Jornalista Andrade Junior

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

O experimento de Filadélfia

O experimento de Filadélfia - GLÁUCIO SOARES

CORREIO BRAZILIENSE -

Filadélfia é uma cidade americana com tradição, que teve a pretensão de concorrer com Nova York nos dias áureos desta cidade. Hoje, Filadélfia volta a figurar no noticiário internacional por um conjunto de boas razões. Os homicídios caíram 30% em um ano. Houve várias outras baixas em indicadores de crimes, como furto de carros, agressão física, assaltos a residências e negócios. A polícia acompanha estatisticamente 14 tipos de crimes relevantes. Nove deles atingiram o nível mais baixo em cinco anos.

O que houve? Todos temos interesse em saber como eles conseguiram esses resultados, talvez pensando em reproduzir as medidas e obter benefícios de diferentes tipos e tamanhos. Há mudanças que dificultam o crime e outras que o facilitam. Entre as que dificultam está a redução de uma faixa da população que contribui muito para o crime, tanto como vítimas quanto como autores. E houve, em Filadélfia, redução na faixa de pessoas entre 18 e 29 anos. É uma faixa que pesa muito no crime, sobretudo na cara masculina.

Mas não foram só as mudanças sociais e demográficas que contribuíram para a baixa do crime: houve políticas públicas inteligentes. Como as autoridades de Filadélfia definem políticas públicas inteligentes? Primeiro, e mais importante, baseadas em dados e pesquisas, não em chutes e achismos; segundo, mais proativa do que repressiva - a ênfase é impedir que o crime aconteça e não punir depois que o crime aconteceu; finalmente, ela se baseia na comunidade, que participa ativamente da segurança cidadã.

A inteligência usa análises georreferenciadas. Não distribui aleatoriamente os recursos preventivos e repressivos. Concentra-os onde há mais crimes, particularmente nas áreas quentes, com índices muito altos de criminalidade. Há análise dos crimes e suas tendências. Hoje a polícia trabalha mais com computadores do que com armas.

Algumas práticas tinham sido abandonadas, mas foram recuperadas em novos moldes. Uma delas é a patrulha a pé. Já foi a base da prevenção e foi sendo progressivamente abandonada. Voltou, experimentalmente, de roupa nova, com policiais treinados na interação com a comunidade. Foi um programa, com direito a nome e tudo: o Foot Patrol Experiment. Foi posto em ação no verão de 2009 e o resultado foi uma queda nos crimes violentos, que não foi pequena: 23%.

Ou seja, as políticas públicas inteligentes testaram e adotaram o que funcionava, abandonando o que não funcionava. Foram ancoradas em experimentos e dados, não em chutes, impressões e achismos. Ficaram de fora muitas medidas que, por serem recentes, deslumbraram alguns e, voltaram outras que, por serem mais antigas, tinham sido abandonadas. Ficou e entrou o que foi demonstrado empiricamente que funcionava.

Os policiais não inventaram conhecimento: havia importante centro de pesquisas sobre crimes e segurança pública na Universidade de Temple, chamado Center for Security and Crime Science, dirigido por um inglês que foi policial e decidiu estudar o crime seriamente. Estudou tudo o que podia e foi para uma instituição acadêmica. Seus antecedentes policiais ajudaram muito a estabelecer a ponte entre a polícia e o mundo acadêmico.

Há muito nas práticas policiais adotadas que recebeu publicidade em Nova York a partir do governo municipal de Giuliani e a postura chamada tolerância zero. Filadélfia segue a mesma teoria, que ainda provoca muitas reações negativas, que considera que os pequenos crimes e delitos não são divorciados dos grandes e mais violentos: de acordo com várias teorias, seriam muito diferentes, com autores, vítimas e locais diferentes.

Porém, de acordo com uma versão "evolutiva" da teoria das janelas quebradas, os autores de pequenos crimes e delitos, se não forem pegos e punidos, tendem a "evoluir" para crimes mais sérios. Outra versão sugere que pequenos crimes e delitos, assim como vários aspectos do abandono político e social (lixo nas ruas, sujeira, prédios semidestruídos e outros) criariam uma cultura que estimularia crimes mais sérios ao acenar com, entre outros fatores, a inoperância política e social e a impunidade.

Não obstante, para o observador externo, os fatores visíveis que diferenciam o antes do depois são mais simples e sábios: ancorar políticas de segurança em conhecimento empírico e cientifico, não em chutes e achismos, por um lado, e colocá-las numa moldura comunitária, não seguindo a tradição de políticas públicas isoladas da comunidade, pelo outro. Deram certo.

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