#VAMOSMUDARBRASILIA
Em entrevista à ISTOÉ, FHC faz uma avaliação do atual momento político e diz que o mal-estar no País, os erros da política econômica e a quebra de confiança do empresariado em Dilma ampliaram as chances de vitória de Aécio Neves.
Os últimos três infortúnios
eleitorais do PSDB na corrida ao Planalto, em 2002, 2006 e 2010, tiveram
como característica comum a ausência do ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso da campanha. Sem assumir a principal herança do partido – os
dois mandatos de FHC, quando o Plano Real estabilizou a economia –, o
PSDB parecia se apresentar ao eleitor vazio de identidade. Nas eleições
deste ano, os tucanos resolveram se reconciliar com o passado e Fernando
Henrique regressou ao epicentro da campanha, tanto pelo lado da
oposição como do governo, que vê neste retorno uma possível vantagem
comparativa.
INFLAÇÃO É CARESTIA
Para o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o Brasil enfrenta de novo o problema da alta dos preços.
O candidato do PSDB à Presidência, Aécio Neves, além de aconselhar-se
com FHC, insiste nas referências ao legado do ex-presidente e tem
exaltado a importância do seu governo. “Os anos FHC começaram a
reescrever a história do Brasil”, tem dito Aécio em recentes
entrevistas. No programa “Roda Viva”, da TV Cultura, Aécio mencionou 19
vezes o nome do ex-presidente. Elogiou as privatizações dos setores de
telecomunicações, de siderurgia e de aeronáutica e prometeu resgatar
programas de FHC, como o Médico da Família. Reunido no Palácio da
Alvorada na última semana, o staff da campanha de Dilma também resolveu
trazer FHC para o centro do ringue eleitoral. Na esteira da troca de
farpas entre FHC e Lula pela imprensa, os petistas apostam suas fichas
na comparação entre os oito anos do governo FHC e os 12 anos da gestão
Lula-Dilma. Para obter êxito, os petistas ancoram-se em pesquisas em
poder do marqueteiro João Santana que apontariam um desgaste de FHC
perante a população...
Embora esteja de volta à campanha, FHC se diz afastado do cotidiano
partidário. Essa condição permite que, em alguns momentos, o Fernando
Henrique sociólogo se sobreponha ao empedernido tucano. Foi o que
aconteceu em entrevista concedida na segunda-feira 21 à ISTOÉ na sede do
instituto que carrega o seu nome. Aos 83 anos, mais de uma década
depois de deixar o Planalto e sem qualquer pretensão política, o
ex-presidente se comportou, durante as duas horas de entrevista, como
uma figura pública capaz de fazer análises objetivas do momento do País.
Fez duras críticas ao governo, mas também ao PSDB. Elogiou determinados
aspectos das gestões Lula e Dilma Rousseff, enquanto relativizou alguns
de seus próprios feitos. Ao discorrer sobre a economia, tratou com
pouca relevância um dos alvos preferenciais da oposição, o crescimento
pífio do PIB brasileiro.“O importante é a população viver melhor.
Portugal não tem PIB nenhum e é mais Primeiro Mundo do que o Brasil”,
disse. FHC também admitiu pela primeira vez a desunião do PSDB nas
últimas disputas presidenciais, classificando de “grave problema”, algo
que, segundo ele, foi superado no pleito deste ano. “O PSDB uniu todo”,
afirmou. Na entrevista, o ex-presidente ainda confessou que há dois
anos não acreditava no triunfo dos tucanos nas eleições presidenciais.
Porém, o cenário, na avaliação de FHC, alterou-se substancialmente de
lá para cá. Hoje ele considera provável a vitória de Aécio. A mudança de
compreensão deriva, segundo ele, de um mal-estar no País, de uma fadiga
em relação ao governo, da piora da economia, da falta de confiança do
empresariado e da perda de credibilidade do PT, arranhado pelo mensalão.
Na campanha, o presidente de honra do PSDB prevê obstáculos adicionais
para Dilma pelo fato de ela, em sua visão, não falar com o País.
