José Paulo Kupfer: O Globo
O vice-presidente Michel Temer está a todo vapor na missão de formar o
Ministério de seu governo. Parece ter isolado a área econômica dos
acordos partidários que teve de fechar para garantir a abertura do
processo de impeachment na Câmara dos Deputados. Faz sentido concentrar
esforços na área econômica. Sem uma reorganização mínima da economia, o
resto não ficará de pé e a confiança em dias melhores, que, de saída,
acompanha novos governantes sucessores de outros mal avaliados, não se
sustenta.
Todos sabem — e Temer sabe antes de todos — que não disporá de muito
tempo para mostrar serviço. O relógio que vai marcar o período de graça,
no qual ele terá de encontrar saídas para manter as expectativas
positivas iniciais, se tudo correr como previsto, começa a rodar logo
ali em 20 dias e o espaço de manobra vai até setembro, quando está
previsto o julgamento no Senado Federal.
Mesmo supondo que as sombras da Lava-Jato e dos processos no Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) não se projetem sobre Temer e seus aliados,
produzindo instabilidades adicionais no ambiente político, a missão a
que o vice se propôs é, como se diz no mundo corporativo, desafiadora. O
desafio inclui lidar com a parcela das ruas que se colocou contra o
impeachment e que promete manter pressão, lembrando a Temer que, se as
pesquisas de opinião rejeitam a presidente Dilma Rousseff para chefiar o
governo, não o aprovam para a mesma função. A recusa de Armínio Fraga,
“ministro da Fazenda” do PSDB, a aceitar convite para pegar o osso da
economia é um bom indicativo das dificuldades pela frente.
Sinais e ações concretas terão, portanto, de ser oferecidos logo na
partida. O foco natural é o ataque aos desajustes das contas públicas e é
nessa direção que se pode esperar o anúncio de uma reforma
administrativa. Enxugar ministérios e reduzir o número de cargos de
confiança só depende da caneta presidencial e, embora não tenham efeito
excepcional no corte de gastos, são atos capazes de exercer forte
impacto positivo nas expectativas.
Daí em diante, porém, nada se vislumbra tão fácil. Antes da reforma da
Previdência, de alterações de cunho liberal na legislação trabalhista e
de revisões em programas sociais, uma longa lista de medidas, previstas
no documento “Ponte para o futuro”, programa da “campanha eleitoral” de
Temer, terá de passar pelo crivo do Congresso. A renegociação das
dívidas dos estados será o primeiro de uma série de duros testes.
Faz parte dessa lista a adoção de revisões anuais do Orçamento, dentro
dos princípios do “Orçamento Base Zero”, entre outras medidas polêmicas —
desindexar benefícios atrelados ao salário mínimo e rever sua fórmula
de cálculo são algumas delas. Isso exigirá eliminar a vinculação
obrigatória de gastos orçamentários, alguns constitucionais, como no
caso da Saúde e da Educação. A base parlamentar de apoio ao governo
Temer promete ser confortável, mas nem é preciso invocar o espetáculo da
votação do impeachment na Câmara para lembrar que se trata de uma
maioria instável, sujeita a interesses variados e flutuantes. Há coisa
de um mês, por exemplo, com o apoio de 400 deputados, foi aprovado, em
primeira votação, um aumento da vinculação de gastos para a Saúde.
Interessante também será observar a reação, dentro e fora do Congresso, a
propostas de aumento de tributos, que apoiadores de Temer e do
impeachment antes repeliam, mas passaram agora a considerar como
inevitáveis, diante da urgência de estancar a sangria fiscal. Essa, sem
dúvida, é uma manobra quase incontornável para apoiar, sem renovar
pressões inflacionárias, a possibilidade de baixar as taxas de juros,
aberta pela trajetória de queda da inflação. Sem taxa de juros mais
baixas, a retórica da confiança empresarial no novo governo não se
transformará em decisão de investimento, dificultando qualquer esforço
de retomada do crescimento.
extraídaderota2014blogspot
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