por Merval Pereira O Globo
A proposta de emenda constitucional (PEC) que institui o
semipresidencialismo no Brasil tem uma novidade fundamental para a
política brasileira: o artigo 82 que prevê que o mandato presidencial
será de quatro anos determina que (...) “Ninguém poderá exercer mais do
que dois mandatos presidenciais, consecutivos ou não”. Quer dizer que um
presidente da República reeleito não poderá nunca mais se candidatar ao
mesmo cargo. Ou que um presidente que não se reeleja poderá disputar
mais uma vez o mandato, mas, eleito, não poderá tentar a reeleição.
Lula é o único ex-presidente até o momento que tenta voltar ao poder, e
se esse projeto de semipresidencialismo for aprovado no ano que vem,
mesmo que não valha para as eleições presidenciais de 2018, impedirá
que, eleito, tente a reeleição quatro anos depois. É claro que um
presidente eleito terá condições de aprovar na Câmara uma mudança dessa
regra, mas a intenção da ressalva é óbvia.
O cientista político Octávio Amorim Neto, professor Associado da
EBAPE/FGV-Rio, que estuda esse sistema de governo há 20 anos,
especialmente o utilizado em Portugal, onde atualmente é Investigador
Visitante do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, na
análise que fez da PEC a meu pedido, não entra nesse mérito político,
mas considera correto proibir que alguém exerça mais de dois mandatos
presidenciais, “justamente para evitar o triste espetáculo que se
observa na América Latina, com ex-presidentes que se recusam a se
aposentar e impedem a renovação política”.
Octavio Amorim Neto sugere ainda que cinco anos seria uma duração de
mandato mais adequada, sobretudo porque descasaria a eleição do
Presidente das eleições parlamentares. “O descasamento seria importante
para que o eleitorado pudesse se concentrar em cada tipo de eleição,
permitindo que os cidadãos se informassem bem sobre o novo e crucial
papel que o Parlamento passará a ter sob o regime semipresidencial, já
que a investidura e a sobrevivência dos governos dependerão da confiança
dos legisladores”, pondera.
Na sua avaliação, “eleições solteiras para Presidente ofereceriam uma
oportunidade para que os eleitores escolhessem um chefe de Estado com
inclinações políticas distintas das da maioria parlamentar. As
diferenças políticas entre o Chefe de Estado e a maioria parlamentar
ativariam o papel de poder moderador a ser exercido pelo Presidente”. O
único senão seria que eleições descasadas estimulam mais ainda a
fragmentação partidária.
Octavio Amorim Neto discorda ainda do artigo 86-D, que trata do
impeachment do Primeiro-Ministro. “Isso é desnecessário porque há o voto
de desconfiança. Qual é sentido de se realizar um lento processo de
impeachment se há o mecanismo da moção de censura?”, pergunta ele, para
quem uma das vantagens do semipresidencialismo é justamente evitar
momentos de incerteza política na substituição do governo.
O quarto parágrafo do artigo 86 da PEC determina que “a moção de censura
deverá ser acompanhada de proposta de formação de governo, e se realiza
mediante a eleição de um novo Primeiro-Ministro, cujo nome é então
encaminhado ao Presidente da República”, regra ele considera
“corretíssima”, mecanismo conhecido como “voto de desconfiança
construtivo”, que já estava presente na Proposta da Frente
Parlamentarista Ulysses Guimarães, objeto do plebiscito de abril de
1993.
O voto de desconfiança construtivo, inspirado na Constituição alemã de
1949, tem como objetivo impedir a formação de irresponsáveis coalizões
de veto, preocupadas apenas em derrubar o governo, e não em construir
alternativas governativas viáveis. “Tal regra é absolutamente
fundamental em parlamentos fragmentados e polarizados, como o Brasil tem
tido e que são o ambiente perfeito para a constituição de coalizões de
veto”, lembra o cientista político da FGV-Rio.
O Artigo 84 estabelece que o Presidente da República tem o poder de
dissolver a Câmara dos Deputados “[...] na hipótese de grave crise
política e institucional, ouvido o Conselho da República [...]”, mas
determina que o poder de dissolução do Presidente não pode ser exercido
no primeiro ano do mandato da Câmara. Octavio Amorim Neto considera essa
cláusula “muito restritiva”, e deveria abranger apenas os primeiros
seis meses.
Em compensação, ele sugere que se poderia estipular também que o poder
de dissolução não pudesse ser exercido nos últimos seis meses do mandato
do Presidente, tal qual em Portugal. Para Octávio Amorim Neto, “essa é
uma regra sábia, pois impede que o Chefe de Estado tome uma decisão de
monta quando já não tem mais fortes incentivos para pensar detidamente
nas consequências de longo prazo dos seus atos”.
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