“As pessoas querem mais. As explosões de junho do
ano passado foram conseqüência do querer mais”
“O PT perdeu a credibilidade”
ISTOÉ – O que mudou no cenário político de 2010 para cá?
Fernando Henrique Cardoso – O Brasil de 2010 tinha tomado medidas
contra a crise de 2008 que funcionaram. Era um Brasil que tinha alguma
esperança. Basicamente, o governo tentou estimular o crescimento com
mais consumo graças à maior oferta de crédito. Então, houve uma expansão
grande do crédito, que animou o consumo. Mas levaram muito tempo para
entender que, para reativar o investimento, precisavam ter capital
público e privado. E parou. Depois, por causa da Copa do Mundo, deu
aquela aflição e correram para fechar parcerias público-privadas. Mas o
fundamento posto lá atrás, qual seja, o crescimento via consumo e
expansão do crédito, continua aí e não vem dando resultado.
DESPERDÍCIO
FHC avalia que o momento internacional era de "vacas gordas" durante
o governo Lula e o petista não soube aproveitar
ISTOÉ – O que deu errado?
FHC – Houve certa desatenção, não muito grave, à pressão inflacionária.
Mas o endividamento é muito grande. É uma sociedade que cresceu no
consumo e que chamam de “novas classes médias”, embora, sociologicamente
falando, não sejam uma nova classe média de fato. Mas isso também
trouxe transformações. As pessoas consumiram mais e agora é natural que
queiram mais. As explosões de junho do ano passado foram consequência do
querer mais. Existe uma corrida pelo crescimento do PIB. O governo está
em busca disso. Mas a sociedade não quer só isso. As pessoas querem
viver melhor.
ISTOÉ – Mas as manifestações de junho juntaram mais que apenas a chamada classe C.
FHC – É verdade. Todo mundo quer essa mudança. Queremos entrar no
Primeiro Mundo. O Primeiro Mundo não é um país que tem muito PIB. É um
país em que se vive melhor. Em que se tem segurança, educação, respeito e
dignidade. Portugal não tem PIB nenhum e é mais Primeiro Mundo do que o
Brasil. Aqui falta educação, segurança, o transporte não funciona.
Estourou no governo Dilma. O governo persistiu no estímulo ao consumo e
não olhou para os outros lados. Além disso, tem o manejo da política. O
Lula sabia manejar o Congresso. Não da maneira correta, pois o mensalão
ninguém pode apoiar. Mas ele sabia manejar. A Dilma não sabe manejar o
Congresso. E a situação está aí. Vou ser sincero: há dois anos eu não
acreditava na possibilidade de uma derrota eleitoral do governo. Porque o
governo é o governo, tem recursos enormes e tem a exposição permanente.
Os meios de comunicação, sobretudo a televisão, vão para um lado só. A
televisão brasileira é esporte, crime, um pouquinho de internacional e
muito governo. Por tradição. Nos EUA, ouve-se o outro lado. Aqui, o
outro lado não existe para a massa. A pessoa só começa a ver o outro
lado durante o período eleitoral. Achava muito difícil que houvesse uma
mudança. Hoje eu acho possível transformar esse mal-estar em algo que
tenha consequência eleitoral.
ISTOÉ – O sr. acha que a oposição não teve espaço na televisão brasileira?
FHC – É da nossa tradição. No meu governo também era assim, a oposição
pouco aparecia na tevê. A diferença é que, no meu governo, não fazíamos
tanta propaganda, até porque não tínhamos recursos. Este faz muita
propaganda.
ISTOÉ – Isso não acontece hoje porque a oposição propõe pouco, não tem um projeto objetivo e claro?
FHC – O problema da oposição é outro: existe apenas uma oposição
congressual. Os partidos existem no Congresso, não na vida da sociedade.
