Crise dos médicos - EDITORIAL FOLHA DE SP
Atrapalhou-se outra vez o governo federal na condução do programa Mais Médicos. Agora, no anúncio de que pretende importar 4.000 profissionais de Cuba para suprir a carência em periferias e regiões distantes das grandes capitais do país.
No dia seguinte à celebração do acordo entre as duas nações, intermediado pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), o Ministério Público do Trabalho declarou que abrirá inquérito para apurar irregularidades na forma de contratação escolhida pela presidente Dilma Rousseff.
Diante do desinteresse dos médicos locais em preencher as vagas mais remotas, é bem-vindo o esforço de trazer profissionais do exterior. Deveria ser óbvio, no entanto, que tal iniciativa não pode ser conduzida ao arrepio da lei.
O programa Mais Médicos prevê remuneração mensal de R$ 10 mil --independentemente da nacionalidade-- para esse atendimento às populações marginalizadas.
Com os cubanos, a contratação não se dará de forma direta. As verbas serão pagas ao regime castrista, que então repassará um percentual aos médicos em território brasileiro. Trata-se, portanto, de terceirização da atividade (proibida por lei) e discriminação entre os cidadãos de Cuba e os demais participantes do programa.
Não se pode afastar também o temor de que os cubanos tenham remuneração inferior ao salário mínimo brasileiro, hoje em R$ 678. Quando atuam no próprio país, não ganham mais de R$ 100 por mês. Os que atuam na Venezuela recebem cerca de R$ 550.
É, em todo caso, inadmissível que o governo federal contrate médicos sem saber quanto os profissionais de fato receberão pelo trabalho prestado.
Há razoável distância, no entanto, entre os problemas legais do acordo e a acusação de que configuraria trabalho escravo, como fez o presidente da Federação Nacional de Médicos, Geraldo Ferreira.
Além de salários aviltantes, seria preciso haver condições degradantes, jornada exaustiva, trabalho forçado e servidão por dívida para configurar trabalho escravo. Tais elementos não estão presentes.
A crítica do Conselho Federal de Medicina é mais pertinente. Para a entidade, o convênio com Cuba seria uma medida eleitoreira.
No afã de obter resultados políticos positivos na área da saúde, o governo Dilma cometeu grave equívoco. Atropelar a legalidade apenas reforça os argumentos daqueles que, movidos pelo corporativismo, sempre se opuseram à importação de médicos ao país.
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