A gangue do brilhoso - CONTARDO CALLIGARIS
Quando o "self" é só uma imagem, inevitavelmente, ele é feito de bugiganga e objetos de consumo
"Bling", em inglês, são as joias grandes, preciosas de um jeito óbvio e ostentatório --um pouco cafonas. "Ring" significa anel ou, então, círculo de amigos ou cúmplices.
Na coluna da semana passada propus traduzir o título do novo filme de Sofia Coppola, "The Bling Ring", como "a turma do deslumbre". Poderia ser também "o brilhoso" ou "a gangue do brilhoso".
Também na semana passada, concordei com a indicação do filme para maiores de 16 anos --fiquei feliz de não ter levado nenhum adolescente comigo para o cinema.
O filme conta a história (verídica) de um grupinho de adolescentes de Los Angeles que se tornaram famosos à força de invadir a casa de pessoas famosas para lhes roubar os apetrechos da fama (roupas e objetos de luxo).
Na história, não há violência nem sexo além da conta. O consumo de drogas e a ousadia criminosa dos jovens são o de menos. Mas não encontrei nenhum adulto que não tenha se angustiado a ponto de considerar a possibilidade de sair antes do fim: a estupidez dos adolescentes da gangue é obscena.
Certamente (espero), nossos filhos e filhas ficariam tão horrorizados quanto a gente. Mas o que fazer se eles se reconhecessem nos protagonistas do filme? Se eles os achassem "legais" ou engraçados? Como agir se, na ocasião do filme, a gente descobrisse que "nossos" adolescentes são daquele mesmo feitio?
Mais um pensamento ansiógeno: quando não há adultos à vista, a adolescência se torna um pesadelo de tentativas de "crescer", uma mais incerta que a outra. Ora, nunca há adultos à vista quando os adultos adotam a adolescência como seu próprio ideal. Por favor, pense nisso quando você escolhe sua roupa, seu lazer, suas conversas...
Um mundo só de adolescentes nos espreita, e esse mundo é um vazio preenchido quer seja pelo tédio, quer seja pelo deslumbre.
Do tédio adolescente ouvimos falar nesta semana, quando, em Brasília, três jovens de classe média repetiram a "façanha" dos assassinos do índio Galdino em 1997: mataram um morador de rua para se divertir, para vê-lo queimar. Ou, então, quando, com um tiro nas costas, três jovens de Oklahoma City (EUA) mataram um homem que passava por eles; explicaram que estavam entediados e queriam ver alguém morrer.
Quanto ao deslumbre adolescente, podemos confiar em Sofia Coppola.
Paradoxo: uma crítica do site www.rottentomatoes.com lamenta que Coppola, em seu filme, não passe da superfície. Mas essa é exatamente a questão do filme: não há nada debaixo da superfície. Coppola fez um filme sobre "a era da futilidade máxima" (na bonita expressão de Paulo Ghiraldelli, http://migre.me/fSoeQ).
Os jovens de Coppola são os representantes de uma geração (impensável sem internet, Facebook, Instagram etc.) que se ocupa em tempo integral da constituição e da difusão, não de sua história ou de suas histórias, não de sua experiência de vida, não de suas crenças e de seus mitos, mas exclusivamente de sua imagem.
Os famosos que servem de modelo para essa geração não são tanto as estrelas de Hollywood quanto as celebridades dos reality shows (como Audrina Patridge, uma das vítimas da gangue).
Os membros da gangue nunca comentam ou mencionam um filme ou um seriado no qual apareçam as eventuais atrizes que são suas vítimas admiradas.
Eles "visitam" repetidamente a casa de Paris Hilton, que é famosa apenas por ser Paris Hilton. Eles adoram Lindsay Lohan, que é famosa sobretudo por suas prisões por dirigir bêbada e drogada.
Sem interesse nas "obras" de suas celebridades preferidas, os personagens de Coppola conhecem perfeitamente os apetrechos da celebridade: passeando pelo closet de suas vítimas, eles identificam imediatamente os modelos que elas usaram em tal ou tal outro tapete vermelho (que valeu fotografia num magazine).
Eles têm razão de prezar os apetrechos da celebridade (e não eventualmente os méritos que poderiam produzi-la). Se a celebridade depende dos apetrechos, então ela pode ser roubada. A celebridade, quando se confunde com a roupa, os sapatos e as joias, é "democrática": para se igualar aos ídolos, basta se apossar de seus objetos.
De que é feito o "self" dos jovens descritos por Coppola? De memórias? De vivências? De esperanças? Quando o "self" é só uma imagem, inevitavelmente, ele é feito de bugiganga, quinquilharia, objetos de consumo.
O marketing descobriu isso há um certo tempo. Ou você acha que as "estrelas" que vendem um perfume com seu nome tiveram o faro de inventá-lo?
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