A única exceção era o PT, que sempre teve organização partidária. A
oposição se faz no Congresso, mas não repercute. O Congresso ficou muito
confinado a ele próprio. Quando eu era senador, meus discursos eram
publicados na íntegra nos jornais. Isso não acontece mais. Foi se
perdendo o elo do Congresso com a sociedade. O mesmo aconteceu com
outras instituições, com os sindicatos, com a UNE. Ela era
importantíssima no passado. Hoje, qual é a importância?
“O Lula sabia manejar o congresso. não da maneira correta, pois
o mensalão ninguém pode apoiar. mas ele sabia manejar. Dilma não sabe”
ISTOÉ – Isso não tem relação com o aparelhamento dessas instituições?
FHC – A UNE, por exemplo, foi aparelhada. Mas talvez tenha sido no
passado também. O problema é que a UNE e os próprios sindicatos eram
grandes personagens da vida brasileira. Isso tem a ver com a sociedade
como ela é hoje. De massas, conectadas, mas não presenciais. O que o
governo decide incide sobre as pessoas. A oposição não toma decisão. Ela
fala. E isso não aparece, só aparece um lado. O outro lado só aparece
na eleição. Tem outra questão ainda: as diferenças, hoje, são lidas no
espectro ideológico, direita e esquerda, mas não se dão nesse espectro.
Na formulação é como se fosse “uns estão para cá, e outros estão para
lá”. Na realidade não é assim. A diferença entre o PT e o PSDB é
principalmente a concepção que se tem da política e do governo. O PT
acredita que se muda o País ocupando o Estado e através do Estado
tomando as decisões, controlando mais, sobretudo a economia. O PSDB
acredita mais que é preciso não ocupar o Estado e ter uma relação maior
com a sociedade. Isso é tênue, claro. Os dois têm um pouco de cada um.
Mas a diferença essencial é essa. Na política monetária, por exemplo, o
PT pode ter errado aqui ou ali, mas não mudaram o que vinha sendo feito.
O juro não baixou como devia, é verdade. Mas isso é algo técnico.
Ninguém está discutindo, na essência, a função do Banco Central.
ISTOÉ – No início do seu governo ainda havia uma tensão entre os que
defendiam uma política econômica ortodoxa e os que queriam algo mais
parecido com o desenvolvimentismo. Mas isso se diluiu. No governo Dilma a
questão voltou e escolheu-se o caminho do nacional-desenvolvimentismo.
Foi o caminho errado?
FHC – O que se entendia pelo desenvolvimentismo? O José Serra acredita
muito no desenvolvimento com ativismo do governo. Acho que deve haver um
ativismo mesmo. Quando eu era jovem, só se falava em desenvolvimento e
subdesenvolvimento. A fórmula era assim: põe barreira para importação,
dá subsídio ao juro e o governo investe. Isso foi mudando com o tempo.
Como vai colocar barreira na importação com a economia globalizada?
ISTOÉ – A abertura da economia não tem volta?
FHC – Depois que o Collor abriu a economia não houve mudança nessa
direção. Não houve movimento de fechamento. Todo mundo também é a favor
da redistribuição de renda. As Bolsas (Escola e Alimentação) começaram
no meu governo. E os outros governos só não fizeram porque não tinham
como. A grande mudança nesse sentido se deu com a Constituição de 88,
que garantiu direitos democráticos e desenhou a possibilidade de um país
social-democrático, para usar uma expressão abusiva. A Constituição
manda que o governo providencie gratuitamente a educação, a saúde, faça
reforma agrária e assegure a previdência social. A partir de então, os
governos, queiram ou não, terão de ir nesse caminho. As Bolsas foram
para isso. A política de sustentação do saláriomínimo começou no governo
Itamar.
ISTOÉ – O sr. não vê no governo Lula uma aceleração do processo de inclusão?
FHC – Acelerou porque ele pôde. Ele teve recursos para isso por causa
do boom da China. Acabou a dívida externa na América Latina toda, não só
aqui. A folga fiscal foi maior. Mas os princípios foram lançados antes.
Progressivamente o Estado foi criando condições para melhorar.
