O
que fez Antonio Fernando não sofrer nenhuma represália foi ter deixado
Lula fora do rol acusatório, apesar de Lula ter assinado atos normativos
e documentos, escandalosamente destinados a fomentar o esquema
criminoso.
“Juízes, Polícia, Ministério Público, advogados públicos. Porque eles têm um poder de chantagear os poderes públicos. E dizem: ou você faz isso ou a gente vai criar uma tremenda encrenca.”
Eugênio Aragão, corregedor-Geral do MPF, em entrevista, falando sobre “chantagem” para aumento de salário.
Vive-se
um momento histórico com o julgamento do Mensalão. Isso todo mundo
sabe. O que quase ninguém sabe é que as provas são escassas. Contra José
Dirceu, apontado como o líder do esquema criminoso, não existem provas,
apenas indícios e meras conjecturas. Por meio deste artigo, mostrarei,
entre outras coisas - como a explicação para a declaração transcrita
acima - a razão da carência de provas no processo Mensalão.
Por que o então procurador-geral da República (PGR), Antonio Fernando, autor da denúncia do Mensalão, NÃO
foi sequer criticado por petista algum do alto escalão, apesar de ter
imputado ao PT a tentativa de perpetuação no poder, por meio de
“sofisticada organização criminosa? Além disso, ele “acusou” de chefe da
organização, José Dirceu, um dos expoentes do partido situacionista e
amigo pessoal de Lula. Antonio Fernando não sofreu crítica e ainda foi
reconduzido no cargo pelo ex-Presidente Lula. Será que Lula e os
caciques petistas nada fizeram contra Antonio Fernando porque
compreenderam que ele apenas cumpriu o seu dever legal? Quem acredita
nessa hipótese, provavelmente também acredita em Papai Noel, Saci
Pererê, Mula sem cabeça, duendes...
Peço
escusas pela ironia, mas é que a situação é muito séria e procuro
amenizar para facilitar a leitura. Assinalo que eu não seria
irresponsável de escrever sem conhecimento de causa, pois tenho um nome e
um cargo a zelar (sou procurador da República e estou na ativa). Há 31
anos encontro-me no serviço público, ocupei diversos cargos, todos
conquistados por concurso. Aliás, só na área jurídica, passei em seis
concursos, sendo três em primeiro lugar.
As evidências mostram que a imputação de Antonio Fernando na denúncia do Mensalão NÃO é inverídica.
Caso fosse, certamente ele teria sofrido terríveis ataques e jamais
seria reconduzido. Mas não foi o fato de a imputação ser verídica que
nada fizeram contra ele, pois eu fiz acusação verídica contra um
integrante do PT, que resultou na primeira cassação do mandato de um
parlamentar federal do referido partido, fato ocorrido no início do
Governo Lula, e minha vida virou um inferno. Sofri covarde e doentia
perseguição dentro e fora do Ministério Público Federal (MPF).
No
meu entendimento, o que fez Antonio Fernando não sofrer nenhuma
represália foi ter deixado Lula fora do rol acusatório, apesar de Lula
ter assinado atos normativos e documentos, escandalosamente destinados a
fomentar o esquema criminoso.
Entre
os vários fatos praticados por Lula que beneficiaram o esquema
criminoso, consta o envio, em 2004, de mais de 10 milhões de cartas
(assinadas por Lula) a aposentados, incentivando-os a tomar empréstimos
consignados em folha de pagamento, que proporcionaram lucros fantásticos
ao banco BMG que, segundo a denúncia, foi uma das instituições
financeiras que participou da “sofisticada organização criminosa”. Só
para se ter uma ideia, o referido banco, com apenas 10 agências e em
curto espaço de tempo, fez milhares de empréstimos a aposentados,
faturando quantia superior a três bilhões de reais, ganhando da Caixa
Econômica Federal, com suas mais de duas mil agências. Na formalização
do convênio que beneficiou o BMG, passaram por cima de tudo, inclusive,
exoneram uma servidora do INSS que se recusou a publicar o fraudulento
convênio celebrado em tempo recorde.
