Quem paga as campanhas milionárias?
Candidatos a vereador em São Paulo têm campanhas orçadas em até R$ 5 milhões. A pergunta a ser feita é não apenas de onde vêm os financiamentos, mas como serão pagos depois. Em quatro anos de mandato, um vereador recebe R$ 624 mil. Mesmo que não gaste um centavo, ele não tem como retribuir a gentileza. Como fechar a conta?
Gilberto Maringoni
A Folha de S. Paulo do último domingo (26 de agosto) publicou interessante matéria intitulada “Ex-ministros, Orlando Silva e Andrea Matarazzo disputam vaga de vereador em SP”.
O primeiro personagem milita no PCdoB e teve um início de vida pobre. O
segundo é filiado ao PSDB e exibe origem aristocrática. A reportagem
descreve as iniciativas de ambos para atrair o eleitorado e ganhar
votos.
O trecho mais importante da nota está no final:
“Matarazzo, que tem cerca de 200 funcionários, pretende investir até R$ 5 milhões. Ele calcula precisar de 40 mil votos. Silva contratou 100 pessoas e fixou o teto de gastos em R$ 3,5 milhões”.
As afirmações não foram desmentidas. Logo, não há porque duvidar delas. Não se coloca aqui em dúvida a honestidade e a lisura dos candidatos.
As campanhas eleitorais duram três meses. Mesmo que haja investimentos preliminares – aluguel de sede para comitê, de carros e compra de equipamentos – o grosso do dinheiro é gasto entre julho e outubro. Na média, um milhão por mês.
Doações e retribuições
Essas quantias provêm das chamadas “doações” de campanha. É um dinheiro fornecido em sua maior parte por grandes empresas. Nada indica que os candidatos façam algo contrário à lei. As entradas e saídas são anotadas pelos comitês de cada um e submetidas ao escrutínio do Tribunal Regional Eleitoral (TRE).
Doações de campanha não costumam ser doações de verdade. O eleito deve de alguma maneira retribuir o que foi investido em sua postulação. “Não existe almoço grátis”, dizia Milton Friedman (1912-2006), o guru dos economistas ortodoxos.
Em tese, o futuro parlamentar deveria pagar seus patrocinadores com o próprio dinheiro, para que não ficasse caracterizado algum tipo de troca de favores entre o eleito e o poder econômico.
No caso da Câmara de São Paulo, vale pensar como um vereador retribuiria tamanho aporte de recursos.
A partir de janeiro de 2013, o salário de um vereador paulistano chegará a R$ 15.031,76. É muito em relação ao que ganha a maioria da população, mas é pouco se comparado a salários de executivos de grandes corporações, que podem chegar a R$ 200 mil por mês. Em termos líquidos, o vencimento do parlamentar deve ficar em torno de R$ 12 mil, pagos 13 vezes ao ano.
Se multiplicarmos esses 13 salários ano por quatro anos de mandato, teremos um total líquido de cerca de R$ 624 mil reais. É todo o ganho salarial do parlamentar.
Assim, mesmo que o vereador não coma, não saia de casa, não gaste com energia, água, luz e telefone domésticos, não há como ele pagar – com recursos do mandato – “doações” de campanha entre R$ 3 milhões ou mais.
Como a oferenda é retribuida?
Candidatos majoritárias
No caso das candidaturas a prefeito, as verbas oriundas de empresas que servem a Prefeitura são maiores ainda.
No sábado (25), a mesma Folha de S. Paulo relatou o seguinte:
“Dados entregues pelos candidatos à Justiça Eleitoral mostram que, dos cerca de R$ 2,4 milhões arrecadados por Fernando Haddad (PT), R$ 950 mil foram repassados por duas empreiteiras: Carioca Engenharia e OAS. (...) José Serra (PSDB) foi o segundo que mais recebeu na cidade em julho e início de agosto. Além da direção estadual, que repassou por meio de doação oculta R$ 1,2 milhão ao tucano, a incorporadora JHS F pagou R$ 500 mil. Uma pessoa ligada ao grupo Zogbi, que atua na área financeira, repassou R$ 250 mil”.
Até agora as informações não foram desmentidas pelos citados.
Por que motivo uma empresa que presta serviços ao Estado - como empreiteiras, bancos, companhias telefônicas, elétricas, de transportes e outras – dariam dinheiro a candidatos sem exigir contrapartida?
Essa é a raiz da maior parte dos casos de corrupção entre poder público e iniciativa privada. Não se trata de um problema moral, mas essencialmente político.
Disputa assimétrica
Tais montantes desequilibram totalmente a disputa eleitoral e selam compromissos entre candidatos e empresas que, na maior parte das vezes, ficam ocultos dos olhos dos eleitores. Somente o financiamento público poderá trazer mais clareza e simetria entre as candidaturas.
Os grandes partidos não querem aprovar o financiamento público. Ao contrário do que se difunde, não haverá mais gastos do erário. Haverá menos. Hoje, as contrapartidas feitas pelos eleitos em favor dos financiadores – alguns casos estão vindo à luz na CPI do Cachoeira – são mais lesivos aos cofres de municípios, estados e união do que uma quantia determinada, cujos pagamentos seriam feitos de forma transparente e com mais equilíbrio entre partidos e coligações.
Caso os interesses existentes no Congresso impeçam a adoção do financiamento público, uma medida alternativa poderia ser implantada. Seria a obrigação das campanhas de todos os partidos apresentarem os nomes e logomarcas de seus financiadores.