Condições estruturais e organizacionais, digamos. Não era possível criar
as Bolsas sem internet. O Banco Mundial foi quem propôs primeiro. O PT
era contra. Quem primeiro fez foi Honduras e quem melhor fez
inicialmente foi o Chile. O cartão para criar o Bolsa Escola fui eu que
fiz, copiando o exemplo de Goiás, com Marconi Perillo, para dar
cidadania e entregando os recursos para a mulher. Foi decisão do meu
governo. As Bolsas também estavam sendo unificadas no meu governo. Era
uma questão técnica.
MÃO DO ESTADO
Segundo o ex-presidente, Dilma tem uma visão
"general Geisel" por ser mais intervencionista
ISTOÉ – Mas o Lula iniciou com o Fome Zero.
FHC – Que nunca existiu. O Fome Zero do Lula ficou um ano sem sair do
papel. Depois eles perceberam que era melhor pegar o plano anterior, que
era o das Bolsas. Não houve mudanças radicais quando mudou o governo.
ISTOÉ – Nenhuma mudança expressiva?
FHC – O que houve foi maior presença do partido nas empresas. Sempre
lutamos para tirar qualquer partido de dentro das empresas. A Petrobras,
por exemplo. Nunca pensamos em privatização. É mentira. Nem se cogitou.
Queríamos a competição e tirar a influência partidária. O mesmo com o
Banco do Brasil e a Caixa Econômica. Eu diminuí muito a presença de
partidos aí. Com o Lula isso se inverteu. E a Dilma está sofrendo as
consequências. Ela, quando colocou a Graça Foster, foi para diminuir a
influência política. Mas estourou na mão dela. Hoje, o PMDB tem
vice-presidente da Caixa, Banco do Brasil, no meu governo não tinha
isso. Essa é a diferença. Agora, entre a Dilma e o Lula, existem outras
diferenças. Para a Dilma, o Estado tem que ter um papel crucial no
investimento e no controle. Ela é intervencionista. Tem uma visão mais
general Geisel.
“Quem tem 47% de rejeição não pode dizer que é
somente a elite branca que está contra o governo”
ISTOÉ – E isso é prejudicial?
FHC – É uma visão mais dos anos 60 e 70. Mas, em relação ao Lula, não
houve uma mudança muito radical, como não haverá se o Aécio Neves
ganhar. O Aécio não vai mexer na política do Bolsa Família. O que deverá
fazer é aumentar o mercado de trabalho. Acompanhar a pessoa que é
assistida até ter o emprego, como ocorreu no Chile. O ideal é que as
pessoas não sejam dependentes. O Bolsa Família é uma solução de
emergência, necessária, mas não para o futuro.
ISTOÉ – Uma das críticas que são feitas recorrentemente à oposição é
que, além de esconder o sr. nas últimas eleições, ela não soube dizer o
que poderia fazer de diferente. Chegou o momento de fazer isso?
FHC – A população está interessada no bolso, e isso pesa muito hoje,
porque a inflação para o povo é mais do que 7% – está em cerca de 10%.
Hoje, o Bolsa Família é menor do que o bolso. A Bolsa não é suficiente
para o bolso. Para as classes mais populares a vida está cara. Para a
classe média também. Para o povo, inflação é carestia. Estamos vivendo
de novo um problema de carestia. Nisso o candidato de oposição tem que
ser claro. O governo atual levou a essa situação.
ISTOÉ – Como o candidato Aécio Neves pode passar a segurança de que tem condições de mudar o quadro atual?
