Carlos Alberto Sardenberg: O Globo
E qualquer pessoa tem todo o direito de perguntar: como é que a delação
do dono da JBS chega a uma decisão do Comitê de Política Monetária do
Banco Central? Aliás, antes disso: é verdade que chega?
Pois a resposta é duas vezes sim. Não é uma questão de achar, trata-se de fatos.
Começando pela taxa de câmbio. Desde fevereiro deste ano e até 17 de
maio, quando, à noite, O GLOBO revelou a história da delação, o dólar
estava oscilando na casa dos R$ 3,10. Chegou a encostar em R$ 3,05.
No dia 18 de maio, no susto, a cotação saltou para R$ 3,40. Depois
voltou um pouco, mas desde então varia na faixa de R$ 3,25 a 3,30. Mudou
de patamar, mesmo com o Banco Central colocando no mercado nada menos
que US$ 10 bilhões, para segurar a cotação. O estresse e a sensação de
crise provocam uma busca de proteção no dólar.
Também houve mudança, mais clara ainda, nos juros de mercado — ou seja,
nas taxas de juros efetivamente pagas nas negociações com títulos do
Tesouro Nacional (papéis da dívida do governo). No dia 17 de maio —
sempre lembrando que a história da delação saiu depois do fechamento dos
mercados — a taxa de juros em um título com vencimento em um ano era de
8,7%. No dia seguinte, saltou para 10%.
Como no caso do dólar, também houve uma acomodação, mas os juros seguem quase um ponto acima do nível pré-delação.
Parece pouco? Pois coloque 1% em cima de uma dívida de trilhões.
Mais ainda: quando os operadores negociam títulos do governo — ou
títulos privados — tratam de estimar de quanto será a taxa básica de
juros, a Selic, aquela fixada pelo BC e mais ou menos a taxa que o
Tesouro (o governo) paga quando toma emprestado.
Pois então: no dia 17 de maio, esses negócios indicavam que o mercado
esperava uma Selic abaixo de 8% para o fim deste ano. Nas operações
feitas ontem à tarde, antes de conhecida a decisão do BC, se embutia uma
Selic mais perto de 9%, também para dezembro.
Portanto, é fato que a crise política pós-Joesley afetou câmbio e juros.
A questão seguinte: como isso chega à mesa de reuniões do Copom?
Com a taxa de câmbio é mais fácil de entender. Dólar caro é fator
inflacionário. Aumenta os preços do que é importado, do que tem
componente importado e do produto de negociação internacional (soja, por
exemplo). Ora, no regime de metas de inflação, a regra básica é assim:
inflação em alta, juros para cima, e inversamente.
Assim, se o dólar permanece caro por algum tempo, causa inflação, e isso reduz o espaço para o BC cortar juros.
E por que os juros de mercado sobem direto na crise?
Ocorre que o maior problema da economia brasileira está no déficit anual
e na dívida acumulada do governo federal. Resumindo, a coisa está
assim: o governo recolhe os impostos e começa a gastar; paga
aposentadorias e salários (as duas maiores despesas); o funcionamento da
máquina (de remédios a cafezinho do pessoal); e investe algo. No final
das contas, o governo gasta tudo o que arrecadou e ainda fica faltando —
algo como R$ 140 bilhões é o déficit esperado para este ano.
Vai daí, o governo precisa, primeiro, tomar dinheiro emprestado para
cobrir aqueles gastos do ano e, segundo, mais dinheiro para pagar os
juros da dívida já formada. Resultado: a dívida fica cada vez maior. O
governo aparece como um mau devedor, que tem de pagar juros maiores para
se financiar. E a taxa mais alta se espalha pela economia.
Qual seria o correto? O governo gastar menos do que arrecada, fazer um
superávit e usar esses recursos para amortizar parte da conta de juros.
Com isso, a dívida entraria em “trajetória de queda”, essa expectativa
derrubando juros.
Ora, como os impostos já são elevados, o governo federal precisa reduzir
gastos. E aqui caímos na reforma da Previdência e na política.
A rubrica Previdência é a maior despesa. Não haverá equilíbrio
financeiro sem uma reforma que contenha o crescimento hoje explosivo
desses gastos. A reforma, impopular, tem que ser aprovada no Congresso,
sob liderança do presidente da República. Um presidente pós-Joesley
consegue fazer isso?
Eis como se fecha o círculo. Antes da delação, o consenso era o
seguinte: será aprovada uma reforma previdenciária que permitirá uma
efetiva economia. Com isso e mais outras medidas de controle de gastos, o
governo conseguiria voltar ao superávit e reduzir o endividamento.
Isso aconteceria lá na frente, mas a economia trabalha por antecipação, por expectativa.
Se está claro que o problema será resolvido, opera-se como se já estivesse resolvido.
Agora, no pós-Joesley, a discussão não é sobre o tamanho da reforma, mas
se haverá ou não. E isso piorou as expectativas de equilíbrio das
contas públicas. Sobem dólar e juros de mercado, o BC tem menos espaço
para cortar a taxa básica. Como disse o Copom ontem: o fator de risco
principal é “o aumento da incerteza sobre a velocidade do processo de
reformas e ajustes na economia”.
O fator Joesley.
extraídaderota2014blogspot





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