Nada a estranhar. Qualquer programa de televisão, rádio, filme, jornal, revista, site, e produto editorial exibe publicidade e logomarca de seus patrocinadores. Por que as peças eleitorais deveriam ser diferentes?
Assim, não seria surpresa que um financiador de campanha fosse depois agraciado com a contratação para a realização de vultosas obras ou serviços públicos.
Quer dizer, não seria surpresa. Mas a esquisitice ficaria bem clara...
O trecho mais importante da nota está no final:
“Matarazzo, que tem cerca de 200 funcionários, pretende investir até R$ 5 milhões. Ele calcula precisar de 40 mil votos. Silva contratou 100 pessoas e fixou o teto de gastos em R$ 3,5 milhões”.
As afirmações não foram desmentidas. Logo, não há porque duvidar delas. Não se coloca aqui em dúvida a honestidade e a lisura dos candidatos.
As campanhas eleitorais duram três meses. Mesmo que haja investimentos preliminares – aluguel de sede para comitê, de carros e compra de equipamentos – o grosso do dinheiro é gasto entre julho e outubro. Na média, um milhão por mês.
Doações e retribuições
Essas quantias provêm das chamadas “doações” de campanha. É um dinheiro fornecido em sua maior parte por grandes empresas. Nada indica que os candidatos façam algo contrário à lei. As entradas e saídas são anotadas pelos comitês de cada um e submetidas ao escrutínio do Tribunal Regional Eleitoral (TRE).
Doações de campanha não costumam ser doações de verdade. O eleito deve de alguma maneira retribuir o que foi investido em sua postulação. “Não existe almoço grátis”, dizia Milton Friedman (1912-2006), o guru dos economistas ortodoxos.
Em tese, o futuro parlamentar deveria pagar seus patrocinadores com o próprio dinheiro, para que não ficasse caracterizado algum tipo de troca de favores entre o eleito e o poder econômico.
No caso da Câmara de São Paulo, vale pensar como um vereador retribuiria tamanho aporte de recursos.
A partir de janeiro de 2013, o salário de um vereador paulistano chegará a R$ 15.031,76. É muito em relação ao que ganha a maioria da população, mas é pouco se comparado a salários de executivos de grandes corporações, que podem chegar a R$ 200 mil por mês. Em termos líquidos, o vencimento do parlamentar deve ficar em torno de R$ 12 mil, pagos 13 vezes ao ano.
Se multiplicarmos esses 13 salários ano por quatro anos de mandato, teremos um total líquido de cerca de R$ 624 mil reais. É todo o ganho salarial do parlamentar.
Assim, mesmo que o vereador não coma, não saia de casa, não gaste com energia, água, luz e telefone domésticos, não há como ele pagar – com recursos do mandato – “doações” de campanha entre R$ 3 milhões ou mais.
Como a oferenda é retribuida?
Candidatos majoritárias
No caso das candidaturas a prefeito, as verbas oriundas de empresas que servem a Prefeitura são maiores ainda.
No sábado (25), a mesma Folha de S. Paulo relatou o seguinte:
“Dados entregues pelos candidatos à Justiça Eleitoral mostram que, dos cerca de R$ 2,4 milhões arrecadados por Fernando Haddad (PT), R$ 950 mil foram repassados por duas empreiteiras: Carioca Engenharia e OAS. (...) José Serra (PSDB) foi o segundo que mais recebeu na cidade em julho e início de agosto. Além da direção estadual, que repassou por meio de doação oculta R$ 1,2 milhão ao tucano, a incorporadora JHS F pagou R$ 500 mil. Uma pessoa ligada ao grupo Zogbi, que atua na área financeira, repassou R$ 250 mil”.
Até agora as informações não foram desmentidas pelos citados.
Por que motivo uma empresa que presta serviços ao Estado - como empreiteiras, bancos, companhias telefônicas, elétricas, de transportes e outras – dariam dinheiro a candidatos sem exigir contrapartida?
Essa é a raiz da maior parte dos casos de corrupção entre poder público e iniciativa privada. Não se trata de um problema moral, mas essencialmente político.
Disputa assimétrica
Tais montantes desequilibram totalmente a disputa eleitoral e selam compromissos entre candidatos e empresas que, na maior parte das vezes, ficam ocultos dos olhos dos eleitores. Somente o financiamento público poderá trazer mais clareza e simetria entre as candidaturas.
Os grandes partidos não querem aprovar o financiamento público. Ao contrário do que se difunde, não haverá mais gastos do erário. Haverá menos. Hoje, as contrapartidas feitas pelos eleitos em favor dos financiadores – alguns casos estão vindo à luz na CPI do Cachoeira – são mais lesivos aos cofres de municípios, estados e união do que uma quantia determinada, cujos pagamentos seriam feitos de forma transparente e com mais equilíbrio entre partidos e coligações.
Caso os interesses existentes no Congresso impeçam a adoção do financiamento público, uma medida alternativa poderia ser implantada. Seria a obrigação das campanhas de todos os partidos apresentarem os nomes e logomarcas de seus financiadores.
Nada a estranhar. Qualquer programa de televisão, rádio, filme, jornal, revista, site, e produto editorial exibe publicidade e logomarca de seus patrocinadores. Por que as peças eleitorais deveriam ser diferentes?
Assim, não seria surpresa que um financiador de campanha fosse depois agraciado com a contratação para a realização de vultosas obras ou serviços públicos.
Quer dizer, não seria surpresa. Mas a esquisitice ficaria bem clara...
Gilberto Maringoni, jornalista e
cartunista, é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e
autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos
tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo).
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