Jornalista Andrade Junior

sexta-feira, 21 de março de 2025

Trump, a cultura woke e a guerra na Ucrânia

Gabriel Wilhelms 

Se Trump sempre foi visto com certa desconfiança pelos liberais brasileiros, dada sua predileção pelo protecionismo, fato é que sua vitória, se não recebida com total entusiasmo, foi entendida (e isso mesmo nos EUA) como uma resposta ao desgaste da esquerda democrata e da cultura woke. Ao “Como os americanos puderam eleger novamente esse sujeito?”, podemos responder que, se eles preferiram novamente uma figura tão pitoresca e controversa, é porque entenderam que a alternativa era muito pior, o que tanto é uma fonte de embaraço à esquerda americana quanto uma oportunidade para reflexão.

A despeito dos defeitos do presidente americano (e são muitos), o confronto aberto de Trump contra as políticas woke foi recebido, com razão, com bons olhos por quem já está farto da penetração institucional e autoritária de pautas que não encontram respaldo na ciência, nos fatos e são verdadeiramente rejeitadas pela maioria da população. De forma ainda mais particular, no caso do Brasil, temos muito que comemorar a inflexão do silenciamento às plataformas na era Biden, as críticas proferidas pelo governo americano à censura no Brasil e o posicionamento de congressistas americanos, nesse mesmo sentido, inclusive por meio do Comitê Jurídico da Câmara dos Estados Unidos, apesar do choro que temos visto por aqui de que isso supostamente atentaria contra nossa “soberania”.

Mesmo eu, que sempre vi Trump como uma figura detestável, não posso negar que tanto o combate à cultura woke quanto as críticas à censura no Brasil são muito oportunas. O que não podemos fazer, no entanto, é nos tornar cegos e, por causa daquilo que é oportuno, corromper nossos princípios. O teatro armado por Donald Trump e seu vice J.D. Vance na reunião com o presidente da Ucrânia Volodymyr Zelensky na reunião ocorrida na Casa Branca no dia 28 passado foi, provavelmente, a coisa mais baixa publicamente já protagonizada por um presidente americano. A cena hedionda, longe de episódio isolado ou mero produto de ânimos exaltados, está em linha com a posição claramente pró-Putin de Trump.

No cúmulo da inversão de valores, Trump e seus asseclas têm culpado a Ucrânia pela guerra, como se Zelensky tivesse invadido a Rússia e não o contrário. Não há complexidade geopolítica alguma aqui. Hoje, três anos após o início do conflito, continua sendo tão fácil saber qual é a única posição decente quanto quando ocorreu a invasão. A Ucrânia foi invadida pela Rússia, sem qualquer provocação, salvo manifestar seu desejo de Estado soberano de ingressar na OTAN. O “acordo” que Trump tenta impor a Zelensky é o sonho dourado do Kremlin: redenção com perda de território, sem qualquer garantia, fora a palavra de Putin, de que a Rússia não tornará a invadir a Ucrânia. Ora, basta que recordemos a anexação da Crimeia em 2014 para estarmos certos de que qualquer acordo, sem garantias concretas, não impedirá invasões futuras. Queremos viver em um mundo em que invasões a países soberanos e anexações territoriais são aceitas como normais? Nada pode normalizar mais isso do que essa guinada de posição dos EUA, dentre todos os países. Como disse de forma correta um editorial do Estadão sobre a questão, ao menos no momento, “não se pode mais contar com os EUA para defender o mundo livre”. De forma ainda mais assertiva, em artigo para O Antagonista, Catarina Rochamonte afirma que Trump traiu o Ocidente e que os EUA “não representam mais o mundo livre”. Só posso concordar. O custo da ajuda à Ucrânia, que tanto indignou Trump, é parte do preço para que os americanos reputem, tão orgulhosamente, seu país como “líder do mundo livre”. Claramente, essa já não é uma liderança cobiçada, ao menos enquanto Trump tiver as rédeas do governo.

Não me dirijo àquela parcela da direita reacionária, que já namora Putin de outros carnavais, aos boçais que se dizem defensores dos “valores ocidentais”, mas abraçam o autocrata russo e repetem suas narrativas sem pestanejar, pois estes são infensos à coerência. O que é vergonhoso é que pessoas que até ontem — dentre os quais ditos liberais — saíam em defesa da Ucrânia passem a reverberar a indefensável postura trumpista, que, repito, é claramente pró-Putin. Tanto pior, para não dizer patético e infantil, se fazem isso por afiliação ideológica: “Trump é de direita, a esquerda não gosta dele, eu sou de direita, não gosto da esquerda, então vou dizer amém para tudo o que ele diga ou faça”. Tampouco são o combate à cultura woke ou à censura no Brasil que vão justificar aceitarmos jogar o jogo do ditador russo, o principal inimigo do Ocidente, apenas para que ele possa “tirar uma folga” e, potencialmente, planejar futuras invasões e agressões à ordem internacional. Se a liberdade de expressão é um valor caro às democracias liberais ocidentais, se as políticas woke atentam contra o próprio fundamento de igualdade inata do Estado de Direito, se a militância identitária é corretamente criticada por atacar o progresso e as liberdades de que gozam em países ocidentais, ao passo que chegam mesmo a ignorar coisas como a total exclusão social das mulheres sob o regime talibã, o combate a isso não pode passar, em nenhum momento, por um alinhamento com quem, a seu modo, também atenta contra a liberdade, tão cara ao Ocidente.

Fontes:

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/comite-da-camara-dos-eua-aprova-projeto-que-pode-barrar-moraes-no-pais/

https://www.poder360.com.br/poder-videos/assista-ao-video-da-discussao-de-trump-e-zelensky-na-casa-braca/

https://www.estadao.com.br/opiniao/os-eua-contra-o-mundo-livre/

https://oantagonista.com.br/analise/trump-trai-o-ocidente-eua-nao-representam-mais-o-mundo-livre/


































PUBLICADAEMhttps://www.institutoliberal.org.br/blog/politica/trump-a-cultura-woke-e-a-guerra-na-ucrania/


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