A
ausência de Lula na peça acusatória enfraqueceu demasiadamente a
denúncia, pois o que também deveria ser atribuído a ele foi imputado
exclusivamente a José Dirceu. Ocorre que este, ao contrário de Lula, não
assinou documento algum, sequer um bilhete. Assim, não há nenhuma prova
no processo que aponte a participação do ex-chefe da Casa Civil. O que
há são frágeis indícios e meras conjecturas de forma que o Supremo
Tribunal Federal (STF) terá que mudar totalmente a sua jurisprudência
para poder alcançá-lo. É por isso que a defesa insiste tanto que o
julgamento seja técnico, pois juridicamente é quase impossível
condená-lo. Faltam provas.
Para
condenar José Dirceu, alegou-se a aplicação da teoria do domínio do
fato, que é adotada pela maioria dos países democráticos. Ocorre que a
aplicação dessa teoria não dispensa a produção de provas; caso
contrário, estar-se-ia orbitando na seara da responsabilidade penal
objetiva, que é repelida pelo ordenamento jurídico dos países
democráticos, incluindo o Brasil.
Antonio
Fernando, além de deixar o ex-Presidente da República fora da acusação,
inviabilizou a produção de provas efetivas (e não meras conjecturas),
aptas a comprovar a existência da “sofisticada organização criminosa”.
Vou indicar alguns itens (são muitos) que apontam nessa direção:
1)
Marcos Valério destruiu provas (queimou notas fiscais); 19 membros da
CPMI (tinha 20 membros) solicitaram a Antonio Fernando que pedisse a
prisão dele. Antonio Fernando não o fez, alegando que não havia
elementos e nem necessidade da prisão. Nos meus 16 anos de atuação no
MPF na área criminal, nunca vi um investigado que tenha dado tanto
motivo para ser preso e não foi.
2) –
A esposa de Valério foi flagrada tentando sacar milionária quantia
junto a um banco em Belo Horizonte. Desesperado, o “operador do
Mensalão” procurou Antonio Fernando e se colocou à disposição para
colaborar nas investigações, objetivando os benefícios da delação
premiada (estava com muito medo de ser preso, juntamente com a esposa).
Antonio Fernando recusou a colaboração de Valério, alegando que a
delação seria “prematura e inoportuna”. Tudo indica que ele não queria
que Valério falasse. A título de informação, a queda do ex-governador do
DF (José Arruda) somente foi possível graças à colaboração de Durval
Barbosa (operador do mensalão do DEM) que, beneficiado pela delação
premiada, entregou provas que derrubaram o ex-governador. Se não fosse
isso, Arruda jamais teria caído.
3) -
Sílvio Pereira, ex-secretário-geral do PT, em entrevista a um jornal de
grande circulação, disse que Marcos Valério lhe afirmara que, se ele
(Valério) falasse o que sabia, derrubaria a República. Em vez de Antonio
Fernando propor delação premiada ao ex-secretário, cujo nome é repetido
na denúncia 50 vezes, propôs a ele suspensão do processo em troca de
prestação de serviço à comunidade o que, obviamente, foi prontamente
aceito e Sílvio Pereira ficou fora do processo, não tendo que prestar
depoimento. Para um bom entendedor...
4 -
Para sepultar de vez a possibilidade de produzir provas efetivas que
demonstrassem, juridicamente, a existência da “sofisticada organização
criminosa”, Antonio Fernando, em vez de arrolar Roberto Jefferson como
testemunha, uma vez que foi quem levou a público o esquema criminoso, ou
então propusesse a ele a delação premiada, preferiu apenas acusá-lo.
Assim, na condição de réu, sua palavra tem pouco valor para incriminar
José Dirceu.
5 -
Curiosamente, nas alegações finais, o atual PGR, Roberto Gurgel, por
diversas vezes, utiliza os depoimentos de Jefferson “como prova” do
envolvimento de José Dirceu. Por exemplo, à fl. 44, item 72, das
alegações finais apresentadas por Gurgel, ele transcreve trecho do
depoimento de Jefferson, no qual este afirma que, em 2005, Dirceu teria
lhe dito que, juntamente com Lula,
recebeu um grupo da Portugal Telecom para tratar do adiantamento de
oito milhões de euros que seriam repartidos entre o PT e o PTB. Veja-se
trecho da declaração de Jefferson transcrito nas alegações finais por
Gurgel:
“QUE
em um encontro com JOSÉ DIRCEU na Casa Civil ocorrido no início de
janeiro de 2005, o então ministro afirmou que havia recebido, juntamente
com o Presidente Lula, um grupo da Portugal TELECOM e o Banco Espírito
Santo que estariam em negociações com o Governo brasileiro(...).” Grifei.
