Jornalista Andrade Junior

terça-feira, 28 de maio de 2013

Comissões da Verdade são muito barulho para pouco resultado

entrevista Marco Antônio Villa

“Comissões da Verdade são muito barulho para pouco resultado”

Marco Antônio Villa, historiador da Universidade Federal de São Carlos

Publicado em 25/05/2013 | CHICO MARÉS
A Comissão Nacional da Verdade (CNV) chegou a um ano de funcionamento nesta semana divulgando um balanço dos trabalhos do grupo. Para o historiador Marco Antônio Villa, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), não se trata de uma data para comemorar. O historiador acredita que a comissão tem avançado pouco além do que já era de conhecimento do mundo acadêmico. “Até o momento, o que as comissões fazem é chutar cachorro morto, escolher um ou outro torturador e transformá-lo em uma espécie de Judas”, afirma.
Ele aponta que a CNV tem dificuldades para analisar o funcionamento do aparelho de repressão, especialmente o financiamento deles e a participação do poder econômico durante a ditadura. Da mesma forma, Villa avalia que as ações da luta armada deveriam ser revistas.
A Comissão Nacional da Verdade completou um ano de funcionamento. Nesse período, ela já mostrou a que veio?
Não. O que ela revelou todos nós já sabíamos, os trabalhos acadêmicos já tinham feito todo esse levantamento. Infelizmente, até agora, não há nenhuma novidade.
Por que não? Em que pon­­tos ela precisaria avançar?
A questão que envolve as torturas, os desaparecimentos, a repressão, tudo isso é de conhecimento dos trabalhos acadêmicos sobre o regime militar. O que a CNV fez, até o momento, foi falar do que já sabíamos. A pesquisa acadêmica até hoje não teve acesso a alguns arquivos. Não é possível pesquisar sobre o regime militar sem revisar os arquivos. Até o momento, o que foi falado nós já sabíamos e pesquisadores já tinham revelado.
O fato de ela ter sido criada apenas nessa década, quase 30 anos depois do fim da ditadura, não colabora para isso? Muitos arquivos foram destruídos, personagens morreram…
Esse é o problema, ela foi criada com muito atraso e parte dos arquivos foram destruídos nesse meio-tempo. Isso é um problema com o qual nós temos que conviver. Se ela fosse criada em 1985, certamente seria diferente.
Além da CNV, existem comissões estaduais da verdade, inclusive algumas criadas antes da nacional – como a de São Paulo. Como está o trabalho dessas comissões?
Em geral, há muito barulho para pouco resultado. Infelizmente, até agora, o que a gente tem visto são pouquíssimos resultados. A questão central é ter resultados concretos, nomes, arquivos, pessoas, casos revelados. A impressão é de que essas comissões têm mais a função de projetar politicamente seus dirigentes do que, efetivamente, enfrentar um momento crítico da história brasileira.
Um dos pontos que ainda permanecem obscuros é a participação de civis no aparelho de repressão. Não abordar esse assunto é uma das falhas da CNV?
É uma falha, pois essa é uma questão central. Os órgãos de repressão não funcionavam por vontade própria, eles tinham de ser estimulados financeiramente por grandes grupos econômicos e politicamente para favorecer o que chamo – entre aspas – uma “paz social” no Brasil naquele momento histórico. Até o momento, o que as comissões fazem é chutar cachorro morto, escolher um ou outro torturador e transformá-lo em uma espécie de Judas. Porém, não se identifica quem são os responsáveis pelo aparelho de repressão. Por outro lado, aí o lado mais complexo da questão, há as ações da luta armada. É necessário discutir se a luta armada foi um caminho para a democracia ou uma falácia, a substituição de uma ditadura militar por uma ditadura do proletariado – tal qual em Cuba, na Europa Oriental, e em outros países naquele momento.
Mas aí entraríamos no campo das possibilidades, já que a luta armada não prosperou no Brasil. Não seria uma fuga do ponto principal, que foi a repressão?
É bom lembrar que a perspectiva desses grupos não era a defesa da democracia, e sim um caminho para o socialismo, que à época entendia-se por uma ditadura do proletariado. O Brasil vivia um momento trágico: de um lado, uma repressão do estado terrível, do outro, esses grupos que queriam a troca de uma ditadura por outra. Nós, simples cidadãos, tínhamos uma escolha, uma ditadura ou outra.
Esses militantes já foram punidos durante a ditadura. Alguns mortos, outros presos, outros exilados. Voltar a esse assunto não seria uma forma de punir duas vezes as mesmas pessoas?
Não, isso não é uma questão de punição, é uma questão de acerto com a história. Isso é essencial. Não é uma questão de punir duas vezes, e sim de fazer uma avaliação para ver para aonde nós vamos. Não basta simplesmente fazer essa comissão, é necessário dar um passo à frente. Somos um país de tradição autoritária. Temos que discutir a questão democrática durante a ditadura, quando tínhamos dois grupos: um, a soldo do estado, poderoso, cometendo gravíssimas violações aos direitos humanos e outro, que foi violentamente atacado pelo estado, que também defendia uma ditadura, a ditadura do proletariado.

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