ensino. Exemplo
disso é a ONG Escola Sem Partido, fundada e coordenada pelo jurista
Miguel Nagib, à frente de um grupo de pais e alunos que lutam contra a
doutrinação nas escolas. Além do blog que leva seu nome e acumula
dezenas de estudos de caso de doutrinação, a ONG realizará na próxima
quinta-feira, 24, em Brasília, o I Congresso Nacional sobre Doutrinação
Política e Ideológica nas Escolas, em parceria com a Federação Nacional
das Escolas Particulares. O evento será sediado no Colégio Ciman, em
Brasília, e terá transmissão ao vivo pela internet, no site da Fenep. O
filósofo Olavo de Carvalho será um dos palestrantes, por
videoconferência, diretamente dos Estados Unidos, onde reside.
Um
fato que chama a atenção no seminário é a presença de professores
universitários com doutorado, numa prova de que a fortaleza ideológica
da esquerda no ensino superior não é inexpugnável. Luís Lopes Diniz
Filho é doutor em Geografia pela USP, professor do Departamento de
Geografia da UFPR e autor dos livros “Fundamentos Epistemológicos da
Geografia” (2009) e “Por uma Crítica da Geografia Crítica” (2013).
Bráulio Porto de Matos é professor da Faculdade de Educação de
Brasília, mestre e doutor em sociologia pela UnB e pós-doutor pela
University of Sussex, além de autor de “Pedagogic Authority and Girard’s
Analysis of Human Violence” e co-autor de “A Pós-Graduação no Brasil
– Formação e Trabalho de Mestres e Doutores no País”.
O
medievalista Ricardo da Costa é professor do Departamento de Teoria
da Arte e Música da Universidade Federal do Espírito e doutor pelo
Institut Superior d’Investigació Cooperativa Ivitra. Trajano Sousa de
Melo é promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e
Territórios. Ana Caroline Campagnolo é mestranda em História na
Universidade do Estado de Santa Catarina e foi professora de História na
rede de ensino pública e privada de seu Estado. Miguel Nagib é advogado
e o idealizador de tudo isso. Este que vos escreve completa o quadro de
palestrantes. E levo comigo Durkheim, que profeticamente alertava: “De
que serviria uma educação que levasse à morte a sociedade que a
praticasse?”.
Publicado no Jornal Opção.
José Maria e Silva é sociólogo e jornalista.
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