6 -
Ora, se esse depoimento de Jefferson é verdadeiro e pode ser utilizado
como prova, conforme entende o Procurador Geral da República,
considerando que Lula participou da reunião, por que ele não foi
acusado? A presença de Lula na trama para angariar recursos com a
Portugal TELECOM era meramente figurativa, uma espécie de boneco
ambulante, totalmente manipulado e dominado por José Dirceu, por isso o
ex-Presidente da República não fora acusado? Ainda que essa hipótese
fosse verdadeira, pelo artigo 29 do Código Penal, Lula deveria figurar
no rol dos acusados.
O
ex-PGR Antonio Fernando, assim como o atual, Roberto Gurgel, pertencem
ao grupo tuiuiú. Tuiuiú é uma ave do Pantanal que tem dificuldade para
alçar voo. É assim que se consideravam alguns procuradores na época do
ex-PGR Geraldo Brindeiro e, por isso, eles mesmos se denominaram de
tuiuiú. Os tuiuiús são extremamente afinados com o PT. O grupo chegou ao
poder com Claudio Fonteles, primeiro PGR nomeado por Lula. Fonteles foi
ferrenho defensor de Lula (e do PT). Perseguiu impiedosamente
procuradores que de alguma forma tentaram investigar/processar (de
verdade e não por faz de conta) integrantes do Partido do governo. Por
exemplo, um pouco antes de vir a público o escândalo do Mensalão, um
procurador tentou obter de Carlinhos Cachoeira um vídeo que poderia
alcançar Dirceu, então chefe da Casa Civil. Cachoeira gravou o
procurador e o caso foi a público.
O
procurador sofreu terrível perseguição dos tuiuiús, sob a alegação de
que não poderia ter ouvido Cachoeira à noite. Depois de escapar da
estapafúrdia acusação, o procurador pediu exoneração do MPF, faltando
pouco tempo para a aposentadoria. Foram vários procuradores que sofreram
perseguição. Por outro lado, outros foram favorecidos. Por exemplo, um
procurador, que costumava ocupar espaço na mídia acusando integrantes do
governo FHC, solicitou “ajuda financeira” a diversas empresas. Para
tanto, utilizou uma estagiária da Procuradoria que enviava ofícios às
empresas beneficiadas com o trabalho institucional do MPF. O procurador
em questão chegou a receber dinheiro de Daniel Dantas. Tudo foi
devidamente comprovado, mas ele nunca foi responsabilizado.
Fonteles,
sem nenhum amparo legal, por meio da portaria “reservada” nº 628, de 20
de outubro de 2004, criou um disfarçado serviço de inteligência no MPF;
concedeu função gratificada a pessoas sem vínculo com a Administração
Pública como, por exemplo, para que um garçom cursasse faculdade,
Fonteles deu a ele uma função gratificada, à revelia da lei. Apesar de
Claudio Fonteles ter agido como um soberano, ignorando as restrições
legais, algumas vezes ele recuava. Por exemplo, os tuiuiús queriam
mandar embora um procurador novato que caiu na antipatia deles. Na
votação no Conselho Superior do MPF, Fonteles, como presidente do
Colegiado, chegou a votar duas vezes para destruir a carreira do
procurador, mas desistiu, pressionado por conselheiros que apontavam a
flagrante violação à lei.
Os
sucessores, Antonio Fernando e Roberto Gurgel, são mais ousados do que
Fonteles. Eles não recuam. Em agosto de 2004, Fonteles queria promover a
subprocurador-geral da República, Eugênio Aragão, procurador que
passara os últimos anos no exterior cursando doutorado. Pelas regras da
promoção por merecimento, as chances do referido procurador seriam
ínfimas, pois os procuradores concorrentes permaneceram na batente do
serviço, enquanto que o preferido de Fonteles estudava na Alemanha.
Fonteles
colocou a promoção para votação às pressas porque, pouco tempo depois,
os tuiuiús ficariam em minoria no Conselho Superior, onde é realizada a
votação. Membros do Conselho que não faziam parte do grupo dos tuiuiús
promoveram questão de ordem, exigindo o cumprimento da lei.
