Jornalista Andrade Junior

terça-feira, 1 de abril de 2014

Estudo denuncia ilegalidades no leilão do pré-sal

Risco da exploração de petróleo das empresas foi transferido para o governo, afirma Consultoria da Câmara. Quanto menor a produtividade, mais as petrolíferas ganham. ANP nega ilegalidade, mas juiz federal recebeu semana passada ação sobre problemas mencionados. CPI pode ser aberta esta semana

por Eduardo Militão

Estudo da Consultoria Legislativa da Câmara acusa a Agência Nacional do Petróleo e demais organizadores do leilão de Libra, o maior campo do pré-sal descoberto no país, de agirem ilegalmente, em prejuízo dos cofres públicos e em benefício da empresas petrolíferas. Pelas regras, o governo assumirá os riscos do negócio ao ter sua rentabilidade reduzida a níveis abaixo dos permitidos pela lei, porque os ganhos foram condicionados à produtividade dos poços e à cotação do petróleo. Isso poderá baixar o índice de recursos para o Estado a até 9,93%. Para o autor do estudo, um ex-engenheiro da Petrobras e o deputado André Figueiredo (PDT-CE), um dos principais negociadores do projeto que aumentou o repasse dos royalties para a educação e a saúde, o percentual mínimo deveria ser de 60%. Uma ação popular para barrar a disputa e que questiona os mesmo problemas ainda está à espera de julgamento da Justiça Federal do Rio. Na quinta-feira (27), ela chegou ao gabinete do juiz Marcelo Guerreiro.
A gestão do governo à frente da Petrobras, a maneira como executa os negócios do petróleo e suspeitas de corrupção são os principais ingredientes da CPI a ser instalada no Congresso esta semana. O governo não conseguiu impedir as retiradas das assinaturas da oposição e nesta semana deve batalhar para ampliar o foco de denúncias a serem apuradas pela comissão de inquérito.
De acordo com o estudo da Consultoria Legislativa, o leilão de Libra jogou os riscos da exploração do petróleo para o governo, ou seja, para o contribuinte, apesar de isso ser proibido pelas leis brasileiras. Os empresários ganharam o direito de explorar as riquezas com lucros maximizados. “O edital da licitação (…) não atende ao interesse público e contém uma série de ilegalidades. A principal delas é transferir o risco da baixa produtividade e do baixo preço do petróleo para o Estado brasileiro”, diz no documento consultor legislativo Paulo César Ribeiro Lima, que foi engenheiro na Petrobras por 17 anos.
O texto ainda inédito, mas revelado pelo Congresso em Foco a partir do mês passado, mostra também que as receitas do petróleo atingirão R$ 5,5 trilhões no período entre 2013 e 2030. Porém, menos de 7% irá financiar a educação. Só 2,2% irão para a saúde. A maior parte, 72% ou R$ 4 trilhões, vai para o caixa de empresas petrolíferas, como a Shell, Total, BP e a própria Petrobrás, que tem mais da metade do capital nas nãos da iniciativa privada.
As regras do edital de Libra diziam que a participação máxima no campo só poderá chegar a 45,56%. Mas isso só vai acontecer se houver uma combinação de alta produtividade com alta nos preços do petróleo. Caso contrário, a parcela poderá cair para até 9%.
Paulo Lima afirma que o normal da indústria petrolífera é que empresas e governo busquem aumentar a produtividade dos campos para aumentarem seus lucros. Mas, pelas regras de partilha acertadas no campo de Libra, há um estímulo para que a produtividade seja menor. “Quanto menor a produção do poço, menor a média da produção diária de petróleo do campo; quanto menor essa média, maior o percentual do excedente em óleo para o contratado”, critica o consultor no estudo.
Petróleo vai render R$ 5,5 trilhões, mas só 7% para a educação
Desistência
Havia a expectativa que várias empresas participassem do leilão de Libra, o maior campo de petróleo já descoberto no Brasil. Mas, estranhamente, quase todas desistiram nas últimas horas da disputa. O leilão teve apenas um único consórcio, formado por Petrobrás, Shell, Total e as chinesas CNOOC e CNPC. O deputado André Figueiredo critica o texto e lembra que reclamou com a presidenta Dilma Rousseff, durante a tramitação do projeto que originou a Lei 12.858/13, que repassa mais recursos do petróleo para a educação. “É algo muito ruim o edital. Eu disse à presidente Dilma que fazíamos um acordo porque o edital já tinha saído, mas sem compromisso futuro, porque entendemos que o excedente não pode ser menor que 60%”, disse o deputado.
