A ameaça de Mantega - EDITORIAL O ESTADÃO
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, ameaça repetir erros bem conhecidos e muito custosos para combater as pressões inflacionárias as causadas pela alta do dólar. Se cumprir a, ameaça, ainda será preciso consertar estragos muito tempo depois de terminada a agitação nos mercados de câmbio. Os emergentes, segundo o ministro, passam por uma "minicrise", mas as consequências, afirmou, serão menos graves que as da crise europeia de 2011. O baixo ritmo de crescimento do Brasil nos últimos dois anos, acrescentou, foi um desdobramento desses problemas na Europa. Se ele pretendia tranquilizar os brasileiros, escolheu muito mal o recado. Às palavras de Mantega são novos motivos de inquietação para qualquer pessoa razoavelmente informada.
Primeiro ponto: o
governo, disse o ministro, poderá reduzir impostos de importação ou
adotar novas desonerações tributárias para limitar os efeitos
inflacionários da depreciação do real. Cortar de forma arbitrária
impostos de importação seria mais um passo para desorganizar a economia.
É preciso reduzir as barreiras comerciais, mas de forma planejada,
corno parte de uma política de integração no mercado global. O governo
já abusou da improvisação. Os resultados, a começar pela insegurança,
têm sido péssimos. A outra possibilidade - mais desonerações - também
seria um erro grave.
Nos últimos dois anos o
governo fracassou duplamente com as desonerações, Algumas, que foram
destinadas a estimular o crescimento, serviram essencialmente para
facilitar o consumo e a economia continuou estagnada e com baixo nível
de investimento. Outras foram concebidas, também de forma improvisada,
para conter a inflação. Esgotado o efeito, previsivelmente passageiro
dessas medidas, os aumentos de preços voltam a ganhar impulso. É um erro
grosseiro confundir redução de impostos com política
anti-inflacionária, especialmente em um país com gasto público
descontrolado e indiscutível excesso de demanda.
A agitação no mercado
cambial, mais intensa no Brasil que em muitos outros países, resulta em
parte de fatores internos. Há insegurança quanto às ações do governo e
incertezas geradas pela combinação de baixo crescimento, inflação alta
(mesmo sem o problema cambial) e piora das contas externas» Mais
sensatez e previsibilidade em Brasília poderia reduzir o nervosismo nos
mercados.
Segundo ponto: o
ministro da Fazenda e outras autoridades, incluída a presidente Dilma
Rousseff, continuam falando da crise brasileira como se ela fosse
consequência de problemas originados em outros países. A maior parte da
culpa, naturalmente, é dos governos do mundo rico, do Fundo Monetário
Internacional e dos especuladores financeiros protegidos por autoridades
complacentes. Erros graves foram cometidos, de fato, nos países mais
desenvolvidos, com más consequências para todo o mundo. Mas outros
países emergentes continuam mais dinâmicos que o Brasil e menos
desajustados, embora sujeitos aos mesmos impactos provenientes dos
mercados internacionais.
A maior parte dos
problemas brasileiros é produzida internamente e isso o governo se
recusa a admitir. O baixo nível de investimento é uma velha
característica do País. Nos últimos dez anos, a paralisação das
reformas, o fisiologismo triunfante e o aparelhamento do Estado
agravaram as deficiências da infraestrutura, minaram a gestão federal,
tornaram mais desorganizado o sistema tributário e comprometeram a
administração das empresas estatais e das agências reguladoras,
Nem a Petrobrás, com
forte tradição de profissionalismo, escapou do uso político e do
comprometimento de seus critérios empresariais. A interferência na
política de preços foi uma das causas de seu enfraquecimento, como se
reconhece no País e no exterior. Mas o ministro da Fazenda nega haver
qualquer decisão de reajuste dos preços dos combustíveis. Em princípio, o
governo contínua, portanto, disposto a prejudicar a estatal para
disfarçar a inflação. Também isso é parte da ameaça de repetição de
erros.
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