Diante
da embaraçosa situação, Claudio Fonteles recuou, mas Antonio Fernando e
Roberto Gurgel não. Depois de muita discussão, uma conselheira, que não
fazia parte do grupo tuiuiú, pediu vista do processo. Tal pedido
acabava com a pretensão de promover Eugênio Aragão, pois quando o
processo voltasse a julgamento, os tuiuiús, que na época tinham seis
membros no Conselho (o colegiado tem 10 integrantes), estariam em
minoria, pois, logo em seguida, haveria (como de fato houve) renovação
na composição do Conselho e dois novos membros, não pertencentes ao
grupo tuiuiú, tomariam o lugar de dois tuiuiús.
Para
possibilitar o imediato “julgamento” do processo de promoção, Antonio
Fernando e Roberto Gurgel tiveram a “brilhante” ideia de submeter o
pedido de vista à votação. Isso mesmo. Violando flagrantemente o
regimento interno do Conselho, que permite vista em qualquer processo,
eles alegaram que em processo de promoção não é possível pedido de
vista. Realizada a votação, por seis votos (exatamente os seis tuiuiús) a
quadro, decidiram que não caberia pedido de vista em processo de
promoção. Um absurdo.
Negado
o pedido de vista, o processo foi posto em votação e o preferido de
Fonteles, Eugênio Aragão, restou promovido. O escandaloso fato ocorreu
na Sexta Sessão Ordinária de 2004, do Conselho Superior do MPF.
Em novembro de 2005, a imprensa noticiou que Eugênio Aragão
e o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica
Internacional (DRCI), órgão do Ministério da Justiça, na época, sob a
tutela de Márcio Thomaz Bastos, o mesmo que depois se tornou defensor do
Carlinhos Cachoeira, influenciaram autoridades americanas para não
fornecerem à PF documentos relativos à movimentação financeira de Duda
Mendonça no exterior, investigado no inquérito do Mensalão.
O
relatório que informava a atuação de Eugênio Aragão atrapalhando as
investigações da PF foi assinado por quatro delegados e dois peritos.
Instaurou-se o inquérito administrativo nº 1.00.001.000116/2006-87
contra Eugênio, mas a comissão concluiu que não havia provas para
puni-lo. O relator do inquérito no Conselho entendeu que havia provas,
mas ocorreu a prescrição.
Eugênio
Aragão atualmente é corregedor-geral do MPF. Ele, como todo tuiuiú,
ocupa poleiro alto na cúpula da Instituição e é bastante afinado com o
Governo. Ano passado, logo após assumir como corregedor, deixou
transparecer (exceção, pois os tuiuiús costumam disfarçar muito bem) o
afinamento com a situação. Por causa do movimento em prol de aumento de
salário, ele disse que juízes, policiais, membros do Ministério Público e
advogados públicos chantageiam o Estado. Vejamos trecho da entrevista
do referido tuiuiú:
“A
Polícia Federal e o Ministério Público, o Judiciário, os Auditores
Fiscais. As carreiras que hoje têm poder de pressão sobre o Estado e
sobre suas instituições são as que mais são valorizadas. Ou
seja, juízes, Polícia, Ministério Público, advogados públicos. Porque
eles têm um poder de chantagear os poderes públicos. E dizem: ou você
faz isso ou a gente vai criar uma tremenda encrenca.”
Eugênio
Aragão é um tuiuiú que não sabe disfarçar como os outros sabem. Assim,
pelo fato de ele não saber disfarçar, não foi reeleito para o Conselho
Superior do MPF. Coisa rara, pois é muito difícil um tuiuiú perder uma
eleição. Para se ter uma ideia, a Constituição Federal não prevê eleição
para escolha do procurador-geral da República. Todavia, os
“democráticos” tuiuiús inventaram uma eleição que escolhe três nomes
para “ajudar” o Presidente da República na nomeação do procurador-geral.
Até hoje, todos os que ficaram em primeiro lugar na lista de votação
foram nomeados procurador-geral. Um detalhe interessante é que só são
eleitos tuiuiús e o primeiro lugar da lista é sempre o procurador-geral
que está no cargo ou quem ele indique.
