. por Felippe Hermes
Luiz Inácio Lula da Silva
“O Plano Real não passa de um remendo.”
Gilberto Dimenstein
“Existem alternativas mais eficientes de combate à inflação (…) É fácil perceber por que essa estratégia neoliberal de controle da inflação, além de ser burra e ineficiente, é socialmente perversa.”
Guido Mantega
Muito antes de o ex-ministro da Fazenda
Guido Mantega tornar-se conhecido como autor das pedaladas fiscais e do
programa de campeões nacionais que premiou gigantes como JBS, Odebrecht e
Eike Batista com vastas quantias de dinheiro público, suas opiniões
como então conselheiro econômico do candidato à presidência Luiz Inácio
Lula da Silva ajudaram a balizar o discurso naquele que seria um dos
momentos mais tensos da história do Brasil: o Plano Real e as medidas de
ajuste necessárias para colocá-lo de pé.
Relembrar casos como este não deveria
ser um grande problema, afinal, estamos em 2017 e todas as opiniões
passadas de algum político podem ser achadas com uma pesquisa simples na
internet. Ao trazer esta história novamente à tona, porém, o filme Real – O plano por trás da história tornou-se
um prato cheio para os críticos, virando alvo de boicotes de cineastas e
alunos de cinema em exibições programadas do filme.
A seleção de filmes de direita (incluindo
aí o documentário O Jardim das Aflições), foi a motivação que levou
sete diretores a se retirarem de um festival de cinema de Pernambuco, o
Cine PE.
Na opinião dos diretores, os filmes:
“divergem da linha de pensamento do cinema que vem sendo feito no Brasil, que é em sua maioria político, buscando as diferenças, debatendo machismo, diversidade sexual”
A despeito disso, o longa – dirigido por Rodrigo Bittencourt e baseado no livro 3000 dias no bunker,
do jornalista Guilherme Fiuza – segue para exibição nos cinemas (com
estreia no dia 25/05). Um thriller com momentos de tensão e sacadas
heróicas, que retrata a criação do mais bem-sucedido plano econômico da
história do país.
Se você é destes que não curte ver partes tão importantes da nossa história virarem motivo de disputa de egos entre políticos, Real é
uma ótima oportunidade para descobrir que criar algo assim não se
resume a assinar um decreto e mandar pintar novas moedas, desta vez
coloridas.
Pensando nisso, decidimos listar seis motivos pelos quais você deveria dar uma conferida nesta saga brasileira:
1. Este definitivamente não é um filme sobre políticos.
Produzir um filme envolvendo alguns dos
nomes mais conhecidos da política nacional ainda vivos, como os
ex-presidentes Lula e FHC, poderia parecer uma ideia estranha para uma
época como a nossa, onde polarização virou uma palavra da moda. Poderia,
exceto por uma razão simples: ao contrário do que querem fazer crer em
suas biografias os políticos de um lado ou outro do plano, suas ideias
passaram longe do operacional e longe de ter grande impacto na formulação do Real, o tema central do filme.
Com nomes que variam entre os reais e os
fictícios (note-se que os nomes de políticos do PSDB são todos citados
para desagrado de alguns, enquanto os nomes de políticos petistas são
fictícios, para unificar em um personagem nomes tão variados quanto
Aloísio Mercadante, o ex garoto propaganda do Plano Cruzado e do
congelamento de preços no governo Sarney, e de José Genoíno,
ex-presidente do PT), o filme ajuda a entender a participação de
figurões da política nacional na época.
Itamar Franco, que assumiu a presidência
após o impeachment de Fernando Collor, é um presidente atormentado por
uma dúvida simples e compreensível na política: como evitar entrar para a
história como mais um presidente fraco e incapaz de controlar a
inflação e o desemprego? Ao optar por dar a Fernando Henrique Cardoso –
que ocupava o cargo de ministro da Fazenda – a missão de selecionar um
time capaz de apresentar uma proposta razoável, Itamar acaba
transferindo a responsabilidade e tirando um peso das costas.
Ao longo do tempo, as pressões políticas
tornam-se inevitáveis. Políticos dos mais variados partidos, militares e
representantes de setores da sociedade, como industriais ou banqueiros,
pressionam e o resultado é um presidente se equilibrando para agradar a
gregos e troianos.
