Jogo suspeito - EDITORIAL ZERO HORA
Faltando 10 meses para a Copa do Mundo, o Brasil está no centro de um escândalo internacional ligado ao futebol. Deve-se ao repórter Jamil Chade, correspondente do jornal O Estado de S.Paulo em Genebra, a revelação de que um terço das cotas de 24 jogos da Seleção Brasileira desde novembro de 2006 era direcionado para a Uptrend Development, empresa com sede nos Estados Unidos comandada pelo atual presidente do Barcelona, Sandro Rosell. Numa coincidência que merece ser esclarecida, Rosell é amigo do ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) Ricardo Teixeira. Mesmo sem dispor de sede própria e infraestrutura física, a empresa de Roselli recebia em torno de US$ 450 mil (R$ 1,09 milhão pelo câmbio de hoje) por amistoso da companhia ISE, com sede no paraíso fiscal das Ilhas Cayman e que havia negociado com Teixeira os direitos sobre os jogos não oficiais da Seleção até 2022. Os novos documentos tornados públicos revelam que a Uptrend solicitou à ISE que depositasse grande parte dos valores num banco de Andorra, principado encravado entre Espanha e França que também brinda investidores com uma legislação fiscal e bancária frouxa.
A realização de amistosos é a principal fonte de receita das confederações de futebol. No caso do Brasil, único pentacampeão mundial, esse tipo de jogo torna-se um evento de grandes proporções, com contratos que superam US$ 1 milhão (R$ 2,4 milhões em valores de hoje). Esse modelo de negócio foi adotado pelo presidente da Associação de Futebol da Argentina, Julio Grondona, e copiado por Teixeira e por outros dirigentes no mundo inteiro. Não existe, em princípio, ilicitude em firmar contratos para apresentações da Seleção. O que torna a revelação de O Estado de S.Paulo preocupante é o fato de que parte dos valores arrecadados por meio da marca líder da Seleção Canarinho era carreada não para o Brasil, mas para contas bancárias americanas em um banco de Andorra. Tudo fica ainda mais nebuloso quando se sabe que Teixeira fechou o contrato com a ISE pouco antes de deixar o comando da CBF. Tampouco é a primeira vez que o nome de Rosell aparece ligado a práticas suspeitas no Brasil. Em 2008, o presidente do Barcelona havia sido investigado em razão de um amistoso entre Brasil e Portugal.
É lamentável que milhões de torcedores do mundo inteiro, parte considerável deles crianças, sejam confrontados com a notícia de que a camiseta que ostentam com orgulho serve de cobertura para tenebrosas transações. É preocupante que, depois de tantos escândalos nos quais o papel de protagonista é invariavelmente exercido por dirigentes pouco escrupulosos, os negócios da CBF e da Seleção continuem envolvidos em suspeitas. Finalmente, um país que investe tão pesadamente para realizar uma Copa do Mundo que contribua para melhorar e não piorar sua imagem pública não pode tolerar que a paixão nacional pelo futebol seja confundida com corrupção. O mínimo que se espera na véspera do certame a ser sediado pelo Brasil é que a denúncia seja apurada com celeridade e transparência.
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