Jornalista Andrade Junior

sábado, 31 de agosto de 2013

China: comércio de órgãos humanos se apoia em execuções capitais

Escrito por Luis Dufaur
A Sra. Zhang pagou quase 75.000 euros (R$ 225.000 aprox.) a fim de obter em Xangai um fígado para seu marido alcoólatra.
Ela não ignora que esse órgão foi tirado de um condenado à morte: “A maioria dos órgãos provém de criminosos e nós o obtivemos por decisão de um tribunal de Justiça”, explicou ela, segundo notícia do jornal “Le Monde”.
A esposa de um outro paciente do hospital Ruijin acabava de pagar por volta de 36.000 euros por um fígado e também respondeu: “O doutor disse que o órgão era de um prisioneiro”.
Todo ano há oficialmente na China 10.000 transplantes de órgãos, 65% dos quais, em 2009, provinham de condenados a morte. Um chefe de serviço de um grande hospital de Xangai contou sob anonimato que a proporção atingia 80%.
O regime procura abafar as críticas com anúncios “humanitários” do gênero de classificação eletrônica dos doentes para evitar favoritismos, etc.
Huang Jiefu, personagem ambíguo, ex-vice-ministro da Saúde e atual diretor do Comitê chinês de doação de órgãos, garante que o governo exige “o consentimento escrito do prisioneiro e de sua família”, mas acenou para uma estranha obrigação do condenado de “devolver sua dívida social” com órgãos.
É mínimo o número de execuções praticadas na presença de um médico. A Corte Suprema exortou os juízes a aplicar nesses casos uma “justiça misturada com compaixão”. Mas, o que isso quer dizer na China?
Após a exortação, o número oficial de condenações diminui um terço. Mas os métodos de execução ficaram misteriosos.
Os hospitais de Xangai são informados em cima da hora. Quando os médicos podem chegar e ver o condenado, a morte é aplicada num local contíguo ao Tribunal.
Mas quando o Tribunal “não está equipado”, o condenado é morto numa van especialmente concebida para o “serviço”, parecida com um furgão da polícia.
A Jinguan Automobiles, empresa fabricante dessas vans-matadouro de homens, respondeu por e-mail:
“A respeito da unidade móvel de execução da pena de morte, podemos certamente produzi-la e exportá-la para o exterior. Até o presente, nossos clientes estão constituídos somente por Varas Penais em todos os níveis da China (a Alta Corte de Chongqing comprou uma nova há poucos meses). Nosso modelo SLT 5040XZXE1 (chassi Ford), preço: 87.600 dólares/unidade”.
Segundo Nicholas Bequelin, da organização humanitária Human Rights Watch, de Hong Kong, essas vans “permitem realizar execuções químicas onde a Justiça não possui competência técnica e também podem servir de locais de detenção num efeito em escala”.
Embora em tese o comércio de órgãos esteja interditado, a obtenção destes depende das amizades do médico na Justiça e de transações financeiras entre os interessados,
Por isso, a mulher de um paciente do hospital Ruijin de Shangai diz que o bom médico se define pelos seus contatos com Varas e Tribunais.
O cirurgião-chefe de um grande hospital conta que o esquartejamento do corpo é feito às pressas, muitas vezes sem testes sanguíneos, e o próprio médico leva as partes de avião até sua cidade.
E o atestado de consentimento da vítima exigido pela lei? “Não se pergunta, não se sabe, reconhece o chefe do serviço citado. O tribunal representa a lei, nós não temos outra opção senão confiar nele”.
Nada é feito para que familiares ou advogados possam tomar conhecimento desse consentimento. A vítima deve assinar um papel concedendo a doação. Mas, segundo Liu Changqiu, investigador da Academia de Ciências Sociais de Xangai, “acontece que não há papel ou que o papel é falso”.
O citado diretor do hospital Ruijin diz ter ouvido falar que “talvez na última hora as vítimas disseram sim, talvez porque lhes prometeram passar dinheiro a seus familiares”.
Em certos casos, o supliciado assina antes do veredicto, diz o advogado Zhang Peihong, na esperança de evitar a morte.
Para as famílias dos condenados, é impossível verificar. Yao Jiaxin, estudante do conservatório de música, atropelou em outubro de 2010 uma jovem em Xi'an (região Centro), tendo sido executado em 7 de junho de 2011.
Yao Weiqing, pai do rapaz, escreveu em seu microblog que naquele dia “nós aguardamos para identificar seu cadáver, mas a Vara não nos autorizou. Só nos disseram para preparar uma urna para as cinzas. Eu sempre disse a meu filho que eu não doaria seus órgãos”.
Num outro caso, a família só pôde ver a vítima 30 minutos antes de sua morte; os advogados jamais puderam saber o que aconteceu com seu corpo.
Achar vendedores de órgãos por Internet é fácil. Eles alegam que querem vender um rim para comprar um iPad ou um iPhone. Mas há riscos de que a história verdadeira seja diferente.
O governo marxista continua alegando que deseja um sistema puramente voluntário, sem dinheiro pelo meio. Mas os médicos do hospital Ruijin acham isso muito difícil, pois ninguém quer correr o risco de doar voluntariamente algum órgão.
Mais recentemente, o governo voltou a prometer que proibirá que os órgãos de executados sejam destinados a transplantes.
Se acontecer como nas outras promessas, na prática nada mudará, embora no papel alguma coisa possa ficar “para inglês – ou 'ingênuo' humanitário – ver”.
Luis Dufaur edita o blog Pesadelo Chinês.


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