O resultado é visível e justo. O papel
mais importante que um político desempenhou em toda esta história foi
justamente o de impedir que outros políticos atrapalhassem as coisas. É
um papel importante e raras vezes bem desempenhado na história
brasileira (e fundamental quando de fato ocorreu), mas longe garantir um
título de paternidade sobre uma ideia tão complexa.
2. É um plano que combateu o rentismo dos bancos, peitou os especuladores, aumentou o poder de compra da população, diminuiu a miséria e, no final, foi chamado de neoliberal e anti-pobre.
Compreender o que foi o Real não era uma
tarefa fácil, mesmo na época. Se você ainda não chegou aos 30,
dificilmente conseguirá compreender o sentimento de frustração que
acompanhou o país ao longo de quase dez anos de tentativas para
solucionar o problema. Pode não entender bem a descrença quase geral em
qualquer nova medida adotada pelo governo da vez para conter algo que
hoje parece tão distante: uma inflação que chegou a incríveis 1,4
trilhão por cento ao longo de duas décadas, a mais duradoura da história
do ocidente.
São 2% a mais nos preços gerais a cada
24 horas. Escapar de efeitos como a corrosão dos salários e do poder de
compra era um privilégio para poucos. Como hoje, boa parte da população
adulta brasileira sequer possuía acesso a bancos e, portanto, não tinha
proteção alguma.
Aos que possuíam este privilégio, o overnight era a operação da moda, garantindo que o dinheiro investido não fosse de fato corroído pela inflação.
Para os bancos, inflação tornou-se um
negócio, dos mais lucrativos. Ao criar moeda (emprestando sempre mais do
que possuem em caixa), bancos acabavam se beneficiando da inflação, e
podiam assim, lucrar sem de fato ter de fazer nada.
A regra é simples, em uma situação onde o
dinheiro derrete todo dia: o primeiro a encostar na grana tem mais
poder de compra que o segundo e assim por diante.
Na prática, segundo apontam os
economistas Simonsen e Cisne, os bancos chegavam a lucrar 2% do PIB
apenas criando dinheiro. Para se ter uma ideia, hoje isto representaria
R$ 120 bilhões, ou três vezes o lucro somado dos dois maiores bancos do
país, apenas com inflação, sem ter de emprestar um centavo sequer.
O resultado pós-plano, e pós-inflação,
foi o fim da transferência de renda dos que não produziam moeda aos que
produziam moeda, ajudando a reduzir em 10 milhões o número de miseráveis
no país entre 1993 e 1996, além da quebra de inúmeros bancos, que agora
eram obrigados a emprestar dinheiro e prestar serviços para sobreviver.
3. Retrata uma época na qual lutamos para não adotar uma política econômica vira-lata pautada em enriquecer a indústria.
Por quase sete décadas, incentivar a
indústria nacional tem sido quase um mantra repetido pelos políticos
brasileiros e adorado pelo empresariado. No entanto, o apoio não se dá
pelos caminhos óbvios: melhorar a infraestrutura, reduzir burocracia e
facilitar investimentos.
Na prática, o incentivo ao industrial é o
que Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central e protagonista do
filme, chama de privatizar o lucro e socializar as perdas.
Para garantir que nossos empresários
possam exportar e assim trazer dólares ao país, nossos políticos
gentilmente concordam em desvalorizar o câmbio. Em outras palavras:
permitir que US$ 1 compre mais e mais Reais (ou seja lá qual for a moeda
vigente), tornando mais fácil que estrangeiros comprem o que produzimos
e mais caro que os brasileiros comprem o que estrangeiros produzem.
Técnicas como essa, de empobrecer a
população para garantir o lucro da indústria e a consequente entrada de
dólares e receita pro governo são mais do que usuais, são praticamente a
regra por aqui.
Porém, como fica claro no filme, a opção
de manter R$ 1 valendo o mesmo que US$ 1 é necessária na luta para
modernizar o país e de quebra aumentar a autoestima do brasileiro. Ao
manter uma cotação como essa, torna-se possível, por exemplo, importar
máquinas ou bens de consumo que aumentem a produtividade e a satisfação
do trabalhador brasileiro. Ao longo do filme, no entanto, não são raros
os políticos que insistem na desvalorização como melhor alternativa.
