Supremo mais plural - TEREZA CRUVINEL
A cada quatro anos, os
eleitores podem mudar seus representantes e governantes nos poderes
Legislativo e Executivo. Já a renovação do Judiciário, especialmente a
da mais alta Corte, ocorre em longos intervalos, e depende do acerto das
escolhas do(a) presidente da República, referendadas pelo Senado. As
substituições de ministros quase vitalícios podem produzir colegiados
monolíticos, dissociados da pluralidade e da diversidade, em todos os
sentidos. Uma aprovação quase unânime, nos meios jurídico e político,
seguiu-se ao anúncio da indicação do constitucionalista Luís Roberto
Barroso pela presidente Dilma. Certamente, por suas qualidades
intelectuais e técnicas, mas possivelmente também pelas indicações de
que sua presença arejará a Corte e fortalecerá o equilíbrio entre
diferentes posições doutrinárias.
Com sobriedade própria
ao momento, Barroso foi comedido nas declarações posteriores ao anúncio,
por respeito aos Poderes, como explicou. Falta-lhe ainda o aval do
Senado, e a posse entre os pares, para falar como ministro. Do pouco que
disse até agora, e do que escreveu recentemente, vêm os sinais de que
levará ao Supremo um novo olhar sobre algumas questões relevantes. Na
sexta-feira, já escolhido, declarou que "decisão política deve tomar
quem tem voto". Em artigo de janeiro passado, que está no site Consultor
Jurídico, com o balanço retrospectivo das ações do STF em 2012,
externou compreensão quase ausente no Supremo de hoje sobre a relação
entre mazelas como corrupção e fisiologismo e o sistema político
arcaico, que clama por reforma. Isso afora outras considerações sobre o
futuro da Corte que agora integrará.
Ativismo judicial
A declaração de agora
explicita uma percepção diferente da que é dominante na Corte sobre seus
próprios limites. "Em uma democracia, decisão política deve tomar quem
tem voto. O Judiciário deve ser deferente às escolhas feitas pelo
legislador e às decisões da administração pública, a menos que - e aí,
sim, se legitima a intervenção do Judiciário - essas decisões violem
frontalmente a Constituição. Aí, sim, por exceção e não por regra, o
Judiciário pode e deve intervir." E mais: "Eu qualificaria como ativismo
decisões do Supremo Tribunal Federal em matérias como a fidelidade
partidária!". Em relação a esse tema, não foram poucas, nos últimos
anos, as interferências da Corte. Agora mesmo, o Senado continua
impedido, por uma decisão liminar monocrática, de concluir a votação do
projeto que restringe a migração de parlamentares para um novo partido,
vedando a apropriação, por este, do tempo de tevê e da fração do fundo
partidário que deve pertencer ao partido pelo qual o migrante se elegeu.
Em 2006, o Supremo
derrubou o projeto que instituía a cláusula de barreira para partidos
que não obtenham 5% dos votos, nacionalmente. Com isso, continuamos a
ter este quadro partidário amplíssimo e fragmentado, que não assegura a
nenhum deles a maioria, obrigando o presidente da República, seja de
qual partido for, a governar com coalizões heterogêneas. As mesmas que,
ao longo do julgamento da Ação Penal 470, do chamado mensalão, foram
duramente criticadas pelos ministros. Especialmente pelo então
presidente da Corte, Ayres Britto. Na ausência da cláusula, proliferam
partidos que o presidente Joaquim Barbosa considera "de mentira". Mas
não apenas nessa questão o STF deixou de ser, para usar as palavras do
futuro ministro, "deferente" para com os que têm voto. Uma parte dos
políticos alimenta esta judicialização, queixando-se aos bispos togados.
Outra reage com propostas descabidas, como a da PEC 33, que subordina
medidas do STF ao crivo do Congresso.
Os frutos do sistema
O artigo do futuro
ministro que está no site do Conjur muito revela, assim como o seu blog,
sobre sua personalidade. A inclinação doutrinária garantista e aspectos
do funcionamento do STF. Ao avaliar o julgamento do mensalão, afirmou:
"Parece muito nítido que o STF aproveitou a oportunidade para condenar
toda uma forma de se fazer política, amplamente praticada no Brasil. Ao
proceder assim, o Tribunal acabou transcendendo a discussão puramente
penal e tocando em um ponto sensível do arranjo institucional
brasileiro. Quem estava no caminho dessa mudança de percepção foi
atropelado, e por isso é compreensível que os condenados se sintam, não
sem alguma amargura, como os apanhados da vez, condenados a assumirem
sozinhos a conta acumulada de todo um sistema. Por isso mesmo, aliás, é
razoável supor que a mudança ficará incompleta, caso não se aproveite a
ocasião para levar a cabo uma reforma política abrangente, que desça à
raiz do problema."
O Congresso,
lamentavelmente, enterrou a reforma política. Em entrevista à revista
Poder, já havia dito que tanto Fernando Henrique quanto Lula "não
mudaram o modo de fazer política", aderindo ao sistema em que se vota em
pessoas, não em partidos, e impõe o presidencialismo de coalizões de
conveniência - "modelo que está na raiz de boa parte dos problemas
políticos brasileiros, inclusive os de corrupção e fisiologismo". No
julgamento, alguns ministros revelaram desconhecimento sobre a natureza e
o funcionamento do sistema político, e, outros, a ilusão de que podem
mudá-lo pela força das condenações. No artigo, Barroso lista algumas
transformações que poderiam ser adotadas pela Corte, inclusive, sobre o
julgamento de autoridades com foro privilegiado, poupando-a de certo
tipo de ações e julgamentos.
Esses sinais de que o
novo ministro pode representar uma aragem, por atributos que distinguem
também o indicado anterior de Dilma, Teori Zavascki, é que importam.
Muito mais do que a participação ou não no julgamento dos recursos dos
réus da Ação Penal 470.
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