Risco da exploração de petróleo das empresas
foi transferido para o governo, afirma Consultoria da Câmara. Quanto
menor a produtividade, mais as petrolíferas ganham. ANP nega
ilegalidade, mas juiz federal recebeu semana passada ação sobre
problemas mencionados. CPI pode ser aberta esta semana
Estudo da Consultoria Legislativa da Câmara acusa a Agência Nacional do Petróleo e demais organizadores do leilão de Libra, o maior campo do pré-sal descoberto no país, de agirem ilegalmente, em prejuízo dos cofres públicos e em benefício da empresas petrolíferas. Pelas regras, o governo assumirá os riscos do negócio ao ter sua rentabilidade reduzida a níveis abaixo dos permitidos pela lei, porque os ganhos foram condicionados à produtividade dos poços e à cotação do petróleo. Isso poderá baixar o índice de recursos para o Estado a até 9,93%. Para o autor do estudo, um ex-engenheiro da Petrobras e o deputado André Figueiredo (PDT-CE), um dos principais negociadores do projeto que aumentou o repasse dos royalties para a educação e a saúde, o percentual mínimo deveria ser de 60%. Uma ação popular para barrar a disputa e que questiona os mesmo problemas ainda está à espera de julgamento da Justiça Federal do Rio. Na quinta-feira (27), ela chegou ao gabinete do juiz Marcelo Guerreiro.
A gestão do governo à frente da Petrobras, a maneira como executa os negócios do petróleo e suspeitas de corrupção são os principais ingredientes da CPI a ser instalada no Congresso esta semana. O governo não conseguiu impedir as retiradas das assinaturas da oposição e nesta semana deve batalhar para ampliar o foco de denúncias a serem apuradas pela comissão de inquérito.
De acordo com o estudo da Consultoria Legislativa, o leilão de Libra jogou os riscos da exploração do petróleo para o governo, ou seja, para o contribuinte, apesar de isso ser proibido pelas leis brasileiras. Os empresários ganharam o direito de explorar as riquezas com lucros maximizados. “O edital da licitação (…) não atende ao interesse público e contém uma série de ilegalidades. A principal delas é transferir o risco da baixa produtividade e do baixo preço do petróleo para o Estado brasileiro”, diz no documento consultor legislativo Paulo César Ribeiro Lima, que foi engenheiro na Petrobras por 17 anos.
O texto ainda inédito, mas revelado pelo Congresso em Foco a partir do mês passado, mostra também que as receitas do petróleo atingirão R$ 5,5 trilhões no período entre 2013 e 2030. Porém, menos de 7% irá financiar a educação. Só 2,2% irão para a saúde. A maior parte, 72% ou R$ 4 trilhões, vai para o caixa de empresas petrolíferas, como a Shell, Total, BP e a própria Petrobrás, que tem mais da metade do capital nas nãos da iniciativa privada.
As regras do edital de Libra diziam que a participação máxima no campo só poderá chegar a 45,56%. Mas isso só vai acontecer se houver uma combinação de alta produtividade com alta nos preços do petróleo. Caso contrário, a parcela poderá cair para até 9%.
Paulo Lima afirma que o normal da indústria petrolífera é que empresas e governo busquem aumentar a produtividade dos campos para aumentarem seus lucros. Mas, pelas regras de partilha acertadas no campo de Libra, há um estímulo para que a produtividade seja menor. “Quanto menor a produção do poço, menor a média da produção diária de petróleo do campo; quanto menor essa média, maior o percentual do excedente em óleo para o contratado”, critica o consultor no estudo.
Petróleo vai render R$ 5,5 trilhões, mas só 7% para a educação
Desistência
Havia a expectativa que várias empresas participassem do leilão de Libra, o maior campo de petróleo já descoberto no Brasil. Mas, estranhamente, quase todas desistiram nas últimas horas da disputa. O leilão teve apenas um único consórcio, formado por Petrobrás, Shell, Total e as chinesas CNOOC e CNPC. O deputado André Figueiredo critica o texto e lembra que reclamou com a presidenta Dilma Rousseff, durante a tramitação do projeto que originou a Lei 12.858/13, que repassa mais recursos do petróleo para a educação. “É algo muito ruim o edital. Eu disse à presidente Dilma que fazíamos um acordo porque o edital já tinha saído, mas sem compromisso futuro, porque entendemos que o excedente não pode ser menor que 60%”, disse o deputado.
