Engessando o Executivo - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR
O modelo atual de liberação de emendas parlamentares tem seus defeitos, mas o orçamento impositivo, que tramita no Congresso, só tende a piorar o sistema
A ideia de o Brasil adotar um orçamento impositivo parece bem sedutora: o Executivo propõe a peça – na qual faz previsões sobre de quanto será a arrecadação no exercício seguinte, e como pretende gastá-la – e manda para aprovação do Congresso. Lá, deputados e senadores apresentam emendas: suprimem algumas despesas inicialmente definidas pelo governo e deslocam os valores correspondentes para projetos bem ao gosto dos seus interesses político-eleitorais. Quando aprovado, o Executivo se obriga a cumprir religiosamente o que foi escrito, sem possibilidade de remanejamentos. Senadores e deputados ficarão muito contentes, pois suas paróquias pagarão com votos na próxima eleição a generosidade das emendas com que foram contempladas. É exatamente essa a proposta que, depois de uma avassaladora aprovação na Câmara dos Deputados no dia 13, deve passar por uma segunda votação na mesma Casa amanhã.
Em tese, o orçamento impositivo, diferentemente do sistema vigente de orçamento autorizativo, suplantaria a velha noção de que orçamentos públicos não passam de obras de ficção, já que nem as receitas se cumprem e muito menos as despesas seguem as destinações previstas, pois o governo pode mudá-las ao seu talante. E o “talante”, no caso, é a supressão ou redução das emendas parlamentares – ou, pior, é a sua transformação em moeda de troca naquelas horas angustiantes em que o Executivo se vê necessitado de assegurar fidelidades no Legislativo.
Portanto, vistos sob tais ângulos, tanto o orçamento impositivo quanto o autorizativo não são infensos ao jogo político. De modo geral, quer num quer noutro, as emendas parlamentares podem ser usadas ora visando ao atendimento de demandas distantes de um desejável projeto de nação, ora à compra dos votos (e das consciências) dos parlamentares, ou mesmo podem servir aos piores desvios de finalidade, como frequentemente comprova o noticiário. Não há infalibilidade nem perfeição em qualquer dos dois sistemas.
Entretanto, bem ao contrário da interesseira tendência que se verifica no Congresso em favor do orçamento impositivo, é preciso defender a manutenção do autorizativo. São muitas as razões a recomendar tal posição.
A primeira delas advém da compreensão de que orçamentos públicos devem ser derivados de um planejamento responsável e do comprometimento com as prioridades nacionais – logo, remanejar verbas do que é essencial para privilegiar acessórios paroquiais ao sabor de seus chefetes políticos não é, nem de longe, conveniente – aliás, por que não incentivar as emendas de bancada, que tendem a priorizar temas de interesse de todo o estado em vez de favores localizados? Ou por que não rediscutir o pacto federativo, que hoje concentra recursos demais em Brasília quando parte desse dinheiro poderia ficar nos estados e municípios, que, mais próximos das necessidades locais, poderiam aplicar essas verbas sem a necessidade da barganha política?
Outro motivo para evitar o engessamento dos orçamentos encontra-se na própria dinâmica da administração pública, que, embora planejada no que tiver de previsível, pode e deve sofrer alterações recomendadas por conjunturas ocasionais. Uma alta súbita do petróleo, uma crise cambial, uma desvalorização das commodities exportáveis, um processo de recessão global são fatores suficientes para promover necessárias alterações orçamentárias e consequentes remanejamentos. O Executivo precisa contar com essa maleabilidade e de ser-lhe garantida a liberdade, sob limites, para redirecionar investimentos e aplicações no custeio.
São condições, sem desprezar o papel do Legislativo – ao contrário, valorizando a instituição à qual cabe prioritariamente produzir leis e fiscalizar o Executivo, e não a de ser um conjunto de “vereadores” preocupados com seus currais e com a próxima eleição –, absolutamente essenciais para que também o Executivo cumpra bem o papel que lhe cabe.
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