FHC – Eu cultivo o hábito de desligar o som da tevê toda vez que começa
o programa eleitoral de algum candidato. Porque sei que as pessoas
percebem muito mais é como o candidato fala. O jeitão. Se transmite
firmeza, simpatia, segurança. Podem dizer: se for assim, a Dilma
dificilmente seria eleita... Mas o Lula não. E quem elegeu Dilma foi o
Lula. Então você tem um lado que é como a pessoa se relaciona com o
conjunto da população. São 140 milhões de eleitores. Eles não vão ler
programa de partido. Mal sabem o nome dos candidatos. Estão começando a
aprender, salvo o do governo. E eles vão pensar: eu confio nesse cara ou
não confio? Ele falou alguma coisa que tocou no meu coração? Bem, ele
vai pensar que é no coração, mas é no bolso também... O candidato tem
que ter uma conversa com o País. Eu ganhei duas vezes no primeiro turno.
E já era o Lula. Nunca deixei de falar do jeito que eu falo, embora
digam que eu falo pedantemente. Não é verdade. Eu tenho meu jeito, não
adianta imitar o outro. Mas eu falava com o País. Fui pesquisador de
campo e sei como é isso. O Lula fala com o País. Já a Dilma não fala com
o País.
ISTOÉ – O Aécio fala com o País?
FHC – O Aécio pode falar. Jeitão ele tem. Ele passa uma simpatia. Mas
precisa dizer alguma coisa que faça ele chegar lá. Ele foi governador de
Minas Gerais. Conseguiu.
ISTOÉ – Quem, entre os candidatos, pode capitalizar melhor o que
aconteceu em junho de 2013, quando houve as manifestações populares?
FHC – Por enquanto, ninguém. E quem for capitalizar agora vai perder. A
população vai interpretar como oportunismo. Agora, é muito importante
em qualquer eleição o bad ou o good feeling. Hoje existe um mal-estar no
País. Isso favorece a oposição. Por isso, acho que temos grandes
chances. Há também o cansaço de material. Fadiga. O Geraldo Alckmin,
governador de São Paulo, com 54% de apoio, é um dos poucos que
contrariam essa tese.
ISTOÉ – Mas no caso do Geraldo Alckmin parece que há o efeito teflon.
Nada cola nele, mais ou menos como acontecia antes com o Lula.
FHC – É verdade. Nada cola.
ISTOÉ – Há uma fadiga em relação ao PT?
FHC – Há uma fadiga em relação ao governo. Bem, também existe a fadiga
da classe média em relação ao PT. Sobretudo em São Paulo. É assustadora
essa rejeição de 47% no Estado e 49% na cidade.
ISTOÉ – O que todo mundo comenta, no meio político, é que a batalha de
São Paulo terá um peso maior nessas eleições. O sr. concorda?
FHC – Se for isso, nós vamos ganhar. Olha, o PSDB nunca tinha
conseguido isso e estamos alcançando agora. Uma harmonização grande
entre São Paulo e Minas. No Rio, nunca tivemos uma grande força e agora o
Aécio Neves tem sido hábil e conseguiu desorganizar lá a base do
governo. Para vencer, precisamos consolidar o peso que temos por aqui e
reduzir a diferença no Norte-Nordeste. No Estado de São Paulo, o Aécio
ganha no segundo turno e, na cidade, no primeiro turno. No Sul, a gente
ganha. Na Bahia, estamos razoavelmente bem. Em Pernambuco, o Eduardo
Campos, candidato do PSB, vai tirar votos da Dilma. No Ceará, fizemos
acordo com Tasso Jereissati e Eunício Oliveira, do PMDB. E temos as
prefeituras de Maceió, Teresina, Belém, Manaus, algo que nunca tivemos.
Por isso, a chance de ganhar aumentou. Claro que o aumento da
possibilidade de vitória do Aécio decorre de outros fatores que já
elencamos, como o mal-estar no País, o cansaço, os erros de condução da
política econômica e, mais recentemente, a quebra de confiança do
empresariado no governo.
“O Bolsa Família não é suficiente para o bolso.
A vida está cara. O governo levou a essa situação”
ISTOÉ – Essa ruptura do governo com o empresariado aconteceu quando?