Figueiredo afirma que o Ministério das Minas e Energia (MME) e a Agência Nacional do Petróleo (ANP) defendem “os interesses de empresas” concessionárias do setor. Em nota ao Congresso em Foco, o Ministério das Minas e Energia afirmou trabalhar em prol do país. “O MME tem buscado cumprir sua função institucional no intuito de fortalecer a indústria petrolífera no País, e dessa forma, permitir que as participações governamentais sejam utilizadas para a finalidade estabelecida em lei, dentre as quais estão as áreas de educação e saúde”, informou a assessoria de imprensa.
No contrato de Libra, o governo ganhou das empresas o chamado “bônus de assinatura”, no valor de R$ 15 bilhões. Mas, apesar de parte desse valor ter de ser destinado à saúde e à educação, tudo foi usado para cumprir o pagamento de juros, segundo Figueiredo. Ele afirma que uma decisão do Tesouro Nacional carreou os bilhões para a formação do chamado superávit primário, economia feita pelo governo para pagar juros da dívida pública.
Sem comparação
De acordo com o estudo de Paulo César Lima, paradoxalmente, o contrato de libra vai incentivar as empresas a produzirem menos para ganharem mais, optando até por poços verticais, em vez de inclinados ou “horizontais”, cuja produtividade é maior. Ele afirma que nenhum país reduz a parcela de seus rendimentos com base nos critérios criados pela ANP para o maior campo petrolífero do país. “Não foi identificado sequer um país que adote a produção média dos poços como uma das variáveis para determinação da repartição do excedente em óleo entre o governo e o contratado”, afirmou o consultor.
Além disso, a lei 12.351/2010 diz que o percentual mínimo para o Estado -e, indiretamente, para a educação e a saúde – não pode ser inferior a 40%, ao contrário do que previu o edital de Libra. Só isso, diz o consultor, deveria “determinar o cancelamento” do leilão. Em entrevista ao Congresso em Foco, Paulo Lima diz que a mesma lei ainda proíbe o estado de assumir riscos pela exploração do petróleo. Diz o artigo 2º que a partilha é o regime em que a empresa petroleira contratada exerce, “por sua conta e risco, as atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento e produção” do óleo.
Esses problemas foi alguns que motivaram o ex-diretor de Gás e Energia da Petrobras Ildo Sauer e o doutor em Direito Fábio Konder Comparato a abrirem, no ano passado, uma ação popular para impedir o leilão, que acabou ocorrendo em 21 de outubro passado. Apesar de reconhecer argumentos baseados em “firmes razões”, a Justiça Federal de São Paulo deixou de suspender liminarmente a disputa porque seria preciso compreender temas “técnicos e complexos” antes de decidir. O caso, que ainda não foi julgado em definitivo, acabou transferido para o Rio de Janeiro. Desde quinta-feira passada (27), a ação popular está no gabinete do juiz, Marcelo da Fonseca Guerreiro, da 30ª Vara Federal do Rio, que vai decidir sobre o caso agora.
Sem ilegalidade
A assessoria da ANP negou quaisquer ilegalidades no leilão de Libra. Afirmou que a disputa foi legítima até pelo fato de ter sido atacada, ao todo, por 28 ações judiciais para suspender a concorrência, mas que, ao menos de imediato, não prosperaram. “Grande indicativo da legalidade do processo”, avaliou a agência.
Na opinião da ANP, atrelar a partilha de óleo à produtividade e à cotação dos preços é, na verdade, um mecanismo de “proteção do Estado”, que pode elevar a participação da União. Esse mecanismo pode elevar a um máximo de 45,56%. De acordo com a agência, a redução da partilha para o Estado em períodos menos produtivos “prolonga o prazo de operação do empreendimento” e maximiza “a geração de empregos e renda”.
A agência nega que a participação em Libra seja baixa. Para isso, inclui no cálculo não só os recursos do petróleo, mas também itens como o pagamento de imposto de renda e participação da Petrobras, que tem menos de 50% de seu capital controlado pelo Estado. “As estimativas apontam que, para os parâmetros da oferta vencedora, o patamar de participação governamental atinge cerca de 80% (considerando royalties, partilha, bônus de assinatura, participação da Petrobras e imposto de renda)”, disse a assessoria da ANP. A agência diz que “a grande maioria dos campos” hoje não atinge a marca dos 60%.
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