J.R. Guzzo: Publicado na Revista Exame
O Brasil continua fazendo todos os esforços possíveis para permanecer na sua atual condição de país “não funcional”, como se diz ─ ou seja, incapaz de executar as funções que seus cidadãos têm o direito de esperar que execute. Pela maneira como está montada a máquina pública brasileira, e pelo esforço extraordinário que grupos organizados fazem para impedir qualquer reforma séria em sua estrutura, o Brasil perdeu a capacidade de operar. É como um carro montado em desacordo com o manual do usuário: faltam peças, umas peças estão no lugar de outras, há peças que estão quebradas, há peças que não têm função, e assim por diante. O resultado é esse amontoado de anomalias que estão aí desde a metade do primeiro mandato de Dilma Rousseff, ou mesmo antes, quando o país entrou na situação de anarquia econômica, administrativa e mental da qual não saiu até hoje. Sobrevive-se, hoje, unicamente pelo esforço individual e coletivo das pessoas que saem todos os dias para trabalhar e manter em funcionamento os mecanismos fundamentais da vida em sociedade. O resto é a desordem jurídica, a ausência de autoridade do governo e a insegurança quanto às questões mais elementares. Por exemplo: se há ou não há um presidente da República e, caso não haja mais, quem irá para seu lugar? Como, quando, por que e por quanto tempo? Tudo está sendo feito, com grande empenho, para as coisas continuarem anormais; fica garantido, com isso, que não possam funcionar.
A última calamidade colocada à venda nesse bazar é o julgamento, por parte do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ─ uma aberração mal-intencionada que se apresenta como “o tribunal da democracia”, mas que não existe em nenhuma democracia do mundo ─, da legalidade ou ilegalidade da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer, que venceu as eleições de 2014. O que temos, na realidade, é o seguinte: uma decisão que vem praticamente três anos depois da eleição, a pouco mais de um ano do fim do mandato em andamento, para punir uma presidente que já foi deposta por impeachment, cassar o mandato do presidente atual que ficou em seu lugar e fazer uma eleição no Congresso para escolher o substituto. Para um observador neutro da cena brasileira, e com todo o respeito aos envolvidos, parece uma perfeita estupidez. Faz algum sentido um negócio desses? Resolve um, pelo menos um, dos problemas que o Brasil tem hoje? Ajuda alguém? Melhora alguma coisa? Um novo governo que venha a substituir o atual será melhor do que esse aí, do ex-vice Michel Temer? A oposição, que quer acabar com Temer, vai ter de torcer por uma decisão que condena Dilma, antes do próprio Temer, por conduta desonesta na campanha eleitoral? A situação vai ter de torcer para que o julgamento estabeleça a inocência de Dilma quanto ao uso de dinheiro sujo para se eleger? É onde viemos parar.
Não há como esperar, num país em que os responsáveis pelas decisões armam deformidades desse tipo, mais investimento, produção, avanço tecnológico ou competitividade. O poder público, em todas as suas esferas, mostra-se incapaz de gerar um nível razoável de previsibilidade para os negócios ou para o planejamento das pessoas. Não permite que se estabeleça mais confiança na autoridade ou na eficácia da máquina pública. Não é prático, não tem coragem e não dá resultado ─ e qualquer tentativa de corrigir alguma coisa é bombardeada selvagemente pelos interessados em manter as coisas como estão, sem que os defensores das mudanças mostrem forças, organização ou inteligência para levar adiante suas propostas. Reação econômica, assim, fica inviável. O Brasil está com 13 milhões de desempregados, uma perspectiva de crescer pouco mais do que zero neste ano e com a infraestrutura em ruínas. Enquanto isso, um ministro desse TSE faz um relatório de 1086 páginas sobre as eleições de 2014 que não será lido nem sequer por seus colegas de Tribunal ─ e muito menos por qualquer pessoa em estado de sanidade mental. É a grande questão nacional do momento.
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