FHC – Entre seis meses e um ano. No começo havia o sonho do “Volta,
Lula”, que vinha mais do meio empresarial do que do povo. Depois que
essas pessoas se convenceram de que não seria o Lula, começaram a tomar
distância. Quem vai decidir mesmo é a massa, mas há uma certa fluidez
entre esses segmentos. Não é isolado. Por exemplo, teve o episódio das
vaias a Dilma no estádio. E falaram: “Ah, mas é elite branca”. É um
exagero, não refletiu só isso. Se fosse, as pesquisas agora não iriam
apontar essa queda na avaliação da presidenta. Vamos considerar que, de
fato, as pessoas de maior poder aquisitivo eram as que estavam presentes
no estádio. É verdade. Mas quem chamou a elite branca para lá? Foi o
governo. Sobre os xingamentos, a mim me chocou. Soube, depois, que o que
disseram para a Dilma se tratava de um bordão comum nos estádios de
futebol. Bem, de qualquer maneira, ir ao estádio é chamar vaia. Qualquer
governante. Nas atuais circunstâncias, mais ainda. Mas não é algo
isolado: um candidato com 47% de rejeição não pode dizer que quem está
contra é somente a elite branca.
ISTOÉ – O sr. não acha que essa definição de elite branca se destina a
enfatizar que o PSDB é o partido dos ricos e o PT o partido dos pobres?
FHC – É um estigma que o PT quer colocar. Mas o PSDB ganha em Alagoas,
em Maceió, em Belém e no Piauí. Essas são algumas das regiões mais
pobres do Brasil. O quadro médio do PSDB é o sujeito de classe média
universitária. O do PT é o quadro sindical. Tem uma diferença, sim. Mas
não é essa coisa de elite branca.
JEITÃO
Para FHC, o candidato do PSDB ao Planalto, Aécio Neves, tem um "jeitão"
para falar com o País e capacidade pessoal para acabar com divisões
ISTOÉ – Mas o sr. não acha que essa imagem pode ter força eleitoral?
FHC – O que pega na eleição depende do que o eleitor quer ouvir. Há
momentos em que o povo está disposto a ouvir certos estigmas. Há outros
que não. Isso não é religião: “Eis aqui a verdade, eu sou a verdade”.
Você pode dar o dado certo, mas, se o povo não estiver querendo ouvir,
não vai ouvir. Eu acho que a diferença nessas eleições é que o povo está
disposto a ouvir outras coisas. Eu não ganhei do Lula? E não sou de
classe média e universitária, da elite branca?
ISTOÉ – Pela sua autodefinição, da elite meio branca...
FHC – Isso, da elite meio branca... Mas a questão é que agora acho que o
eleitor está disposto a ouvir o outro lado porque há uma ruptura de
confiança, a economia piorou, há um cansaço e uma fadiga de material.
Por isso, considero agora que é provável a vitória do PSDB e de Aécio
Neves.
ISTOÉ – O escândalo do mensalão não colou no PT em 2005 e 2006. Pode
afetar agora depois das prisões de ex-integrantes da cúpula do partido?
FHC – Não pegou porque as pessoas não estavam dispostas a ouvir. Nem a
classe média. Mas ali o PT perdeu a credibilidade. O Lula não perdeu
popularidade naquele momento, não sei hoje, mas perdeu a credibilidade. O
mensalão arranhou muito.
“O eleitor quer ouvir o outro lado (oposição)porque há um cansaço,
uma ruptura de confiança e a economia piorou”
ISTOÉ – E o mensalão mineiro, que atingiu quadros do PSDB?
FHC – Teve pouca repercussão. E, por outro lado, o Eduardo Azeredo é um
cara correto. Você acha que se fosse só o José Genoino ele iria para a
cadeia?
ISTOÉ – O sr. vê uma diferença entre o José Genoino e os demais presos pelo mensalão?
FHC – Eu falei mais pela percepção da população. Racionalmente, eu acho
que o Genoino tinha que ser preso porque ele assinou aqueles papéis.
Mas ele não tem a imagem de um cara maquiavélico e que vai se
locupletar. O Eduardo Azeredo também é um cara assim.
