editorial do Estadão
Ajuste fiscal significa botar em ordem as contas do governo para que
haja dinheiro suficiente, por exemplo, para aplicar na criação e
ampliação de programas sociais. Mas Lula da Silva acha isso tudo uma
grande bobagem. Na visão populista do demiurgo de Garanhuns, o governo
tem que promover o bem-estar social com ou sem déficit, ou seja, com ou
sem dinheiro. É mais ou menos o mesmo argumento que o leva a ser hoje,
na oposição, contra a reforma da Previdência que iniciou em seu primeiro
ano na Presidência da República e depois abandonou, sobre pressão da
CUT e das lideranças do alto funcionalismo público. E agora está
radicalizando: em palestra a alunos do Instituto Federal, em Campos dos
Goytacazes, no Estado do Rio, Lula garantiu que os defensores do ajuste
fiscal “estão falando um monte de merda”. Não explicou, porém, de onde
tirar recursos para ampliar programas sociais ou para evitar a falência
do sistema previdenciário. Afinal, seu discurso não tem nada a ver com
resolver problemas do País, mas com a retórica que ele julga capaz de
conquistar votos que o coloquem de novo na Presidência da República.
Lula está dedicando esta semana à terceira etapa – agora nos Estados do
Espírito Santo e Rio de Janeiro – das caravanas políticas com as quais
pretende manter-se em evidência não apenas como candidato à Presidência –
se a Justiça o permitir –, mas como “perseguido político” pela Operação
Lava Jato. O ex-presidente não se limita a fazer à maior operação de
combate à corrupção já realizada no País os reparos que ela merece pelos
evidentes exageros de agentes públicos que puseram suas convicções à
frente da lei. Lula é pura e simplesmente contra a Lava Jato.
Em entrevista a uma emissora de rádio em Campos, culpou a operação “pelo
que está fazendo com o Rio” ao levar empresas, inclusive a Petrobrás, à
falência: “É preciso fazer uma distinção: se o empresário errou, prende
o empresário. Mas não precisa quebrar a empresa”. E acrescentou: “Por
causa de meia dúzia que eles dizem que roubou, e que ainda não provaram,
não podem causar o prejuízo que estão causando à Petrobrás”. Esse
discurso foi repetido em comício na praça central de Maricá, repleta de
servidores municipais convocados pela prefeitura governada há sete anos
pelo PT.
Interpretando o papel “Lulinha Paz e Amor” que desengavetou nesta sua
caravana eleitoral, Lula declarou estar disposto a estender as mãos a
todos os brasileiros que apoiaram o “golpe” contra Dilma Rousseff e que
hoje “devem estar arrependidos”: “Aqueles que foram bater panela,
aqueles que foram para as ruas apoiar o golpe, não têm mais panela para
bater. Estão batendo a cabeça na parede de arrependimento. Não vamos
tratá-los com indiferença. Vamos estender a mão e dizer ‘vem para cá,
companheiro’”. E arrematou, em evidente ato falho: “É sempre tempo para a
gente aprender”.
A retórica de um populismo cada vez mais descolado da realidade
demonstra que Lula chegou à conclusão de que, ao contrário do que
aconteceu na vitoriosa campanha de 2002, quando flertou abertamente com
os liberais, agora seu futuro político depende essencialmente de “se
jogar nos braços do povo”. Se conseguir levar para as ruas uma
manifestação significativa de apoio popular Lula acredita que conseguirá
proteger-se da ação da Justiça nos vários processos por corrupção nos
quais é réu, em um dos quais já está condenado em primeira instância a
nove anos e meio de prisão. É nesse sentido que uma das principais
palavras de ordem do lulopetismo passou a ser “eleição sem Lula é
golpe”. E que o próprio tem repetido: “Vou ser candidato e vou ganhar
fácil esta eleição”.
A instabilidade e a crescente disfunção das instituições políticas
tornam temerário qualquer prognóstico sobre a temporada política que se
iniciará dentro em breve. A única coisa certa é que Lula continuará a
dizer, dia sim e outro também, o que, segundo ele, estão falando os
defensores do reajuste fiscal. É tudo o que ele sabe.
extraídaderota2014blogspot
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