Vai sobrar para Lula - EDITORIAL O ESTADÃO
As verdades têm vida própria. Independem das intenções de quem as enuncia. Mas o efeito do enunciado varia conforme o seu autor. Uma coisa, por exemplo, é a "mídia conservadora" apontar as deficiências da gestão Dilma Rousseff, outra coisa é o presidente do PT, Rui Falcão, afirmar, como fez de público dias atrás, que o legado dos anos Lula, "um dos principais elementos para a eleição da companheira Dilma", é "insuficiente para garantir a reeleição". O alvo aparente de suas preocupações é o partido, o poder petista. "Que novas propostas", perguntou em dado momento, "nós oferecemos para a sociedade para que ela veja no nosso governo não só a manutenção do que foi conquistado, mas novas possibilidades de continuar avançando?" Seria o caso, segundo ele, da reforma política, com a adoção do financiamento público das campanhas e da "democratização dos meios de comunicação".
É claro, no entanto, que ele não diria o que disse sobre os riscos à reeleição da presidente se, a esta altura, tendo consumido mais da metade do mandato, ela já tivesse ao menos lançado os fundamentos de um legado para chamar de seu. Os números favoráveis do emprego e da renda ainda sustentam a aprovação de Dilma e lhe dão a dianteira para a sucessão de 2014. Mas a ânsia do governo em impedir que concorram outros nomes viáveis, além do provável candidato tucano Aécio Neves - o que remeteria inevitavelmente a disputa ao face a face do segundo turno -, revela uma insegurança comparável à embutida no alerta de Rui Falcão. Instalada no Planalto única e exclusivamente graças à fenomenal popularidade de seu patrono, que vendeu ao eleitorado o conto de fadas da competência superlativa da até então ministra da Casa Civil, a apadrinhada vestiu a faixa presidencial sem um objetivo nítido e definidor a guiar as suas ações - a marca de um governo, em suma. Limitou-se à promessa de dar continuidade à obra do criador.
A presumível expert em questões da área elétrica, que entrou para o governo Lula pela porta do Ministério de Minas e Energia, perdeu a oportunidade histórica de acrescentar à herança recebida um compromisso central com a recuperação da esfrangalhada infraestrutura nacional - não apenas por seu óbvio impacto para a economia, mas para a sua imagem perante a população. Explica-se: à medida que passou a ter acesso ao mercado de bens e serviços, a "nova classe média" começou também a experimentar os efeitos da obsolescência de há muito deplorada pelos usuários de renda mais elevada de rodovias e aeroportos, por exemplo. Uma Dilma "modernizadora" receberia a retribuição nas urnas. Em vez disso, lidando aos trancos e barrancos com o problema e os eternos atrasos nas obras reparadoras, a presidente torna a falar em "tolerância zero", como se a ameaça movesse as máquinas paradas.
A verdade irretocável é que a administração federal se esfarela a olhos vistos, em larga medida - já não bastassem os seus vícios estruturais - pela forma como a presidente funciona. O seu, digamos, estilo de gestão é um entrave ao desempenho, que já não é lá essas coisas, de sua equipe. Centralizadora, obsessivamente detalhista, Dilma quer saber de tudo e nada delega. Trata os subordinados com uma rudeza que inibe as aptidões que possam ter. "Todo mundo morre de medo dela", disse ao Valor um alto executivo, familiarizado com os bastidores do Planalto, ecoando o que é voz corrente em Brasília. Um auxiliar da própria Dilma lembra que, depois de um primeiro ano de mandato praticamente perdido, ela fez saber, na primeira reunião ministerial de 2012, que governaria "como uma prefeita" e anunciou o monitoramento de todos os programas do Executivo. Ela "questiona, pede correções, reorienta", descreve a chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann. Faltou dizer que isso faz os dias durarem 48 horas.
Parece uma forma perversa de compensar a falta de um atributo que muda de figura o exercício do poder: a aptidão para liderar. Cada qual a seu modo, Fernando Henrique e Lula da Silva lideraram os seus governos. No ano que vem, se o legado do petista for pouco para dar a Dilma o segundo mandato, sobrará para ele, em pessoa, a missão de reeleger o "poste".
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