Embora
Eugênio Aragão tenha perdido a eleição para o Conselho no ano passado,
ficou pouco tempo sem cargo elevado na cúpula do MPF. Dois meses depois,
foi nomeado corregedor-geral. Os tuiuiús transformaram a cúpula do MPF
em propriedade particular. Quem não é tuiuiú ou simpatizante do grupo
não tem vez. Eles ocupam todas as funções da cúpula, bem como onde o MPF
tem representação como no Conselho Nacional do Ministério Público
(CNMP) e no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A audácia é tão grande
que até o filho do Antonio Fernando foi assessor de uma conselheira do
CNMP. Ou seja, o órgão Colegiado que tem a missão de combater o
nepotismo abrigava como assessor o filho do Presidente.
Aliás,
a exemplo do filho do Lula que parece ser um fenômeno nos negócios, o
filho de Antonio Fernando é um fenômeno no serviço público. Isso porque,
quando terminou o mandato do pai no CNMP, ele ocupou o cargo de
assessor no Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT) e quem o
nomeou foi o então procurador-geral, Leonardo Bandarra, que hoje está
afastado da função, acusado de corrupção. Mas o menino prodígio não
ficou por muito tempo no MPDFT, alçou voo e foi ser assessor na
Vice-Procuradoria-Geral Eleitoral, onde reina a tuiuiú Sandra Cureau,
vice-procuradora-geral Eleitoral. Se os tuiuiús continuarem no poder,
esse rapaz vai muito longe...
A
“briguinha” entre petistas e tuiuiús, que a imprensa tem divulgado
ultimamente, tudo indica, é só aparência. Na prática, a realidade é
outra. Citarei alguns episódios, entre muitos ocorridos, que evidenciam
essa hipótese. Vários procuradores da República pediram ao PGR, Roberto
Gurgel, que arguisse a suspeição do ministro Dias Toffoli. Apesar da
notoriedade da suspeição (e até mesmo do impedimento), Gurgel preferiu
não arguir “para não atrasar o julgamento”. Ora, o MPF, além de titular
da ação penal, é fiscal da lei. Assim, tem o dever de agir de acordo com
a ordem jurídica.
Com
efeito, o PGR jamais deveria silenciar diante de hipóteses indicativas
de parcialidade do julgador (suspeição e impedimento são hipóteses
legais que indicam parcialidade), mormente em caso tão importante. A
possibilidade de atraso no julgamento não justifica o descumprimento da
lei. Daí, como a norma prevê que determinadas situações importam em
comprometimento da imparcialidade do julgador, o fiscal da lei não pode
se omitir, ainda que sua atuação resulte em “atraso no julgamento”.
Atraso, aliás, que seria pequeno (no máximo alguns dias), insignificante
diante da dúvida eterna que pairará sobre a imparcialidade não aferida
pela Corte.
No
final da “sustentação oral” na Ação Penal do Mensalão, o PGR, Roberto
Gurgel, pediu a expedição de mandados de prisão, imediatamente após o
julgamento. Ora, Gurgel, assim como qualquer estudante de Direito, sabe
que a Constituição Federal alberga o princípio da presunção de
inocência, isso quer dizer que o condenado só pode ser preso, após o
trânsito em julgado da decisão condenatória. Apesar de o STF ser a
última instância do Judiciário, as suas decisões estão submetidas ao
mesmo princípio constitucional, ou seja, elas também devem passar pelo
crivo do trânsito em julgado para serem executadas.
Assim,
o trânsito em julgado não ocorre com o fim do julgamento, uma vez que
depende da publicação do acórdão e dá ausência de recurso (mesmo perante
o STF, é cabível recurso após qualquer julgamento). Dessa forma, caso
houvesse, de fato, interesse na prisão dos acusados, principalmente, a
de José Dirceu, Gurgel justificaria o pedido, fundamentando a pretensão
no artigo 312 do Código de Processo Penal (assegurar a aplicação da lei
penal). Assinalo que não seria difícil justificar essa hipótese.
Roberto
Gurgel tão somente pediu a emissão de mandado de prisão, sem sequer
apresentar justificativa alguma. Agiu como o seu antecessor (Antonio
Fernando), que fez de tudo para não pedir
a prisão de Marcos Valério, quando ele destruía provas. Depois, ao
ofertar a denúncia, sem justificativa alguma, pediu a prisão de todos os
acusados, sabedor de que jamais seria decretada, pois seria impossível
realizar a instrução processual com elevado número de acusados presos.
