PARIS - "Nossa casa está queimando, e nós simplesmente olhamos para o outro lado", alertou, preocupado, o então presidente francês, Jacques Chirac, em 2002. E qual é a situação hoje, dez anos mais tarde? A casa continua queimando. A estrutura pega fogo, e o que é que nós fazemos? Olhamos para o outro lado.
O planeta vive (e morre) ao ritmo de furores atmosféricos, tsunamis, furacões, inundações, secas e tempestades. Somente no continente americano, 30 mil pessoas já morreram por causa dessa desordem da natureza e US$ 1 trilhão simplesmente viraram fumaça. Em 30 anos, na América, as catástrofes climáticas se multiplicaram por cinco.
O relatório que acaba de ser apresentado em Estocolmo, pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), acrescenta a essas informações jornalísticas as certezas da ciência. A leitura dessas 20 páginas (que é o resumo de um texto gigantesco) dá vontade de dormir um pouco, enquanto esperamos o fim do mundo. Em vez de reduzir o seu ritmo, a corrida para a catástrofe acelerou.
Na reunião de cúpula anterior, os políticos acusaram o IPCC de dizer besteiras. Na realidade, o que ocorre é exatamente o contrário: em 2007, o IPCC, alarmado com o que descobria, amenizou suas conclusões. Ele dissera que o azul do céu poderia tornar-se cinza, mas, na verdade, o céu já estava negro.
Até o fim do século, as temperaturas aumentarão entre 0,3ºC e 4,8ºC. Então, as geleiras do Polo terão desaparecido. A neve se tornará mais rara. O nível do mar poderá subir 82 centímetros até 2100 (grande parte das maiores cidades do mundo foi construída no nível do mar). Acontecimentos extremos se tornarão correntes. Nas zonas úmidas choverá mais. Nas zonas secas, menos.
Limitemo-nos a observar que quem deu os primeiros alarmes, no século passado, diante da insensatez das civilizações, foram os pacifistas engajados na luta contra o perigo nuclear, paralelamente ao combate que os Verdes travavam em favor da ecologia.
Hoje, é como se tivéssemos voltado ao ponto de partida. Segundo o relatório do IPCC, na verdade, foi a ação do homem, seu gênio, sua ciência, sua indústria, que acabaram criando uma situação comparável a uma guerra nuclear em escala planetária.
Como explicar que, diante do incêndio, as sociedades se obstinem a desviar seu olhar? E, no entanto, o perigo é enorme, incomensurável. É verdade que, de longe em longe, soa um gongo: um tsunami, uma canícula, como um veneno sutil, invade aos poucos um organismo antes de infligir-lhe o golpe de misericórdia.
E há outra razão. A política não caminha ao lado da ecologia. Os países industrializados não estão minimamente dispostos a acalmar a fúria de suas fábricas. Os jovens e poderosos países emergentes hesitam em quebrar suas indústrias nascentes e deixam que os países mais antigos prossigam sua obra de poluição.
Talvez seja preciso acrescentar que as civilizações não pensam em seu futuro. Luís XV, quando seu reino caminhava para o colapso, teria dito: "Depois de mim, o dilúvio". Alguns anos depois de sua morte, em 1789, eclodiu a Revolução Francesa (como algumas frases históricas, é possível que essa tenha sido inventada pelos inimigos de Luís XV).
Acaso as mentalidades mudaram? Na próxima reunião de cúpula do clima (que se realizará na França, em 2015), saberemos se esses países estão preparados para enfrentar o mal. Talvez. Nos Estados Unidos, e mesmo na China, as autoridades dão o sinal de alarme. E as jovens gerações parecem mais preocupadas com o mundo que deixarão a seus filhos do que os industriais do século passado.
Os ecologistas contribuíram para despertar as consciências. Entretanto, ao mesmo tempo, eles não souberam inscrever sua ação no jogo político. Talvez eu esteja sendo influenciado pelo comportamento deplorável dos "ecologistas franceses", que perderam a alma e frequentemente a consciência, em troca de alguns miseráveis cargos ministeriais.
Enquanto isso, o CO2 continua perpetrando seus crimes. Um deles é inédito: o aumento da temperatura dos rios e dos braços de mar, cuja água é utilizada para resfriar as centrais nucleares construídas em suas proximidades, preocupa os governantes. Em maio, nos EUA, a Central de Millstone teve de desligar seus dois reatores porque as águas haviam atingido a temperatura de 26,6ºC. Na França, em várias ocasiões, no ano passado, alguns reatores tiveram de parar momentaneamente porque a água de resfriamento estava demasiado quente. É bizarra a ironia das coisas: o clima parece montar a guarda em torno das centrais nucleares para evitar incidentes./TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
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