#vamosmudarbrasilia
Depois de percorrer 1 600 quilômetros em 23 horas, faltavam apenas 200
metros para cruzar a fronteira entre Porto Quijarro, na Bolívia, e
Corumbá, em Mato Grosso do Sul, quando acabou a gasolina do carro que
trazia o senador Roger Pinto Molina e o diplomata brasileiro Eduardo
Saboia. O plano emergencial já havia sido traçado. Caso algum policial
os parasse, Saboia, o motorista e os fuzileiros navais que os
acompanhavam desceriam pelo lado direito do veículo e armariam um
escândalo. Molina sairia pelo lado esquerdo e atravessaria a divisa a
pé. Não foi necessário. Após o abastecimento, o carro cruzou a fronteira
diante de um policial que, entretido com um sanduíche, não fez a
revista de praxe. Esse foi apenas o desfecho de uma operação cheia de
riscos, como atravessar a província de Chapare, reduto eleitoral do
presidente Evo Morales, denunciado por Molina por envolvimento com o
narcotráfico. Durante todo esse tempo, funcionários da embaixada
brasileira em La Paz simulavam a presença do senador no cubículo que
habitou por 454 dias, asilado depois de receber constantes ameaças. Como
todos os movimentos do parlamentar eram monitorados, foi preciso manter
on-line seu perfil no Facebook, acender e apagar as luzes, o aparelho
de som e a TV, além de responder a mensagens no celular pessoal. ...
A viagem de Corumbá para Brasília seguiu mais tranquila. O senador
Ricardo Ferraço (PMDB-ES), presidente da Comissão de Relações Exteriores
e Defesa Nacional do Senado, fretou um jato para trazer o refugiado até
a capital. Após um primeiro momento atribulado sob os holofotes da
imprensa, vivendo na casa de seu advogado Fernando Tibúrcio, no Lago
Norte, Molina conseguiu visto provisório de refugiado e luta pelo asilo
político definitivo. Enquanto isso, circula livremente pela cidade. No
último dia 23, por exemplo, camuflou-se entre torcedores e assistiu à
partida entre Brasil e Camarões, no Estádio Mané Garrincha. VEJA
BRASÍLIA falou com amigos próximos e com o advogado do senador, que
revelaram os hábitos do político boliviano por aqui. Sua maior
dificuldade atual é manter-se em uma cidade com um dos custos de vida
mais altos do país. Como renunciou ao seu salário de parlamentar, ele
não teve condições de alugar um espaço. Hoje, vive de favor no
apartamento funcional do senador Sergio Petecão (PSD-AC), com outros
três jovens, filho e sobrinhas do amigo que o acolheu. “Ele dorme no
quarto de empregada. Acho bom, ele me ajuda a cuidar dos meninos na
minha ausência”, diz Petecão, que, não raro, abriga no imóvel
concurseiros ou pacientes do hospital Sarah Kubitschek de passagem por
aqui.
Quem anda com o Molina já o viu ser reconhecido na cidade. “As pessoas
são acolhedoras, dizem que estão com ele”, conta Fernando Tibúrcio, que
assumiu a causa pro bono (sem cobrar honorários). Quando paga do próprio
bolso, o senador frequenta restaurantes na Vila Planalto, o Xique-Xique
e o Bar da Codorna. Se é convidado, costuma sugerir o Rubaiyat, o Fogo
de Chão e as casas localizadas no Pontão do Lago Sul. Batista, aos
domingos frequenta os cultos da igreja Sara Nossa Terra e tem o bispo
Rodovalho entre seus amigos. Para andar de bicicleta, fazer caminhadas e
apreciar a beleza das brasilienses, um dos destinos preferidos é o
Parque da Cidade. O banco embaixo do bloco serve como um recanto para a
leitura de jornais e livros de política. Nesse momento, ele estuda para
ser piloto profissional de helicóptero e está matriculado em um cursinho
de português.
A Brasília que Molina vive intensamente, porém, é a capital da política
e do poder. Ele frequenta muito o Congresso Nacional, onde conscientiza
os colegas brasileiros das questões bolivianas, como a responsabilidade
do nosso país no crescimento do narcotráfico em sua terra natal. Nos
seus discursos, costuma lembrar que 90% da cocaína consumida no Brasil
vem da Bolívia e que as fronteiras não são devidamente policiadas.
Enquanto alguns enxergam nele uma pedra no sapato, há quem se
identifique com a sua bandeira. Segundo seu advogado, Molina recebe
ajuda de representantes de diversos partidos que se penalizaram com sua
causa. Há, inclusive, diplomatas do Itamaraty entre os aliados. “Para ir
ao Acre visitar a família, que se transferiu para lá, amigos cedem
milhas aéreas”, diz Tibúrcio. A distância dos parentes é, sem dúvida, o
aspecto mais sofrido de viver em Brasília. O político já vendeu
terrenos, gado, carros e aluga o apartamento que possui em La Paz. Nem
assim, consegue trazê-los para perto.
A presença do senador no Brasil, porém, pode estar com os dias
contados. Embora o caso ainda esteja por ser julgado, seu advogado acha
pouco provável que, com a reeleição da presidente Dilma Rousseff, seja
concedido o asilo político a Molina. Se a negativa vier, ele precisará
buscar refúgio em outro país. Antes, tem até o dia 14 de julho para
decidir se aceitará ou não o convite para concorrer à vice-presidência
da Bolívia na chapa da oposição. A vinda para a capital brasileira, no
entanto, ficará registrada nas telas. Detalhes da história de Molina
serão contados em Missão Bolívia, documentário de Dado Galvão que deve
estrear em breve.
Fonte: Por CLARA BECKER e MARIANA MOREIRA - revista Veja Brasilia
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