Sabia que o STF iria negar, como de fato negou. Ou seja, deixou de
cumprir a lei, pois deveria ter pedido a prisão de Valério no momento
oportuno e ainda jogou para a galera, requerendo decreto prisional em
momento inoportuno, deixando a impressão de que ele fez a sua parte, mas
o STF não quis prender. É muita...
São
incontáveis os casos que demonstram a extrema ousadia de os tuiuiús
“justificarem” suas extravagantes atitudes. Vou contar mais um caso que
ocorreu recentemente. Roberto Gurgel engavetou o Inquérito policial
042/2008 (Operação Vegas) por quase três anos. Instado pela CPMI a
justificar a omissão, ele respondeu, por escrito, invocando os
princípios da operação controlada (hipótese prevista
na Lei 9.034, art. 2o, inciso II, que permite o retardo da atuação
policial), ou seja, o engavetamento, na justificativa de Gurgel, não foi
omissão, mas sim “ação controlada”. Curioso é que somente ele e a sua
esposa, que é subprocuradora-geral da República e o auxilia nos casos
mais importantes, sabiam da “operação controlada”. O STF não sabia, a
Polícia Federal não sabia, os procuradores da República que atuam na
primeira instância e o juiz federal também não sabiam. Só o casal sabia
da “operação controlada”.
Incrível
é que Gurgel ainda teve a coragem de dizer que, graças à sua
“estratégia” (de engavetar o inquérito), o esquema criminoso de
Cachoeira foi desvendado. Veja-se o que ele disse no ofício encaminhado
ao presidente da CPMI, senador Vital do Rêgo: “Se
assim não tivesse agido a Procuradoria Geral da República, não se teria
desvendado o grande esquema criminoso protagonizado por Carlos
Cachoeira.” Ora,
a operação que resultou na prisão de Cachoeira ocorreu em outra
investigação (Operação Monte Carlo – inquérito policial 089/2011),
instaurada porque Gurgel engavetou a primeira investigação (Operação
Vegas – inquérito policial 042/2008). A título de informação, não
acredito que o engavetamento da investigação foi para favorecer o
ex-senador Demóstenes Torres. A intenção, com certeza, foi outra...
Peço
desculpas pela extensão do texto, mas o assunto é muito importante para
ser tratado em poucas linhas. Enfatizo que escrevi o mínimo, pois as
barbaridades praticadas pelos tuiuiús são inúmeras. Eles sabem
dissimular muito bem. Comportam-se como se fossem serenos, equilibrados,
justos. Na verdade, praticam verdadeiras atrocidades, seja perseguindo,
seja favorecendo. Eles são extremamente ousados, basta ver que Gurgel
engavetou a Operação Vegas por longo tempo e ainda teve a ousadia de
dizer que se tratava de “operação controlada” e, graças à sua
“estratégia”, o esquema de Cachoeira foi desvendado. O mesmo eles estão
fazendo com o Mensalão. Deixaram Lula fora da acusação e fizeram de tudo
para não produzir provas; porém, caso o STF condene mesmo sem provas,
eles cantarão vitória e dirão que a condenação ocorreu graças ao
trabalho deles. Contudo, se o STF mantiver a sua jurisprudência e
absolver, os tuiuiús dirão que a culpa é do Supremo que não pune.
Concluo
este artigo dizendo que não inventei nada (tenho prova de tudo que
afirmo), inclusive ofertei representação contra o ex-PGR Antonio
Fernando, pelo fato de ele não ter incluído Lula na denúncia, apesar da
abundância de provas contra o ex-Presidente da República. Os tuiuiús
arquivaram a minha representação sob pífios argumentos. Posteriormente,
em abril de 2011, representei ao PGR, Roberto Gurgel, contra o
ex-Presidente Lula. Curioso é que, em determinados casos, Gurgel age
rápido. Por exemplo, ele recebeu uma representação contra um procurador
que é odiado pelos tuiuiús. Imediatamente ele despachou, designando um
procurador para tomar as medidas criminais contra o procurador
perseguido.
No
caso da representação que fiz contra Lula, Gurgel engavetou por um ano e
dois meses. Depois de eu muito insistir sobre o andamento da
representação, ele me enviou ofício, informando que a arquivou porque os
fatos que imputo a Lula estão sendo apurados no inquérito 2.474, em
trâmite no STF. Esse inquérito, que tem pertinência com o esquema do
Mensalão, tramita no Supremo desde março de 2007.
0 comments:
Postar um comentário