Christian
Lohbauer
Folha de
S.Paulo,
Jânio,
com uma política externa errática, não teve tempo de juntar-se aos não
alinhados; Jango exacerbou, no Brasil, a polarização internacional
O golpe
militar que desalojou o presidente João Goulart em março de 1964 não foi um
evento isolado na história política brasileira e mundial. Foi resultado de um
processo de polarização interna, associado à polarização do sistema
internacional. O antagonismo entre norte-americanos e soviéticos começou com a
corrida nuclear no imediato pós- 2ª Guerra Mundial, aumentou com o bloqueio de
Berlim por Josef Stalin em 1948, e ficou explícito na Guerra da Coreia no
início dos anos 50. Todas as nações se viram obrigadas a um alinhamento que
garantisse a defesa de seus interesses vitais. O Brasil enfrentou o mesmo
desafio para definir o seu destino e concluiu seu alinhamento em 1964.
Jânio
condecora Che Guevara com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul Entre
1955 e 1968, período da Guerra Fria marcado pela "coexistência
pacífica" entre as duas superpotências, flexibilizou-se a ordem bipolar
diante das evidências da capacidade destrutiva que carregavam as armas
atômicas. As intensas transformações causadas pelo processo de descolonização,
principalmente na África e Sudeste Asiático, multiplicaram o número de Estados
soberanos, todos em busca de desenvolvimento e protagonismo nos organismos
internacionais. Se as tensões da Guerra Fria se estabilizaram no período de
coexistência pacífica, a guerra ideológica se aprofundou e marcou conflitos por
todos os continentes. No Brasil não foi diferente.
A
polarização ganhou destaque com a eleição da chapa Jan-Jan em outubro de 1960.
Na época havia a possibilidade de se eleger candidatos a presidente e vice de
chapas diferentes. Jânio Quadros foi eleito presidente com apoio da UDN e de
alas conservadoras da sociedade. João Goulart, o Jango, foi eleito vice com
apoio do PTB e dos meios operários, apesar da derrota desastrosa do general
Henrique Lott. Em pouco tempo a combinação mostrou-se explosiva. Jânio
governava de forma errática. Combinava medidas populistas e alinhadas à
esquerda com ações conservadoras. Conseguia desagradar aos dois lados e
aprofundar a polarização interna da sociedade.
Ainda em
1959, a Revolução Cubana derrubara o ditador Fulgencio Batista. Fidel Castro rapidamente
mostrou inclinação ao socialismo. A ameaça comunista se instalava na América,
nas barbas da superpotência capitalista, e tinha simpatizantes por toda a
América Latina. Jânio presidente condecorou Che Guevara com a Ordem do Cruzeiro
do Sul e gerou inconformismo nos conservadores. Talvez a intenção fosse
exercitar a política externa independente e colocar o Brasil mais próximo dos
países não alinhados.
Afinal de
contas, a Conferência de Bandung de 1955 tinha lançado Kusno Sukarno da
Indonésia, Gamal Abdel Nasser do Egito e Jawaharlal Nehru, da Índia, além de
Chu En Lai da China, como estrelas ascendentes de uma terceira via da política
internacional. Esses quatro visavam promover a cooperação econômica e cultural
afro-asiática, opondo-se ao que consideravam o neocolonialismo norte-americano
e soviético. Passaram a exercitar o pragmatismo político para extrair vantagens
de ambas as partes.
O fato é
que, com a sua surpreendente renúncia em agosto de 1961, Jânio não teve tempo
de fazer o mesmo. Jango estava em Cingapura, depois de passar pela China, e
teve de voltar às pressas sob o risco de não assumir. Curioso notar que no
mesmo mês a Alemanha Oriental de Walter Ulbricht e Erich Honecker concluía a
construção do Muro de Berlim, símbolo de um sistema internacional que entraria
em colapso só em 1989.
Com a
renúncia, a disputa pelo poder no Brasil entrou em processo de instabilidade
permanente até o golpe de 1964. A posse de Jango, nacionalista moderado, não
encontrou boa recepção nas alas conservadoras das Forças Armadas, mas encontrou
simpatia das ligas camponesas de Francisco Julião, apoiadas pelos cubanos, e
nas lideranças estudantis da UNE e da juventude católica de esquerda. Também
apoiavam Jango uma parte da burguesia nacional "anti-imperialista" e,
principalmente, os movimentos operários.
O Partido
Comunista Brasileiro colaborava com Jango embora um grupo ainda mais radical
tenha decidido alinhar-se ao modelo chinês (e depois albanês), constituindo o
Partido Comunista do Brasil. A tentativa de se modernizar uma sociedade muito
desigual, ainda dependente da exportação de café, mas com industrialização
crescente, era vista por muitos como um caminho para o socialismo. E o apoio a
representações com orientação socialista atormentava militares e conservadores.
Entre
setembro de 1961 e janeiro de 1963, Jango governou em regime parlamentarista
tendo como primeiro-ministro Tancredo Neves. San Tiago Dantas, ministro das
Relações Exteriores do gabinete de Tancredo, reatou relações diplomáticas com a
União Soviética e defendeu a neutralidade do Brasil na crise dos mísseis
cubanos.
Enquanto
isso, o presidente John Kennedy questionava seus secretários sobre como agir em
relação ao Brasil. Instruiu Lincoln Gordon, seu embaixador em Brasília, a
interferir mais ativamente na política brasileira. Foi o tempo em que Kennedy
decidiu envolver os Estados Unidos na defesa dos interesses do Vietnã do Sul
enviando milhares de militares para bombardear o avanço comunista de Ho Chi
Minh. Kennedy não teve tempo de ver o resultado da decisão de se envolver no
Sudeste Asiático. Foi assassinado em novembro de 1963, momento em que no Brasil
Jango tinha fracassado em decretar estado de sítio para conter agitações no
campo e greves operárias em São Paulo.
No início
de 1964, a intenção de iniciar reformas de base por decreto ficou explícita no
comício da Central do Brasil, no Rio de Janeiro. Bandeiras vermelhas e pedidos
de reforma agrária em uma época em que o livro vermelho com os pensamentos de
Mao Tsé-tung começava a ser distribuído internacionalmente dão uma ideia do
temor que o comunismo despertava nos meios conservadores. A polarização
internacional também estava presente no Brasil. E em 1964 veio a ruptura.
* Doutor
em Ciência Política pela USP, é membro do grupo de análise da conjuntura
internacional (Gacint) da USP
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