observa J.R. Guzzo
"Conduta editorial"
A liberdade de imprensa, como se sabe, não significa apenas que os veículos de comunicação e os jornalistas têm o direito de publicar tudo aquilo que querem — respondendo, naturalmente, pelas consequências do que disseram. Tão importante quanto isso para a liberdade de imprensa é o direito de não se publicar nada daquilo que não se quer. Ninguém pode ser legalmente forçado a ficar em silêncio. Ninguém, da mesma forma, tem a obrigação de falar seja lá o que for.
O começo, o meio e o fim dessa história toda se resume numa noção bastante simples: um órgão de imprensa não vive nem morre em função do que publica ou deixa de publicar, e sim em função da confiança que os leitores têm ou não têm nele. Aí não há Constituição, código de princípios editoriais ou operação de marketing que resolva: ou o público confia ou vai embora sem dizer nada, e, em geral, não volta nunca mais.
Uma das atividades mais antipáticas que se pode exercer neste ofício é a de fiscal de conteúdo. Você sabe o que é isso: a atitude de dizer, o tempo todo, que o veículo tal fez isso ou aquilo de errado, que deveria fazer assim e não deveria ter feito assado etc. Como dito acima, quem resolve essas coisas é o público que paga por elas.
O quanto um veículo de comunicação deve engajar o seu conteúdo nesta ou naquela linha de conduta editorial, ou política, portanto, é problema privativo de cada um. Neste momento, por exemplo, um dos traços mais comuns entre a maioria deles é a ausência de informações que, de maneira direta ou indireta, possam criar dúvidas sobre a necessidade de combater a qualquer custo a epidemia da covid-19. Essa ou aquela notícia pode ser interpretada como uma objeção ao “distanciamento social”, à luta global contra o vírus ou à ação das autoridades legais na gestão da doença? Então não vai ser publicada.
É assim que não se lê nada — ou quase nada, o que acaba dando na mesma — sobre as denúncias internacionais de fraude maciça no combate à covid que envolvem a Organização Mundial de Saúde. Não se menciona que a vacina chinesa a ser distribuída pelo governo do Estado de São Paulo (e paga diretamente com o dinheiro dos seus impostos) não fora autorizada até há pouco por nenhuma agência reguladora de medicamentos do mundo — nenhuma que possa realmente ser levada a sério. Não se publicam, a não ser como coisinhas sem importância, os episódios de corrupção em modo extremo ocorridos nas despesas públicas feitas para lidar com a epidemia. Não se publicam as raras sentenças judiciais contra atos ilegais cometidos pelas autoridades; na verdade, não se publica nada que possa pôr em dúvida a legalidade de qualquer coisa feita pelos “governos locais” — da Lei Seca ao número de pessoas que podem estar presentes na sua casa na ceia de Natal.
Os comunicadores, na verdade, estão viajando num bonde mais ou menos mundial — destinado, em geral, às classes médias altas, à população intelectual-cultural-artística e aos políticos dessa vasta sopa que vai da meia-esquerda em diante, e faz meia-volta na direção dos políticos que neste momento querem parecer “de esquerda”. A covid passou a ser a carteirinha de identificação mais utilizada para as pessoas deixarem evidentes as suas posições políticas e aquilo que supõem ser o seu equipamento ideológico. Usar máscara em público no decorrer de uma reportagem, por exemplo, tornou-se uma espécie de manifesto pessoal: “Uso máscara; logo existo como militante contra o fascismo”.
A imprensa tem o direito de impor a si própria os deveres que entende adequados à sua função. Junto com isso, tem o ônus de responder por suas decisões perante o público.
Publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo em 27 de dezembro de 2020
Revista Oeste
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