#vamosmudarbrasilia
Já tinha postado esta matéria
do Correio Braziliense aqui, que volto a transcrever pois o problema permanece
atual: a subjetividade de algumas questões colocadas aos candidatos.
Tradicionalmente
um dos mais difíceis do país, o concurso para o Instituto Rio Branco - que
forma os diplomatas brasileiros - está especialmente concorrido neste ano.
Cerca de 4.000 inscritos disputam apenas 18 vagas, com
salário inicial de R$ 14.290,72. A seleção, que teve a primeira etapa no início
de abril, entrou na segunda fase neste sábado e se encerra em 17 de maio.
Candidatos descontentes com os atuais critérios de seleção
criaram no Facebook o grupo 'Por um CACD (Concurso de Admissão à Carreira
Diplomática) mais objetivo'. Na sexta, o grupo contava 199 membros.
Eles querem que os formuladores da prova comentem os gabaritos
e que as questões sejam elaboradas a partir de uma bibliografia, para evitar
interpretações divergentes sobre os temas cobrados. Defendem ainda que, se os
candidatos tiverem negados pedidos de revisão da prova, os examinadores
justifiquem suas decisões.
Uma candidata que concorria ao exame pelo quarto ano seguido
e não se classificou para a segunda fase diz ter desistido da carreira porque
'a prova se tornou muito subjetiva'.
Ela afirma ainda que boa parte dos conteúdos cobrados nos
últimos concursos dificilmente será aplicada na carreira. A candidata cita a
prova de inglês em 2013, em que se exigia a tradução do inglês para o português
de um texto que mencionava diversos tipos de sons emitidos por pássaros.
O candidato deveria saber as palavras em português
correspondentes aos termos 'cackle', 'croak', 'whistle' e 'squawk' - segundo o
dicionário Michaelis, as traduções mais próximas são, respectivamente,
'cacarejar', 'coaxar', 'assobiar' e 'grasnar'.
Também pesaram - em sua decisão de desistir - os gastos que
teria com mais um ano de preparação. Hoje, por causa da dificuldade da prova,
grande parte dos aprovados no Instituto Rio Branco recorre a cursos
preparatórios para o exame.
O curso mais popular, o Clio, cobra cerca de R$ 30 mil por
cinco meses de aulas para todas as disciplinas exigidas no exame. A prova
requer conhecimentos de geografia, história, português, política internacional,
direito, economia, inglês, espanhol e francês.
Alguns candidatos concorrem ao exame quatro ou cinco vezes
até serem aprovados. A maioria, porém, desiste de tentar a vaga após alguma
reprovação.
O Ministério de Relações Exteriores disse que o rigor da
seleção se deve ao grande número de candidatos. Segundo a pasta, outros
concursos públicos para carreiras concorridas têm grau de dificuldade
equivalente.
O ministério afirmou que a elaboração das provas é
responsabilidade do Cespe (Centro de Seleção e de Promoção de Eventos), da UnB
(Universidade de Brasília).
Em nota, o Cespe afirmou que a prova 'é estabelecida com
base na complexidade e nas características do cargo público para o qual a
seleção está destinada'.
— A explicitação da referida estrutura é feita no edital de
abertura do certame, ao qual o candidato adere ao efetuar a sua inscrição. O
Cespe/UnB esclarece, ainda, que os editais de abertura de todos os concursos,
que contêm as regras que regem os certames, são definidos em comum acordo entre
as instituições contratante e contratada.
Menos vagas
Nos últimos anos, outro fator tem desencorajado aspirantes a
diplomata. Após contratar cem diplomatas ao ano entre 2006 e 2010, em movimento
concomitante à abertura de embaixadas brasileiras no exterior, o Itamaraty vem
reduzindo o número de admissões anuais.
O número de postos oferecidos neste ano, 18, é o menor desde
que o Instituto Rio Branco passou a registrá-los, em 1996, quando 30 diplomatas
foram contratados.
O Itamaraty disse à BBC Brasil que o número de vagas obedece
a decisão do Ministério do Planejamento e reflete os esforços de contenção de
gastos em todo o governo.
Porém, para Oliver Stuenkel, professor de Relações
Internacionais da Fundação Getúlio Vargas, as vagas ofertadas neste ano são
insuficientes para atender às necessidades da política externa brasileira.
— O número, que é historicamente baixo, mostra que o governo
atual não tem um compromisso muito sério com o projeto da política externa e
não se importa muito com questões globais.
Corpos diplomáticos
Segundo Stuenkel, mesmo com a expansão de postos nos anos
Lula, o Brasil segue com um dos menores corpos diplomáticos entre todos os
países emergentes.
— A decisão de não continuar com a expansão tem
consequências importantes, porque o Brasil não terá capacidade de analisar a
situação em vários países e dependerá de análises de outros países, feitas
conforme interesses diferentes dos seus.
Stuenkel elogia, contudo, o caráter meritocrático da seleção
de diplomatas. Segundo ele, "o Itamaraty é o único ministério do governo
brasileiro que um novo presidente não consegue encher com seus aliados".
A imunidade do órgão a apadrinhamentos e indicações
políticas, diz ele, fez com que os diplomatas ganhassem boa reputação no país.
Por outro lado, afirma Stuenkel, num país desigual como o
Brasil, a meritocracia acaba por privilegiar "um grupo bastante
elitizado".
— O Itamaraty já mudou bastante, já tem uma composição
étnica diferente, diplomatas de origem mais humilde. Mas, como todas as
instituições de elite no Brasil, ainda não conseguiu refletir a diversidade da
sociedade brasileira.
O Itamaraty diz que tem se esforçado para ampliar a
diversidade étnica e social dos seus quadros. Por meio de sua assessoria de
imprensa, o órgão citou seu programa de ação afirmativa, iniciado em 2002.
O programa concede bolsas para que candidatos negros se
preparem para o concurso para o Instituto Rio Branco. Uma reportagem da BBC
Brasil em 2012 revelou, porém, que apenas 2,6% dos candidatos aprovados desde o
início do programa eram negros que se beneficiaram das bolsas
O professor Oliver Stuenkel questiona, ainda, o grande peso
que se dá ao conhecimento acadêmico na seleção e formação de diplomatas no
país.
Segundo ele, o trabalho do diplomata brasileiro se distancia
cada vez mais da 'diplomacia clássica' e se aproxima de áreas técnicas do
governo, como agricultura e educação.
'Isso requer pessoas com interesses diversificados e que
idealmente tenham experiência de trabalho, e não só jovens academicamente
brilhantes'.
Já para o diplomata e ex-ministro da Fazenda Rubens
Ricupero, o concurso para diplomatas já atrai candidatos com formações e competências
variadas.
— Há muita gente brilhante e que se destacou nas várias
áreas de que o Itamaraty cuida, como comércio, meio ambiente e direitos
humanos.
Ele defende que a formação de diplomatas continue
privilegiando uma 'abordagem de cultura humanística geral'.
'Embora tenda a exigir uma especialização, a diplomacia é em
grande parte uma atividade política, que exige uma personalidade dotada de
cultura ampla para compreender outros povos e mentalidades'.
Quanto à diminuição de vagas nos últimos concursos, Ricupero
diz se tratar de processo natural após o forte crescimento do ministério na
gestão do então chanceler Celso Amorim (2003-2011).
— O Brasil já tem uma das maiores redes [diplomáticas] do
mundo, não dá para continuar expandindo muito mais.
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