EDITORIAL O ESTADÃO
Não se fala aqui de um perigo remoto. Essa inversão de papéis tem sido vista no País com espantosa frequência, tão habitual que já não provoca reação. Assume-se como coisa normal, o que confere mais gravidade ao assunto. Foi o que se viu na semana passada com as prisões no âmbito da Operação Skala, decretadas com o objetivo de colher o depoimento de pessoas investigadas no inquérito dos Portos.
A pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), expediu 13 mandados de prisão temporária de envolvidos no caso dos Portos. Na operação, foram presos o advogado José Yunes, o presidente da empresa Rodrimar, Antonio Celso Grecco, o ex-ministro da Agricultura Wagner Rossi e o coronel da PM reserva João Batista de Lima Filho.
Dois dias depois de cumpridos os mandados de prisão, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, requereu a revogação da medida, sob o fundamento de que as prisões já tinham cumprido o seu objetivo. Os depoimentos de investigados haviam sido colhidos.
Fossem os tempos menos esquisitos, seria causa de escândalo o fato de um ministro da Suprema Corte dar aval a esse modo de proceder. Sem qualquer pudor, a prisão temporária foi convertida em substitutivo da condução coercitiva.
O Código de Processo Penal define quando o juiz pode obrigar a condução de uma pessoa a um interrogatório. “Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença”, diz o art. 260 do Decreto-Lei 3.689/1941. A regra não deixa margens a dúvidas nem dá pé a interpretações alternativas. Se o acusado não tiver faltado a um interrogatório, ao qual tenha sido devidamente intimado, o juiz não pode determinar a condução coercitiva. Neste caso, tal medida, como meio primário de obter um depoimento, é manifestamente ilegal.
No âmbito da Operação Skala, foi dado um passo a mais no atropelo da lei. Expediu-se uma medida restritiva de liberdade ainda mais forte que a condução coercitiva – os investigados foram presos – com o objetivo de obter o seu depoimento. Se não era cabível determinar a condução coercitiva, menos ainda podia ser decretada a prisão temporária para mesma finalidade.
O abuso ficou explícito nas palavras do ministro Luís Roberto Barroso, quando rejeitou o requerimento das defesas dos presos. “Quanto aos pedidos de revogação das prisões temporárias, serão apreciados tão logo tenha sido concluída a tomada de depoimentos pelo delegado encarregado e pelos procuradores da República designados, ouvida a senhora procuradora-geral da República”, afirmou o ministro na sexta-feira. A finalidade da prisão era tão somente colher depoimentos.
A necessidade de que as investigações sejam feitas dentro da lei não representa qualquer tolerância com o crime. É antes o oposto. Não há verdadeiro combate ao crime quando as autoridades são coniventes com ilegalidades. A força da lei está justamente no fato de que ela vale para todos, e não apenas para um dos lados. Não está, portanto, na alçada da autoridade suspender a vigência da lei quando lhe apetece. O reino do arbítrio é o oposto da república.
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