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Dilma na banguela: da ditadura à dentadura, “uma” mutirão de pensamentos desdentados
CELSO ARNALDO ARAÚJO
Rio Pardo de Minas, norte do estado, mais de 700 km distante de BH. A
presidente vai falar da importância de ter dentes na boca. Como ela
insiste em ser chamada de presidenta, não é uma rima ─ e já não era uma
solução.
De dedo em riste, num tom muito acima do normal, Dilma vai anunciar
na cidade a ampliação do programa Brasil Sorridente, criado no primeiro
ano do governo Lula. Uma espécie de PAC 2 odontológico, com a mesma
dinâmica do plano-mãe: não se conhecem os resultados da primeira fase.
O Brasil ─ depois de oito anos de Lula ─ continua sendo um dos países
mais desdentados do mundo, no qual 55% dos adolescentes já não têm
todos os dentes e 40 milhões de adultos só têm na boca a língua e as
gengivas. Lula, na verdade, se incomoda ao ver uma pessoa sem dente ─ é o
que dirá Dilma, daqui a pouco.
Pelo discurso, porém, presume-se que, ao final dessa ampliação do BS,
todos os brasileiros estejam de posse de seus 32 dentes, originais ou
substituídos, exatamente na configuração que Deus nos deu: 8 incisivos, 4
caninos, 8 pré-molares, 12 molares.
Ao tentar explicar o programa, insistindo na tese surpreendente de
que é melhor ter dentes do que não tê-los, assim como é melhor ter casa
própria do que morar sob a ponte, Dilma tentou ser bastante incisiva.
Mas, se a Dilma sobram dentes, faltam palavras. Seus discursos, como
os desdentados, não podem sorrir nunca ─ talvez de vergonha por sua
dramática incapacidade de expressar as boas intenções que devem
perpassar o neurônio solitário. Mas há dias especiais ─ em que as
palavras de Dilma parecem cair da boca como dentes abalados na raiz. Rio
Pardo de Minas presenciou um desses dias:
“No passado, ninguém olhava pra pessoa de uma forma completa”, começa
ela, antropologicamente, sem esclarecer quem é essa pobre pessoa do
passado a quem só se olhavam as partes.
Prossegue:
“E aí, a gente tratava aqui no Brasil de várias coisas, mas isquicia (sic) que um dos elementos fundamentais pra identidade de uma pessoa é ela ser uma pessoa inteira”.
“E aí, a gente tratava aqui no Brasil de várias coisas, mas isquicia (sic) que um dos elementos fundamentais pra identidade de uma pessoa é ela ser uma pessoa inteira”.
Será o mesmo infeliz da frase anterior? Ou outro? Uma coisa é certa:
desse monturo de sandices, a pessoa só sai mesmo aos pedaços.
Ok, mas essa pessoa está prestes a ser remontada, como um Robocop:
“Daí porque a importância que no Brasil Sorridente nós damos à saúde bucal, aos dentes, e nós olhamos não mais uma pessoa como uma parte, uma pessoa que tem uma doença, mas olhamos o que pode dá saúde integral pra ela”.
“Daí porque a importância que no Brasil Sorridente nós damos à saúde bucal, aos dentes, e nós olhamos não mais uma pessoa como uma parte, uma pessoa que tem uma doença, mas olhamos o que pode dá saúde integral pra ela”.
Afinal, o Brasil Sorridente é um projeto odontológico ou
oftalmológico? De qualquer forma, o fim dos desdentados brasileiros
começou com Lula – que não suporta ver um pela frente, mesmo que seja da
família. É o que revela Dilma, relembrando a origem do programa:
“Assisti e presenciei o empenho do presidente Lula e o incômodo que ele tinha quando ele via um cidadão do nosso país, um brasileiro, um irmão, ou uma brasileira, uma irmã, sem os dentes”.
“Assisti e presenciei o empenho do presidente Lula e o incômodo que ele tinha quando ele via um cidadão do nosso país, um brasileiro, um irmão, ou uma brasileira, uma irmã, sem os dentes”.
Um reparo: onde estava Lula, muito bem pago desde 1978, e com
assistência sindical-odontológica completa extensiva à família, que
deixou um irmão e uma irmã perder os dentes?
Na verdade, o Brasil de Dilma é um grande irmão:
“Nós precisamos de uma coisa importante em nosso país, que é a nossa autoestima. Olhar pra nós mesmos e sabê que esse país conta fundamentalmente conosco”.
Nesse fundamentalismo da presidente, era o caso de perguntar: quem é nosco?
“Nós precisamos de uma coisa importante em nosso país, que é a nossa autoestima. Olhar pra nós mesmos e sabê que esse país conta fundamentalmente conosco”.
Nesse fundamentalismo da presidente, era o caso de perguntar: quem é nosco?
Mais à frente, o povo de Rio Pardo de Minas será informado de que,
além de resgatar todos os dentes, o governo de Dilma estará “assegurano”
emprego para todos os brasileiros, incluindo crianças e aposentados.
Sim, é um novo Brasil – no anterior, estar desempregado ou não trabalhar
era um direito. Agora, não mais:
“Esse povo que pode e teve (sic) muitas vezes desempregado. Nós não queremos isso. Nós queremos todos os brasileiros empregados”.
“Esse povo que pode e teve (sic) muitas vezes desempregado. Nós não queremos isso. Nós queremos todos os brasileiros empregados”.
Impactante. Empregos para todos, dentes para todos. É uma ordem de Dilma:
“Num pode perdê dente, num pode deixá que jovem perca os dentes ou qui criança não tenha acesso ao dentista”.
“Num pode perdê dente, num pode deixá que jovem perca os dentes ou qui criança não tenha acesso ao dentista”.
Então, faz um apelo tão claro quanto um molar cariado:
“Junto com uma prótese, que a gente fala uma (sic) mutirão de prótese, eu vou falá como o povo fala, junto com um mutirão de dentadura, nós temos de falá também num mutirão para tratar dos dentes de cada criança”
“Junto com uma prótese, que a gente fala uma (sic) mutirão de prótese, eu vou falá como o povo fala, junto com um mutirão de dentadura, nós temos de falá também num mutirão para tratar dos dentes de cada criança”
Mas ainda faltava, nesse extraordinário discurso de Dilma, aquela
centelha do gênio, a palavra que marca para sempre. A versão Dilma de “I
have a dream”.
Não espere mais. Ei-la:
“Aqui eu vi muitas crianças, vi muitos jovens, vi muitas mulheres e vi também muitos homens”.
Não espere mais. Ei-la:
“Aqui eu vi muitas crianças, vi muitos jovens, vi muitas mulheres e vi também muitos homens”.
Agora, sem sorrir: mesmo sendo um país de desdentados, o Brasil não
merece uma presidente cujo raciocínio desce ladeira abaixo, sem rumo,
atropelando o bom senso e a inteligência, na banguela.
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