A reforma do Código Penal - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR
O substitutivo do senador Pedro Taques tem o mérito de desfazer vários absurdos da comissão de juristas que redigiu o texto, mas poderia ter sido ainda melhor
No ano passado, uma comissão de juristas recrutada pelo então presidente do Senado, José Sarney, elaborou uma proposta de reforma do Código Penal que em muitos trechos parecia movida mais por paixões militantes e pelo politicamente correto que por qualquer senso de justiça. Na época, Sarney pediu pressa aos senadores para que analisassem a proposta, mas o próprio relator da matéria, Pedro Taques (PDT-MT), admitiu que o prazo era curto demais para avaliar algo tão importante e polêmico, e colocou o pé no freio. Os senadores apresentaram cerca de 600 emendas e, na terça-feira passada, um ano depois do início da tramitação do Projeto de Lei 236/2012, Taques apresentou um parecer que melhora vários dos pontos propostos pelos juristas, embora ainda tenha ficado aquém do que poderia ter sido.
Os juristas, por exemplo, queriam descriminalizar o plantio, a compra e o porte de qualquer droga, desde que para consumo próprio (embora, de forma contraditória, tenham deixado punições para o vendedor do entorpecente). O projeto afirmava que se presumia a destinação da droga para uso pessoal caso a quantidade apreendida fosse suficiente para cinco dias de consumo individual. O substitutivo de Taques retirou esse trecho, que podia servir de brecha para o pequeno tráfico, mas manteve a exclusão de crime para quem compra, planta ou estoca drogas em casa, livrando-os de qualquer pena. Nesse sentido, o substitutivo tem avanços em relação ao projeto original, mas ainda é mais permissivo que a política atual, de não encarcerar o usuário, ao tratar esses casos como excludente de crime e dispensar as penas de advertência, prestação de serviços à comunidade e medidas educativas previstas na atual Lei de Drogas.
No caso do aborto, o substitutivo também repudiou a legalização total até a 12.ª semana de gestação, prevista no projeto original com uma inócua exigência de atestado médico ou psicológico. A nova redação retirou essa possibilidade, mas ainda deixou trechos preocupantes, como o próprio caput do artigo 127, que usa o termo “não há crime”, em vez do “não se pune” da legislação atual, dando a entender que existiria, assim, um “direito ao aborto” – ou, em outras palavras, o direito de a mãe eliminar seu próprio filho, um ser humano indefeso e inocente. Além disso, manteve-se no inciso I o termo “risco à vida ou à saúde da gestante”, e o “risco à saúde” é um conceito amplamente subjetivo. E o inciso III permite o aborto “se comprovada a anencefalia ou quando o feto padecer de graves e incuráveis anomalias que inviabilizem a vida extrauterina”, outro conceito bem elástico e que dá margem à ampliação do aborto eugênico. Curiosamente, o relatório de Taques, ao tratar do tema, traz bons argumentos tanto de ordem científica quanto ética, e cuja conclusão lógica seria a rejeição completa ao aborto; faltou, no entanto, a coragem de levar ao texto do substitutivo as consequências do raciocínio desenvolvido no relatório.
Outro acerto foi tentar eliminar uma absurda desproporção entre penas que relativizava o valor da vida humana. O exemplo mais surreal do projeto original era a comparação das penas por deixar de socorrer crianças, inválidos ou feridos (1 a 6 meses de prisão, ou multa) e por deixar de socorrer animais (1 a 4 anos, a mesma pena para abandono de animais). O substitutivo eliminou os dois crimes referentes aos animais e, para a omissão de socorro a seres humanos, elevou a pena para 2 a 4 anos, o que já reflete uma hierarquização mais coerente dos valores protegidos pela legislação.
No entanto, uma omissão lamentável foi a manutenção, no artigo que define o crime de terrorismo, do parágrafo segundo o qual “não constitui crime de terrorismo a conduta individual ou coletiva de pessoas movidas por propósitos sociais ou reivindicatórios, desde que os objetivos e meios sejam compatíveis e adequados à sua finalidade”. É o exato texto do projeto original, feito sob medida para livrar certas entidades conhecidas por suas afinidades ideológicas com o governo atual. Taques alega que essa questão estava sendo discutida por uma comissão mista no Congresso. Ainda assim, teria sido melhor eliminar esse parágrafo, que cria privilégios para alguns grupos, dependendo da causa que defendam.
Quando a proposta de reforma do Código Penal foi apresentada, o jurista Miguel Reale Júnior foi enfático, chamando o texto de “obscenidade” que “não tem conserto”. O substitutivo de Taques tem melhoras indiscutíveis, mas mantém algumas deficiências, e ainda receberá uma nova rodada de emendas, resultando em um novo relatório no fim de setembro. Que até lá os senadores sejam capazes de seguir incrementando o texto, apesar das observações de Reale, que demonstram a evidente dificuldade de transformar, à base de remendos, algo tão ruim em uma legislação boa e justa.
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