editorial do Estadão
Não é de hoje que uma parte da força-tarefa da Lava Jato considera que
há uma conspiração de políticos para sabotar a operação. Qualquer
movimento no governo, no Congresso ou no Judiciário que não seja de
incondicional apoio às atividades da Lava Jato é apontado como manobra
para impedir que os políticos corruptos paguem pelo que fizeram, e para
obstar o saneamento da vida pública nacional que os procuradores julgam
realizar há três anos. Em lugar de reconhecer os erros e exageros
cometidos no decorrer da operação, que em certos momentos se assemelha a
uma cruzada, alguns procuradores e investigadores acabam de revelar sua
disposição de divulgar uma nova avalanche de denúncias, com o objetivo
de neutralizar os efeitos das críticas que vêm sofrendo e que, para
eles, fazem parte de uma ofensiva para desmoralizá-los. Se têm
conhecimento de ilícitos, sua obrigação de ofício é revelá-los às
autoridades judiciárias – e não usar tais informações para valorizar
suas posições. Não fica bem que ajam como pessoas incompreendidas e
injustiçadas.
Essa estratégia de vitimização tem se tornado muito comum no Brasil.
Quando alguém se julga moralmente superior e responsável pela
regeneração nacional, tende a considerar qualquer reparo ao seu
comportamento como uma intolerável reação dos que querem manter tudo
como está. Como o imaginário popular considera todos os políticos
corruptos – ainda que muitos sejam verdadeiramente honestos –, é fácil
para esses paladinos da pureza contrapor-se a quem não os apoia
integralmente, tratando-os como inimigos do processo de higienização do
mundo político.
Assim, alguns procuradores acreditam que as críticas ao vergonhoso
acordo de delação premiada feito pela Procuradoria-Geral da República
com o empresário Joesley Batista, por exemplo, fazem parte da tática dos
adversários para minar a luta contra a corrupção. Tal denúncia não se
sustenta nos fatos, a saber: Joesley gravou a conversa com Michel Temer
na expectativa não de produzir provas para se defender, mas sim de
induzir o presidente a produzir provas contra si mesmo, o que, diga-se o
que quiser, é o flagrante armado; a iniciativa de gravar a conversa foi
de Joesley, sem autorização da Justiça, na presunção de que, ao obter
esse material explosivo, ganharia um generosíssimo acordo com o
Ministério Público, desde sempre interessado nos “peixes grandes” da
política; a gravação foi considerada como prova antes mesmo de ser
periciada; e, finalmente, Joesley Batista, embora tenha confessado
crimes pesados, não cumprirá um único dia de pena na prisão.
Para os procuradores, contudo, quem levanta essas questões quer apenas
encontrar justificativas para aprovar medidas que tolheriam seu
trabalho, como a lei que coíbe abuso de autoridade. Segundo o jornal
Valor, até mesmo o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes,
por já ter defendido a adoção dessa lei, é visto pelos procuradores como
um dos adversários da Lava Jato.
Na reportagem informa-se que, para a força-tarefa da Lava Jato, o
ministro Edson Fachin, relator da operação no Supremo, e o
procurador-geral da República, Rodrigo Janot, serão os alvos dessa nova
“ofensiva política”. O primeiro, porque teria sido ajudado pela JBS de
Joesley Batista na sua campanha para cabalar votos para chegar ao
Supremo; o segundo, porque foi sob sua chefia que um procurador que
atuava na Lava Jato passou para o outro lado e ajudou a JBS a negociar o
acordo de leniência, enquanto outro procurador foi preso sob acusação
de passar informações confidenciais à empresa de Joesley Batista.
Ao mesmo tempo, a troca do ministro da Justiça também foi vista pelos
procuradores como uma ameaça à Lava Jato, pois eles acreditam que o novo
titular, Torquato Jardim, mexerá na chefia da Polícia Federal (PF) para
minar as investigações – crença que não se abalou nem mesmo depois que
Jardim garantiu não ter a intenção de fazer a substituição. No mundo da
Lava Jato, a atual direção da PF é intocável por definição, e quem for
ministro da Justiça que lide com isso.
Para quem se julga do lado do “bem”, todo o resto só pode ser o “mal”,
contra o qual vale tudo. Ao esposar tal doutrina, certos integrantes da
Lava Jato correm o risco de prejudicar o crucial trabalho de combate à
corrupção no País.
extraídaderota2014blogspot





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