por Augusto Nunes
Com a voz embargada, quatro lágrimas aguardando a hora de entrar em cena nos dois cantos de cada olho, Angela Merkel bordou o argumento que guardava para provar por A mais B que nenhum alemão deveria driblar os rigores da quarentena de fim de ano.
“Se tivermos muitos contatos até a chegada do Natal e esse acabar sendo o último Natal com os nossos avós, então teremos feito algo de errado”, avisou a chanceler no pronunciamento de 9 de dezembro.
Os partidários do isolamento horizontal por um lockdown se uniram no orgasmo coletivo.
Se até a mulher de ferro que conduz a nação desde novembro de 2005 se emocionara com a impossibilidade de lutar contra um vírus chinês, só mesmo os negacionistas, os terraplanistas e os fascistas em geral poderiam insistir no genocídio dos velhinhos da família, concordaram os loucos por um lockdown.
Quem tem a cabeça no lugar entendeu que Angela Merkel apenas confirmou a abrangência da epidemia de mediocridade que escancarou o deserto de estadistas de dimensões planetárias.
Responsabilizar os netos pela morte dos avós, sabendo-se que são insignificantes as taxas de contaminação e transmissão da Covid 19 entre crianças e adolescentes, é coisa de porta-voz de necrotério.
Chefes de Estado que recorrem a fórmulas que não funcionaram antes por acreditarem que podem dar certo agora, caso da quarentena para todos, são primos em primeiro grau dos napoleões de hospício.
Confronte-se uma Merkel com um Winston Churchill ou um Franklin Roosevelt e se verá o abismo que separa os gigantes que derrotaram a Alemanha nazista dos pigmeus apavorados com a pandemia.
Estes acham que é possível chegar à vitória de recuo em recuo.
Aqueles sabiam que nenhum país ganha uma guerra com sucessivas retiradas.
Em 13 de maio de 1940, três dias depois de nomeado, Churchill resumiu numa frase o que os ingleses poderiam esperar do novo chefe de governo: “Não tenho nada a oferecer senão sangue, trabalho, lágrimas e suor”, disse já no primeiro pronunciamento.
Em 5 de junho, menos de um mês depois da posse, revelou num soberbo discurso no Parlamento o que deveriam esperar da Inglaterra os comandantes do colosso militar alemão: “We shall never surrender” (“Nós nunca nos renderemos”).
Hitler achou que era bravata. Cinco anos mais tarde, o líder nazista estava morto e a Alemanha em escombros.
Deveria ter ouvido a advertência explicitada no monumento à retórica: “Nós lutaremos na França, nós lutaremos nos mares e oceanos, nós lutaremos com confiança crescente nos céus, nós defenderemos a nossa ilha seja qual for o custo.
Nós lutaremos nas praias, nós nunca nos renderemos”, avisara o gênio da oratória.
Passados 80 anos, há um apalermado Boris Johnson no posto que foi ocupado pelo maior estadista de todos os tempos.
Neste 2 de dezembro, por exemplo, ao anunciar o começo da vacinação em território britânico, Johnson até que foi bem no trecho inicial.
“O Reino Unido foi o primeiro país do mundo a garantir 40 milhões de doses da vacina da Pfizer”, elogiou-se.
O escorregão ocorreu quando enumerava os “enormes problemas logísticos” que o desafiavam.
“O vírus precisa ficar armazenado a menos de 70 graus”, exemplificou.
Ao confundir a Covid 19 com o seu causador e trocar a cura pelo disseminador da doença, virou piada nas redes sociais.
Quem precisa dessa temperatura é a vacina, claro.
No caso do vírus, basta um Boris Johnson no governo de um país.
Diante da oscilação para cima das curvas desenhadas pelo número de casos confirmados e de óbitos, o assustadiço Johnson decretou mais um lockdown.
Churchill certamente teria intensificado a vacinação.
O homem que resistiu a Hitler não foi o único dos vencedores da Segunda Guerra Mundial a enriquecer o acervo das preciosidades retóricas.
Horas depois do ataque aéreo a Pearl Harbor, ilha do Pacífico que abrigava uma grande base militar norte-americana, o presidente Franklin Roosevelt assim começou seu discurso no Congresso: “Ontem, dia 7 de Dezembro de 1941 — uma data que há de marcar para sempre a história da infâmia —, os Estados Unidos foram súbita e deliberadamente atacados por forças navais e aéreas do Império Japonês”.
O traiçoeiro bombardeio foi eternizado no calendário da História como o Dia da Infâmia.
E a entrada ostensiva dos EUA na guerra até então travada solitariamente pela Inglaterra selou o destino da Alemanha, da Itália fascista e do Japão fanatizado.
A propósito: algum leitor enxergou algum gesto ou frase aproveitáveis ao longo deste estranho 2021?
No lugar do “sangue, trabalho, lágrimas e suor” prometidos por Churchill, ouviu-se a sequência de mantras recitados por João Doria: “Fique em casa”, “Use máscaras” e, de novo, “Fique em casa”.
Encerrada uma grande batalha, Churchill costumava embarcar rumo ao local do conflito para animar a tropa.
Cansado de guerra, Doria suspendeu o duelo contra esquadrilhas formadas por vírus chineses, chamou o piloto do jatinho e foi rever a vida sem quarentena em Miami.
Resgatou-o do inclemente bombardeio na internet a oportuna contaminação do vice Rodrigo Garcia.
O furo desta revista Oeste, primeira a noticiar uma das mais desastradas viagens registradas desde o Dia da Criação, não aconteceria se o governador paulista tivesse mais intimidade com pedagógicos episódios da Segunda Guerra Mundial.
Em 6 de junho de 1944, por exemplo, o marechal Erwin Rommel estava de folga na Alemanha, para comemorar o aniversário da mulher, quando soube que tropas inimigas haviam cruzado o Canal da Mancha e desembarcado na França. Péssima notícia para o militar encarregado de bloquear no litoral francês a invasão da Europa pelos Aliados.
A Raposa do Deserto, superlativo com que fora condecorado depois das vitórias nas areias da África, entendeu que naufragara nas areias das praias da Normandia.
E descobriu tarde demais que um comandante não pode abandonar o front.
Mesmo a pedido da mulher, não pode interromper missões para cumprir deveres domésticos.
Mesmo que se sinta exausto, um estadista não tem direito a férias.
Revista Oeste
PUBLIADAEMhttp://rota2014.blogspot.com/2020/12/o-sumico-dos-estadistas-por-augusto.html
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