4. José Serra e boa parte do PSDB detestaram o filme.
Muito antes de se ocupar com as delações
da Odebrecht ou JBS, José Serra chegou a preocupar-se com o filme. Há
relatos de que Serra teria interferido até mesmo na cor do terno que seu
personagem utilizaria. Apesar disso, ele é provavelmente a figura mais
bem interpretada do filme.
Serra é, como era de se supor, um
político com formação em economia, defensor ferrenho de ideias
desenvolvimentistas (em resumo, boa parte das medidas econômicas
adotadas entre 2008 e 2014, como o incentivo à indústria por meio de
financiamento e desvalorização cambial, isenções fiscais e estripulias
do tipo).
Seu personagem acaba expondo algo pouco
notado até aqui: a recusa de boa parte dos setores do PSDB em lidar com
economistas interessados em aplicar ideias distintas daquelas que
fundaram o partido.
Como manda a Social Democracia que dá
nome ao partido, a ideia de um Estado menor e mais focado não é das mais
agradáveis. Privatizar empresas como a Vale, por exemplo, é motivo de
imensa revolta e o resultado é que, mesmo com a participação de grandes
nomes da área econômica que se opusessem a isso, o Estado brasileiro
cresceu como nunca neste período em termos de carga tributária, ainda
que tenha saído de alguns setores da economia por meio de privatizações.
5. Esqueça aquela disputa simplista sobre quem é o pai do Real. Foi um plano que durou ao menos cinco anos.
Saber definitivamente quem é o pai do
Plano Real é algo que há décadas incomoda, e muito, determinados
políticos brasileiros. Para uns, FHC é o pai da estabilidade, enquanto
para outros – notoriamente os que se opõem ao governo tucano – Itamar é o
grande responsável, tendo em vista que o plano foi posto em prática
ainda no seu governo.
Ao contrário desta briguinha de egos, o
plano foi amplo e abrangeu muito mais que a foto oficial de lançamento
das novas cédulas. Envolvendo um ajuste fiscal severo, que tirou do
armário inúmeros esqueletos, reestruturou o sistema financeiro
parasitário da inflação, ajudou a salvar os estados que até então se
financiavam por meio de impressão de moeda em seus bancos estatais e
ainda teve de enfrentar a especulação e a descrença no mercado
financeiro internacional.
Colocar tudo isso em prática significou,
de maneira resumida, unir o discurso entre a área fiscal, com Pedro
Malan no ministério da Fazenda, e a área monetária, com os três
presidentes do Banco Central retratados no filme.
Tudo isso é difícil de traduzir para o linguajar politiqueiro.
Como se sabe hoje, por exemplo, Itamar
foi um dos defensores do congelamento de preços, justamente por se
tratar de uma medida bastante popular, por criar uma sensação de alívio
momentânea.
Lutar contra sandices como essa foi o que fez os membros da equipe envolvidos os verdadeiros pais do plano.
6. É um alerta sobre o peso do populismo na vida das pessoas.
Imagine que você fosse governador de
algum estado brasileiro e lhe dissessem que ao invés de se indispor com a
população elevando impostos, você poderia simplesmente imprimir
dinheiro e pagar suas despesas. Parece uma ótima ideia não? Por décadas,
esta foi a lógica dos governos brasileiros. Era simples e mantinha uma
farra sem qualquer controle, que agradava à população e aos próprios
políticos.
O problema é que, para qualquer um capaz
de ligar causa e consequência, os déficits consecutivos por parte dos
governos e o aumento da quantidade de moeda em circulação levavam a uma
situação previsível: cada vez a moeda valia menos.
Justamente por favorecer banqueiros e
políticos, nossa inflação acabou perdurando, e muito. Chegamos ao ponto
de ter economistas insistindo que possuíamos uma cultura de inflação,
que era algo ligado à própria população. Felizmente, ideias como essa
ficaram longe da formulação do Real.
Para impor essa mudança drástica, foi
preciso pulso firme com políticos dos mais influentes e, justamente por
não topar se render ao discurso fácil, o plano foi bem sucedido.
O mérito aí é apenas o de se negar a manter-se na ilusão.
Vencendo este pequeno detalhe, pudemos
enfim testemunhar a adoção de uma moeda forte, além de um importante
recado: fraudes contábeis – ou pedaladas, como quiserem chamar – não
nascem ao acaso. São fruto da insistência de políticos em negar a
realidade e fantasiar os ocorridos.
extraídadespotiniks
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