Figueiredo afirma que o Ministério das Minas e Energia (MME) e a Agência Nacional do Petróleo (ANP) defendem “os interesses de empresas” concessionárias do setor. Em nota ao Congresso em Foco, o Ministério das Minas e Energia afirmou trabalhar em prol do país. “O MME tem buscado cumprir sua função institucional no intuito de fortalecer a indústria petrolífera no País, e dessa forma, permitir que as participações governamentais sejam utilizadas para a finalidade estabelecida em lei, dentre as quais estão as áreas de educação e saúde”, informou a assessoria de imprensa.
No contrato de Libra, o governo ganhou das empresas o chamado “bônus de assinatura”, no valor de R$ 15 bilhões. Mas, apesar de parte desse valor ter de ser destinado à saúde e à educação, tudo foi usado para cumprir o pagamento de juros, segundo Figueiredo. Ele afirma que uma decisão do Tesouro Nacional carreou os bilhões para a formação do chamado superávit primário, economia feita pelo governo para pagar juros da dívida pública.
Sem comparação
De acordo com o estudo de Paulo César Lima, paradoxalmente, o contrato de libra vai incentivar as empresas a produzirem menos para ganharem mais, optando até por poços verticais, em vez de inclinados ou “horizontais”, cuja produtividade é maior. Ele afirma que nenhum país reduz a parcela de seus rendimentos com base nos critérios criados pela ANP para o maior campo petrolífero do país. “Não foi identificado sequer um país que adote a produção média dos poços como uma das variáveis para determinação da repartição do excedente em óleo entre o governo e o contratado”, afirmou o consultor.
Além disso, a lei 12.351/2010 diz que o percentual mínimo para o Estado -e, indiretamente, para a educação e a saúde – não pode ser inferior a 40%, ao contrário do que previu o edital de Libra. Só isso, diz o consultor, deveria “determinar o cancelamento” do leilão. Em entrevista ao Congresso em Foco, Paulo Lima diz que a mesma lei ainda proíbe o estado de assumir riscos pela exploração do petróleo.  Diz o artigo 2º que a partilha é o regime em que a empresa petroleira contratada exerce, “por sua conta e risco, as atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento e produção” do óleo.
Esses problemas foi alguns que motivaram o ex-diretor de Gás e Energia da Petrobras Ildo Sauer e o doutor em Direito Fábio Konder Comparato a abrirem, no ano passado, uma ação popular para impedir o leilão, que acabou ocorrendo em 21 de outubro passado. Apesar de reconhecer argumentos baseados em “firmes razões”, a Justiça Federal de São Paulo deixou de suspender liminarmente a disputa porque seria preciso compreender temas “técnicos e complexos” antes de decidir.  O caso, que ainda não foi julgado em definitivo, acabou transferido para o Rio de Janeiro. Desde quinta-feira passada (27), a ação popular está no gabinete do juiz,  Marcelo da Fonseca Guerreiro, da 30ª Vara Federal do Rio, que vai decidir sobre o caso agora.
Sem ilegalidade
A assessoria da ANP negou quaisquer ilegalidades no leilão de Libra. Afirmou que a disputa foi legítima até pelo fato de ter sido atacada, ao todo, por 28 ações judiciais para suspender a concorrência, mas que, ao menos de imediato, não prosperaram. “Grande indicativo da legalidade do processo”, avaliou a agência.
Na opinião da ANP, atrelar a partilha de óleo à produtividade e à cotação dos preços é, na verdade, um mecanismo de “proteção do Estado”, que pode elevar a participação da União. Esse mecanismo pode elevar a um máximo de 45,56%.  De acordo com a agência, a redução da partilha para o Estado em períodos menos produtivos “prolonga o prazo de operação do empreendimento” e maximiza “a geração de empregos e renda”.

A agência nega que a participação em Libra seja baixa. Para isso, inclui no cálculo não só os recursos do petróleo, mas também itens  como o pagamento de imposto de renda e participação da Petrobras, que tem menos de 50% de seu capital controlado pelo Estado. “As estimativas apontam que, para os parâmetros da oferta vencedora, o patamar de participação governamental atinge cerca de 80% (considerando royalties, partilha, bônus de assinatura, participação da Petrobras e imposto de renda)”, disse a assessoria da ANP. A agência diz que “a grande maioria dos campos” hoje não atinge a marca dos 60%.

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