Ruy Fabiano
O Globo,
A ideia de convocar uma
Assembleia Constituinte a pretexto de promover uma reforma política é parte essencial
do projeto de poder do PT: consolida-o e torna a hipótese de alternância algo
tão remoto quanto não haver nada de ilícito nas contas da Petrobrás.
Basta examinar dois tópicos que o
PT considera prioritários nessa reforma: financiamento público exclusivo de
campanha e voto em listas fechadas. A propósito, o partido já deu ciência disso
por escrito a seus filiados, e programa uma marcha sobre Brasília, nos moldes
da que Mussolini promoveu sobre Roma, em 1922.
O objetivo é pressionar o
Congresso de fora para dentro, tese com a qual concorda a presidente Dilma
Roussef, conforme pronunciamento que fez na sequência das manifestações de
junho do ano passado, em que também defendeu uma Constituinte.
Financiamento público, precedido,
como já está, da proibição de contribuições de pessoas jurídicas, garante ao
partido hegemônico a maior fatia do bolo, já que a divisão obedecerá o critério
da proporcionalidade das bancadas.
Não bastasse, veda o acesso de
novas legendas, que, com as migalhas a que terão acesso, terão que se contentar
com manifestações nas redes sociais. Não tendo bancadas, não terão dinheiro;
não tendo dinheiro, não terão bancadas.
De quebra, não impede o caixa
dois; apenas o monopoliza: ninguém, com recursos e senso de sobrevivência,
negará auxílio a quem se eternizará no poder; e, por extensão, não o dará a
quem dele está prévia e definitivamente excluído. O jogo é esse.
O voto em lista fechada dispensa
maiores explicações: deixa-se de escolher o candidato; vota-se na legenda. A
cúpula partidária organiza as listas. Quem é amigo do rei conquista seu lugar;
quem não é não tem acesso. O eleitor terá que se contentar com os critérios dos
caciques partidários.
Não é de hoje que o PT sonha com
essa reforma, para a qual quer uma Constituinte. E por que não a faz com o
próprio Congresso, que tem poderes para reformar a Constituição? Simples:
porque não teria votos suficientes para aprová-la.
A aprovação de emendas
constitucionais exige complicado rito: três quintos de votos favoráveis em cada
Casa do Congresso, em dois turnos. Numa Constituinte, vota-se uma única vez, em
sessão unicameral, por maioria absoluta.
Em abril de 2007, o presidente
Lula recebeu em audiência um grupo de dez juristas aos quais havia incumbido um
estudo para mudar as regras das CPIs (estudo que foi arquivado). Estava
escaldado com o massacre das CPIs do Mensalão.
No curso da conversa, porém, o
presidente da República pôs inesperadamente outro tema em pauta: a reforma
política. Sugeriu que talvez fosse mais eficaz fazê-la por meio de uma
Assembleia Nacional Constituinte exclusiva.
Um dos interlocutores,
ex-presidente da OAB, Reginaldo de Castro, esclareceu num artigo: “Ideia dele
(a Constituinte), trazida à conversa por iniciativa dele e tão-somente dele. A
nós, coube ouvir e emitir opiniões improvisadas, já que não esperávamos tal
assunto”. O presidente explicou: a Constituinte funcionaria paralelamente ao
Congresso, seria integrada não apenas por representantes dos partidos
políticos, mas também por cidadãos. Não explicou como isso se daria, nem
ninguém lhe perguntou.
Finda a audiência, o Planalto
informou que a tese havia sido sugerida ao presidente pelos juristas – e não o
contrário, como ocorreu. Como entre eles havia quatro ex-presidentes da OAB,
vinculou a entidade à proposta, que, no entanto, já a havia rejeitado, dois
anos antes, em debate interno.
Foi uma escaramuça, uma técnica
para aferir a receptividade de uma proposta e avaliar a oportunidade de sua
apresentação. Constatou-se que não era o momento. Mas o tema não foi arquivado:
ficou em banho-maria.
Após as manifestações de junho,
constatou-se que chegara a hora. Ou o partido a punha em pauta já ou, diante do
desgaste de que padece, correria o risco de não tê-la mais sob controle.
O plebiscito dará aparência de
democracia, mesmo que para violentá-la, já que a maioria dos votantes
desconhece a complexidade e sutileza do que nela está embutido.
É o golpe final, que repete o
processo venezuelano, em cuja gênese estão as digitais do PT e do Foro de São
Paulo. Quando o Foro completou 15 anos, em 2005, Lula, em meio às celebrações,
reivindicou: “Fomos nós que inventamos o Chávez”. Ninguém duvida. O fruto da
reforma, na ótica do PT, está agora maduro.
Ruy Fabiano é jornalista.
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