por Igor Gielow Folha de São Paulo
É
um exercício infeliz, o da futurologia. Necromantes gregos e romanos
sujavam a mão com imundícies cadavéricas atrás de augúrios para seus
senhores, chineses da dinastia Shang faziam o mesmo tostando cascos de
tartarugas.
Não se espera tanto da ciência política de hoje, mas pululam no mercado
especulações sobre a eleição presidencial do ano que vem à medida em que
2017 avança e o "establishment" busca se manter em pé de crise em
crise.
O óbvio "hedge" que a Operação Lava Jato obriga já entra no cálculo. É
com base na pergunta "quem vai sobreviver" a este ano que se estabelecem
os cenários possíveis.
Isso dito, qual o perfil provável da próxima pessoa a ocupar o Planalto?
A lógica decorrente da implosão do PT e de seu esquema de poder diz que o
brasileiro elegerá um conservador ou conservadora, com todos os poréns
que a definição exige no Brasil. Não há aqui um político mais à direita
que se orgulhe disso e não seja caricatural ao mesmo tempo.
O resultado do pleito municipal pós-impeachment de Dilma Rousseff demonstrou a exaustão atual do discurso à esquerda, contudo.
O próprio perfil dos cidadãos, que vem sendo aferido por institutos como o Datafolha ao longo dos anos, reforça essa impressão.
Em termos de valores, o Brasil é um país da chamada direita, ainda que
economicamente adore um Estado paternalista ao gosto esquerdista.
Pode haver uma inflexão em curso, se São Paulo liderar alguma tendência
urbana, com a ascensão de João Doria, o acelerado prefeito tucano
paulistano que virou a melhor carta na manga de Geraldo Alckmin (PSDB)
em sua busca para trocar o Palácio dos Bandeirantes pelo do Planalto.
Ao menos no que os parcos dias de sua gestão permitem dizer, no
vocabulário de Doria privatização não é palavrão, para ficar num exemplo
comezinho que custou a Alckmin muito na derrota para Luiz Inácio Lula
da Silva em 2006.
Pesquisas qualitativas na praça demonstram que, por ora, a grita contra
mudanças de paradigmas e marquetagens do prefeito está restrita ao mesmo
nicho que deu míseros 16% ao ídolo dos progressistas paulistanos,
Fernando Haddad (PT).
A retórica da antipolítica, por vazia que seja já que não há Doria sem
as engrenagens poderosas que o sustentam, parece estar dando certo até
aqui.
É tolice enxergar nele um Donald Trump.
O prefeito já é um ator nacional, sendo obrigado a negar que vá ser
candidato a governador ou até a presidente. Caberá a Alckmin capitalizar
ou lamentar o desempenho de seu pupilo.
A situação do governador é curiosa. Em tese, ele tem o figurino perfeito
do tal conservador à espera de uma urna. Mas ele não tem seu partido, o
PSDB, na mão. Essa atribuição é de Aécio Neves, senador mineiro que
preside a sigla. Aécio quase ganhou de Dilma em 2014 e busca viabilizar
uma nova candidatura.
Outro figurão, o chanceler José Serra (SP), ajudou a colocar o PSDB em
peso no governo Temer, e está aliado do antigo desafeto Aécio visando
barrar os movimentos de Alckmin, de olho em alguma postulação em 2018.
Obviamente, Serra gostaria de disputar pela terceira vez a Presidência.
Mas precisaria ter um hoje improvável apoio no PSDB. Se Doria ficar na
prefeitura e sem o indicado ao Supremo Alexandre de Moraes no páreo,
contudo, São Paulo passa a ser uma alternativa natural.
Neste momento, há um avenida bloqueada para Alckmin. Pegar o atalho o aliado PSB é um plano B frágil, dada a capilaridade reduzida da legenda. Mas aqui o fator Lava Jato pode fazer a diferença.
Dos caciques tucanos, Aécio é o que mais enfrenta acusações e
insinuações variadas no escopo da operação. Serra e Alckmin são citados,
mas por enquanto estão em situação mais confortável do que a do
mineiro, algo que mesmo os aliados do senador reconhecem. Todos os três
negam quaisquer irregularidades.
A depender do estado desses personagens ao longo deste ano, a opção pela
união por trás de alguém com o perfil de Doria poderá também ser
colocada.
Além disso, a aproximação orgânica do conglomerado Aécio/Serra do
governo Temer é uma via de mão dupla. Uma recuperação da economia que
seja sensível à população seria um ativo valioso, mas a eventual
derrocada no campo jurídico-ético está sempre à espreita.
Sempre há o fetiche da terceira via, papel que já coube no passado a
Ciro Gomes (PDT) e a Marina Silva (Rede), ambos nomes que devem estar no
páreo em 2018 -os bons índices da ex-senadora não devem ser levados por seu valor de face, por representarem mais um "recall" dos pleitos de 2010 e 2014.
Ciro, por sua vez, torce para que Lula não seja candidato para tentar
unificar os escombros da esquerda. Soa quixotesco. Por fim, sempre
haverá uns 5% a 10% dispostos a votar numa figura como a do deputado
Jair Bolsonaro (PSC-RJ), o que diz algo sobre a miséria do nosso tempo,
mas não mais do que isso.
Voltando a Lula, sua candidatura é a grande questão. Se ela não for
inviabilizada juridicamente, como é possível em uma eventual condenação
em duas instâncias na Lava Jato, Lula poderá levar o que sobrou de seu
exército a uma última batalha.
Se terá espírito para isso, e o impacto da morte da mulher é insondável
como previsão, é outro ponto. O grau de fragmentação do campo
conservador parece ser a régua a definir um embate. É tarefa mais
simples checar sinais na borra do café.
extraídaderota2014blogspot
0 comments:
Postar um comentário