ISTOÉ – O Joaquim Barbosa é visto hoje como alguém que mudou a cara da
Justiça do País, mas, ao mesmo tempo, como uma pessoa autoritária. O sr.
acha que ele tem futuro na política?
FHC – Se ele fosse candidato, teria muitos votos. Porque tem esse lado
da Justiça, que todo mundo quer, e porque ele é negro e teve coragem.
São atributos valorizados. Mas ele teve o bom senso de não se
candidatar. Iria esmaecer o que fez. Não acho que ele tenha aptidões
políticas. Ele é justo. Mas política não é só isso. Impeachment, por
exemplo, não é justiça. É julgamento político.
ISTOÉ – O STF é uma casa política?
FHC – É e tem que ser. Por isso acho que deveria se restringir a
discutir assuntos constitucionais. Mas o julgamento do mensalão não foi
político. Ele fez um julgamento comum, em última instância, um
julgamento de crime. O Joaquim, que é promotor, aplicou a lei. E o povo
gostou, porque ele aplicou a lei sobre poderosos. E foi importante, de
fato.
ISTOÉ – Qual é a diferença do PSDB que pode chegar ao poder em 2015 daquele de 1994, quando o sr. foi eleito?
FHC – Em 1994, era um PSDB que começava a entender a mudança do mundo.
Mas quem chegou ao poder não foi o PSDB, fui eu, por causa do sucesso do
Plano Real. O povo viu que mudamos a vida dele. E ali eu ganharia sem
apoio de ninguém. Não precisava de aliança. Fiz aliança com o PFL para
conseguir governar. Era melhor fazer aliança antes do que depois. Mas eu
ganharia sem o PFL. Como o Lula ganhou sozinho em 2002, não foi o PT. O
Lula ganharia sozinho. Mas ele foi fazer aliança depois e deu no
mensalão. Se tivesse feito antes, seria mais fácil. Ganhamos com o Plano
Real e com o sentimento da população de que a vida melhorou. Hoje é
diferente. Se o Aécio ganhar, não será ele que vai vencer só.
ISTOÉ – Por quê?
FHC – O peso do PSDB vai ser maior desta vez. O Aécio teve que
articular bem. Ele está crescendo por causa da capacidade de articulação
que tem.
ISTOÉ – Um dos problemas das últimas eleições foi que o partido rachou. O PSDB está unido hoje?
FHC – O PSDB uniu todo. O Aécio foi lá e fez. Foi, de fato, um dos
problemas graves das últimas eleições. Agora, o Aécio vai enfrentar uma
situação mais difícil que a minha, se ele ganhar a eleição. Os problemas
se acumularam, não foram resolvidos e o PT será duro como oposição.
"Há dois anos eu não acreditava. Agora, eu acho
provável a vitória de Aécio Neves"
ISTOÉ – É um exagero dizer que aqui caminhamos para uma situação como a
da Venezuela. Mas já se percebe que a campanha será muito acirrada. Há
risco de o País sair dividido das urnas?
FHC – O Aécio tem uma grande capacidade pessoal de acabar com divisões.
E a força de atração do poder é muito grande. O PT vai espernear, mas
não tem capacidade de paralisar certos processos em marcha. Governar é
sempre difícil. Você depende de sorte também. Como fazer o PIB crescer
quando você tem crise no mundo? O governo Lula teve vacas gordas e não
usou.
ISTOÉ – O que o sr. achou da denúncia sobre a construção, pelo governo
de Minas Gerais, de um aeroporto dentro de uma área que pertenceu a um
tio-avô do candidato do PSDB, Aécio Neves, e qual o impacto eleitoral
disso?
FHC – O Aécio explicou que a construção se fez em área já desapropriada
e pertencente ao Estado de Minas e que seu tio-avô contesta o valor da
desapropriação. Se é isso, qual a acusação? Se há denúncia, que haja
apuração, mas não creio que isso arranhe a candidatura.
Fonte: Por SÉRGIO PARDELLAS, revista Istoé -
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