LÙCIA GUIMARÃES
O ESTADÃO -
As palavras me fizeram sentir popular num quarteirão do bairro carioca do Flamengo: "O pessoal na rua prefere brincar na sua casa porque lá pode fazer bagunça."
Mesmo aos 7 anos, entendi que o comentário não seria interpretado como lisonja pelos meus pais e fiquei calada. Mas sentia gratidão por não ser filha dos outros pais e sim dos pais que deixavam meu irmão, precoce em Engenharia, montar barracas no meio da sala de visitas com direito a eletricidade instalada no nosso acampamento.
Hoje a nossa inocente proto-versão do movimento Occupy causaria desgosto aos filhos do modernismo minimalista, com seus apartamentos brancos onde até as flores nos vasos parecem uma infração do esquema monocromático. Não falo de falta de asseio, é claro, e sim do ambiente que nem de longe se parece com a falsa domesticidade de uma série fotografada para revista de decoração.
Cresci entre livros, pilhas de jornais, discos e brinquedos espalhados. Não precisei ler Psicologia ou assistir reality shows sobre acumuladores compulsivos para saber que há uma relação entre saúde mental e acumulação desordenada, como a documentada no clássico Grey Gardens, de 1975, dirigido pelos irmãos Maysles. Embora deva notar que o desmoronamento de uma parede do nosso apartamento foi evitado num mutirão em que a escora consistia na coleção de revistas National Geographic colecionadas desde 1928.
Mas não posso deixar de notar ironia no fato de que o minimalismo doméstico em voga coincide com a mais desordenada e caótica inovação tecnológica da história, a Internet. Nas minhas estantes de livros eu sou dona da hierarquia idiossincrática. Na estante do algoritmo da ferramenta de busca on-line, o obscuro e o irrelevante têm a petulância de se igualar ao consistente e ao clássico.
O debate sobre a desorganização do ambiente em casa ou no trabalho não é novo e não faltam vozes respeitadas para me consolar: "Em todo o caos há o cosmos, em toda desordem uma ordem secreta." (Carl Gustav Jung)
Os americanos chamam de limpeza de primavera o momento de esvaziar armários e abrir mão de tantos objetos que pareciam necessários e nunca foram tocados. Já fiz a minha e me despedi aliviada de 12 sacolas. Há incautos aqui dispostos a pagar US$ 125 por hora a um profissional cujo serviço é uma pérola de charlatanismo: o organizador profissional. Ele ou ela virá ao seu apartamento, abrirá seus closets e gavetas para rearranjar seus pertences numa violação de privacidade que me faria ir para a cama com febre.
Como defensora da ordem em meio a algum caos ou do método na loucura, não posso evitar uma certa suspeita quando visito casas e apartamentos que parecem vitrines. Fico segurando a bolsa e sento na ponta do sofá como se corresse o risco de ser catapultada por egrégia ruptura da composição visual.
Há três anos, o departamento de Neurociência da Universidade de Princeton divulgou um estudo sobre como o cérebro interage com o ambiente em volta. O resultado teria feito os pais da garotada da minha rua recomendarem distância do nosso apartamento. Os cientistas concluíram que viver ou trabalhar num ambiente desorganizado sobrecarrega o córtex visual e limita a capacidade de concentração.
Mas, enquanto lanço um olhar carinhoso sobre a pilha de revistas literárias da década passada, vou seguir o conselho do estimado Johnny Mercer na canção Acentue o Positivo. Escolho outra pesquisa, da Universidade de Minnesota, que concluiu: A ordem encoraja convenções e aversão ao risco. Ambientes desorganizados inspiram rompimento com tradições, criatividade e produzem introspecção inovadora. Sem contar surpresas agradáveis como ter acabado de encontrar um par de brincos favorito, embaixo de uma New Yorker de dezembro.
As palavras me fizeram sentir popular num quarteirão do bairro carioca do Flamengo: "O pessoal na rua prefere brincar na sua casa porque lá pode fazer bagunça."
Mesmo aos 7 anos, entendi que o comentário não seria interpretado como lisonja pelos meus pais e fiquei calada. Mas sentia gratidão por não ser filha dos outros pais e sim dos pais que deixavam meu irmão, precoce em Engenharia, montar barracas no meio da sala de visitas com direito a eletricidade instalada no nosso acampamento.
Hoje a nossa inocente proto-versão do movimento Occupy causaria desgosto aos filhos do modernismo minimalista, com seus apartamentos brancos onde até as flores nos vasos parecem uma infração do esquema monocromático. Não falo de falta de asseio, é claro, e sim do ambiente que nem de longe se parece com a falsa domesticidade de uma série fotografada para revista de decoração.
Cresci entre livros, pilhas de jornais, discos e brinquedos espalhados. Não precisei ler Psicologia ou assistir reality shows sobre acumuladores compulsivos para saber que há uma relação entre saúde mental e acumulação desordenada, como a documentada no clássico Grey Gardens, de 1975, dirigido pelos irmãos Maysles. Embora deva notar que o desmoronamento de uma parede do nosso apartamento foi evitado num mutirão em que a escora consistia na coleção de revistas National Geographic colecionadas desde 1928.
Mas não posso deixar de notar ironia no fato de que o minimalismo doméstico em voga coincide com a mais desordenada e caótica inovação tecnológica da história, a Internet. Nas minhas estantes de livros eu sou dona da hierarquia idiossincrática. Na estante do algoritmo da ferramenta de busca on-line, o obscuro e o irrelevante têm a petulância de se igualar ao consistente e ao clássico.
O debate sobre a desorganização do ambiente em casa ou no trabalho não é novo e não faltam vozes respeitadas para me consolar: "Em todo o caos há o cosmos, em toda desordem uma ordem secreta." (Carl Gustav Jung)
Os americanos chamam de limpeza de primavera o momento de esvaziar armários e abrir mão de tantos objetos que pareciam necessários e nunca foram tocados. Já fiz a minha e me despedi aliviada de 12 sacolas. Há incautos aqui dispostos a pagar US$ 125 por hora a um profissional cujo serviço é uma pérola de charlatanismo: o organizador profissional. Ele ou ela virá ao seu apartamento, abrirá seus closets e gavetas para rearranjar seus pertences numa violação de privacidade que me faria ir para a cama com febre.
Como defensora da ordem em meio a algum caos ou do método na loucura, não posso evitar uma certa suspeita quando visito casas e apartamentos que parecem vitrines. Fico segurando a bolsa e sento na ponta do sofá como se corresse o risco de ser catapultada por egrégia ruptura da composição visual.
Há três anos, o departamento de Neurociência da Universidade de Princeton divulgou um estudo sobre como o cérebro interage com o ambiente em volta. O resultado teria feito os pais da garotada da minha rua recomendarem distância do nosso apartamento. Os cientistas concluíram que viver ou trabalhar num ambiente desorganizado sobrecarrega o córtex visual e limita a capacidade de concentração.
Mas, enquanto lanço um olhar carinhoso sobre a pilha de revistas literárias da década passada, vou seguir o conselho do estimado Johnny Mercer na canção Acentue o Positivo. Escolho outra pesquisa, da Universidade de Minnesota, que concluiu: A ordem encoraja convenções e aversão ao risco. Ambientes desorganizados inspiram rompimento com tradições, criatividade e produzem introspecção inovadora. Sem contar surpresas agradáveis como ter acabado de encontrar um par de brincos favorito, embaixo de uma New Yorker de dezembro.
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