por Rodrigo Constantino
Estão brincando com fogo. Esticaram demais a corda. Aqueles que acusam os bolsonaristas de ameaça à democracia são os primeiros a esgarçar o tecido institucional
O ministro Paulo Guedes concedeu uma entrevista recentemente em que revelou uma trama golpista contra o presidente Bolsonaro. Já era conhecida uma ligação que o governador de São Paulo, João Doria, teria feito ao ministro recomendando que ele saísse do governo para salvar sua biografia.
Mas Guedes acrescentou informações novas e gravíssimas.
“Houve, sim, um movimento para desestabilizar o governo. Não é mais ou menos, não. Tinha cronograma. Em 60 dias iriam fazer o impeachment. Tinha gente da Justiça, tinha o Rodrigo Maia, tinha governadores envolvidos.”
“Conseguimos desmontar o conflito ouvindo cada um deles. O ministro Gilmar Mendes, por exemplo, sugeriu que o governo deveria dar um sinal, caso estivesse realmente interessado em pacificar as relações. A demissão do Weintraub foi uma sinalização”, afirmou o ministro.
Isso é da maior importância.
O ex-ministro Abraham Weintraub, como ficou claro naquela fatídica reunião ministerial que veio a público por decisão do então ministro Celso de Mello, havia chamado os ministros do STF de “vagabundos” e desejava enfrentá-los.
A “pacificação”, pelo visto, ocorreu com a corda arrebentando do lado mais fraco.
Weintraub foi demitido, recebeu como prêmio de consolação um cargo no Banco Mundial e saiu do país.
Isso não é “pacificação”, mas uma clara derrota do núcleo “ideológico” do governo, ou seja, aquele sem disposição para contemporizar com golpistas.
Tanto se falava de ameaça à democracia vindo de Bolsonaro, e acabou que a trama era fomentada por outro grupo, um que envolve governador tucano, deputados democratas e até ministros do Supremo, que abrem inquéritos ilegais para perseguir críticos e mandam prender jornalistas sem indício de crime tipificado no Código Penal.
De guardião da Constituição, o STF virou seu maior algoz, e por pouco não aprova outro golpe escancarado: o direito de reeleição de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre para a Câmara e o Senado, respectivamente.
Foram cinco votos a favor da aberta inconstitucionalidade, e nos bastidores se diz que houve “traição” de alguns ministros após enorme repercussão negativa da tramoia em curso.
Maia passou, então, a subir bastante o tom tanto contra Guedes como contra Bolsonaro, sempre com o apoio velado da mídia, que o trata como uma espécie de estadista, não como o 'botafogo' das planilhas de propina da Odebrecht.
Após as revelações gravíssimas feitas por Guedes, houve um ensurdecedor silêncio dos órgãos de imprensa em geral. Não deram muita trela.
Repercutiram um pouco e bola para a frente, vida que segue, próxima pauta.
Foi como se o ministro não tivesse exposto uma conspiração contra o povo, contra quase 60 milhões de eleitores que deram a vitória a Bolsonaro.
As perguntas vêm imediatamente à mente: vão todos fingir que o ministro não disse que tentaram um golpe contra Bolsonaro, incluindo o STF? Até o próprio presidente vai se calar? O sistema já o engoliu a esse ponto? São todos reféns dos conspiradores do establishment?
É a velha tática leninista: acusar o adversário daquilo que você mesmo faz
É
Martin Luther King, o grande ativista dos direitos civis, dizia que não era o grito dos maus que o preocupava, mas sim o silêncio dos bons.
Edmund Burke, muito antes, fazia alerta similar ao constatar que, para o triunfo do mal, tudo que é necessário é que os homens de bem nada façam. Essa normalização do absurdo é que realmente assusta.
Perder a capacidade de se espantar e se indignar é tudo o que os autoritários mais desejam na vida. Tem-se, assim, um povo de cordeiros dóceis, prontos para a submissão plena.
Entre cordeiros e lobos, só resta a esperança de pastores para proteger uns dos outros. Se eles se calam, já era.
Essa pandemia expôs os que realmente demonstram ambição desmedida pelo poder. Governadores e prefeitos resolveram tomar decisões arbitrárias, inconstitucionais e abusivas, sempre em nome da ciência e do interesse coletivo.
O Supremo resolveu que a vacina pode ser obrigatória, com sanções e restrições aos que se recusarem a ser cobaias num processo abreviado sem o devido conhecimento dos riscos envolvidos. A cada nova rodada de abuso arbitrário, mais gente percebe o que está em jogo: nossa própria liberdade.
Mas muitos já sucumbiram, ou por décadas de doutrinação ideológica que nos ensina a aceitar o paternalismo estatal calados, ou por descrença na possibilidade de reação.
Mas Búzios mostrou que há um limite. O balneário no Rio de Janeiro viu com espanto uma decisão “científica” de um juiz determinando que pousadas e hotéis fossem fechados e os turistas saíssem da cidade em até 72 horas.
Seria o caos para um lugar que vive do turismo. O povo local se revoltou, saiu às ruas para protestar, lutar por seus direitos, e conseguiu reverter a decisão.
Enquanto isso acontecia, a hashtag #UcranizaBrasil foi para o topo de tendência do Twitter. Trata-se de uma referência ao episódio ocorrido na Ucrânia quando o povo tomou as ruas para defender sua soberania nacional.
O documentário Winter on Fire, da Netflix, retrata de forma emocionante o que se passou ali.
Estão brincando com fogo. Esticaram demais a corda. Aqueles que acusam os bolsonaristas de ameaça à democracia são os primeiros a esgarçar o tecido institucional. Os mesmos que repetem que o presidente só pensa em reeleição não param de pensar em 2022.
Quem reclama da politização da pandemia tende a ser aquele que mais politizou tudo desde o começo, transformando a vacina chinesa em peça de propaganda e marketing pessoal.
É a velha tática leninista: acusar o adversário daquilo que você mesmo faz.
No mesmo dia em que Paulo Guedes jogou no ventilador a articulação golpista de tucanos, democratas e ministros do STF, o deputado Kim Kataguiri, do DEM, subiu no púlpito do Congresso para acusar o presidente de “vagabundo, quadrilheiro e corrupto”.
Seria cortina de fumaça? Não, deve ser só coincidência, claro…
É época de Natal, e eu lamento pelo tom desta coluna. Adoraria focar coisas mais elevadas, mas o risco que corremos não é trivial.
Cristo precisou morrer na cruz para renascer como salvação para a humanidade.
“No pain, no gain”, dizem os norte-americanos.
Nada que é valioso nesta vida costuma vir fácil, de mão beijada.
Se o povo brasileiro realmente deseja ser livre e viver numa democracia, então terá de fazer por onde. A paralisação diante do abuso é um convite a mais medidas ousadas e inconstitucionais. Reagir é preciso. Resistir é necessário.
Caso contrário, a realidade argentina está aí para nos mostrar o passo intermediário antes do destino final: a Venezuela.
Revista Oeste
PUBLICADAEMhttp://rota2014.blogspot.com/2020/12/normalizaram-o-absurdo-por-rodrigo.html
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