Jornalista Andrade Junior

sexta-feira, 21 de março de 2014

The Clash -


LUIZ FELIPE PONDÉ


FOLHA DE SP - 

O Brasil não tem uma cultura de liberdade. É um país autoritário à direita e à esquerda.

Volto ao tema do humor porque a questão continua a preocupar e acho que o que aconteceu com o grupo Porta do Fundos não pode acontecer. O humor não pode ser considerado "falta de respeito". Humor não é caso de polícia.

Quando o vocabulário público toma esse viés, estamos às portas da censura. Mas quem normalmente gritou contra a censura na ditadura são os mesmos que agora são os verdadeiros responsáveis por esta infelicidade.

Vemos "ex-guerrilheiros da liberdade" agora pregando a censura em nome do culto das "vítimas sociais". Claro que quase toda a moçada que diz que era guerrilheira da liberdade no tempo da ditadura era de fato tão autoritária quanto os militares. Mas ninguém pode dizer isso, porque é "feio". Este é um "adendo" a ser feito à comissão da verdade.

Mas o problema não foi criado pelos cristãos ou pela polícia ofendida. Foi criado por toda uma "trupe" que abraçou a causa do politicamente correto no Brasil. Agora, aguentemos.

 Como determinar se mostrar Jesus batendo papo na cruz com o soldado romano que vai pregar suas mãos não é "falta de respeito" se aceitamos de partida a ideia de que "falta de respeito" ou "incitação ao preconceito" podem ser associados ao humor? Como dizer que um cristão está errado em afirmar que uma piada desta "incita a população descrente a ridicularizar cristãos"?

Portanto, devemos responsabilizar aqueles que começaram com essa cultura de censura travestida de "discurso do respeito".

 Liberdade de expressão implica riscos. E não se responde a liberdade que nos incomoda pedindo R$ 1 milhão por insulto. Mas o Brasil está virando uma ditadura light e só não vê quem não quer. Os ignorantes ainda não perceberam que a destruição da liberdade é muito mais eficaz quando é levada a cabo pela "cultura" e não pelas armas. Foi isso que os "totalitários do bem" perceberam e estão pondo em prática.

Mas o próprio sistema legislativo e jurídico brasileiro (seja por contar com oportunistas de plantão, seja por contar com idealistas totalitários --não conheço um idealista que não acabe sendo totalitário...) criou as condições de possibilidade pra eliminarmos a liberdade de expressão no Brasil.

O politicamente correto é uma cultura descarada do medo e não uma preocupação com a justiça. O Brasil não tem cultura de liberdade. É autoritário à esquerda e à direita.

Muita gente que agora está indignada com a tentativa de alguns cristãos de processar o grupo em questão é, em parte, o tipo de gente que inventou a cultura da demonização do humor. Que provém do veneno que criaram.

Podemos esperar mais dos cristãos de fato "praticantes", pois eles são organizados, têm grana e filhos aos montes. Não vai parar aí. São uma cultura combativa que derrubou o império romano.

Em 1992, o cientista político Samuel P. Huntington fez uma conferencia no American Enterprise Institute, depois ampliada e publicada na revista "Foreign Affairs" em 1993, com o título "The Clash of Civilizations" (O Conflito das Civilizações). Algumas semanas atrás, o colega J.P. Coutinho citou este texto em sua coluna aqui na "Ilustrada".

Pois bem, a playboizada politicamente correta adora xingar Huntington dizendo que seu texto é "preconceituoso". Mas qualquer um que leia seu texto, guardando a distância devida (1992-1993), perceberá que sim, de lá pra cá, os conflitos são cada vez mais culturais. E o "clash" não é só entre grandes sistemas civilizacionais (como é o foco de Huntington), mas entre culturas locais.

O conflito atual entre russos e ocidentais, na realidade muito antigo, marca a diferença entre práticas centradas na ideia de etnia misturada com interesses pragmáticos contra práticas centradas na ideia de interesses pragmáticos sem opções étnicas.

O autor fala de países rasgados entre culturas conflitantes. O Brasil hoje é um país rasgado entre uma cultura liberal, centrada no indivíduo e na valorização da autonomia e autorresponsabilidade, e uma autoritária, centrada no "coletivo" e no culto do ressentimento e da dependência.

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