Acabo de chegar da palestra de Guilherme
Fiuza no Fashion Monday, evento que o Instituto Liberal e o Instituto
Millenium ajudam a organizar no Fashion Mall com palestras às
segundas-feiras. O tema foi os 20 anos do Plano Real. Fiuza escreveu o
livro 3.000 Dias no Bunker sobre as origens e a implantação do
plano, que vai virar filme em breve. Foi com base nesse vasto
conhecimento acumulado que o jornalista fez sua ótima palestra.
A principal mensagem é quão frágil foi
tudo aquilo do ponto de vista institucional. Fiuza rejeita veementemente
a tese de que o país estava preparado para aquelas mudanças, que elas tinham de acontecer, que eram praticamente inevitáveis pela maturidade institucional que o Brasil alcançara então. Nada mais falso.
FHC era o quarto ministro de Itamar em um
ano, e Fiuza mostra como tudo pareceu rudimentar, improvável à época.
Com o benefício do retrospecto fica muito mais fácil criar uma narrativa
mais benevolente para nossas instituições, mas o fato é que poucos
indivíduos, em atos heróicos e com espírito cívico, fizeram toda a
diferença. Gente como Pedro Malan, Gustavo Franco, e o próprio Fernando
Henrique, entre outros.
São histórias dignas de um filme de
ficção mesmo. Uma aventura contra todas as possibilidades, com incríveis
obstáculos, momentos até cômicos e surreais que ilustram bem como os
nossos pilares institucionais eram (são?) de areia, em um país que
ninguém mais levava a sério.
Não eram apenas os principais petistas
que desdenhavam do plano (e hoje fingem que são os seus salvadores); era
a maioria. E as resistências políticas foram enormes, sempre fruto da
mentalidade de que a inflação se combate com intervenção estatal, na
marra, e que o mercado merece desconfiança total. Mas os “neoliberais”
da PUC conseguiriam mudar isso, quase que por milagre. Tudo podia ter
sido muito diferente…
A história que Fiuza conta do nosso
passado recente é fundamental para se compreender os riscos do futuro.
Afinal, muitos eleitores sequer eram nascidos nessa época, ou eram
adolescentes como eu, e lembram vagamente do absurdo da inflação e de
quão selvagem era o nosso ambiente econômico. Aqueles que não se lembram
do passado estão condenados a repeti-lo, alertou George Santayana.
Vim para casa escutando a trilha sonora
perfeita para a palestra de Fiuza: “Fantasia”, de Schubert. Não consegui
deixar de fazer associações com o tema. A fantasia vai num crescendo
até “cair na real”, e desanimar, o momento da ressaca. Mas como as
fantasias demoram a morrer, ela retoma com força total, até atingir seu
auge no final, não sem uma nova decepção e calmaria melancólica antes.
A fantasia é a crença de muitos
brasileiros hoje na força de nossas instituições econômicas. São aqueles
que consideram fora de qualquer hipótese ou cogitação um retrocesso aos
loucos anos pré-Plano Real. Dizem que tais conquistas foram totalmente
enraizadas nas instituições e não correm perigo.
Esquecem que sequer temos um Banco
Central com autonomia operacional, muito menos independência legal.
Ignoram que indivíduos fizeram toda a diferença antes, e podem fazer
agora também, mas para o lado errado. Justamente porque, ao contrário da
Alemanha com seu Bundesbank, o banco central com mais credibilidade do
mundo, o Brasil ainda tem uma imensa quantidade de economistas que
pregam a politização da macroeconomia.
Temos uma presidente que pretende
controlar os preços, joga a culpa da inflação elevada em fatores
exógenos, na ganância dos empresários, na safra ruim; e um presidente do
Banco Central incapaz de fazer a inflação convergir para o centro da
meta mesmo num prazo de anos. Temos, enfim, um partido esgarçando todas
as instituições construídas nos últimos anos, mas ainda frágeis,
inclusive aquelas responsáveis pela gestão macroeconômica.
Perguntei ao Fiuza se ele enxerga um
risco razoável de o Brasil caminhar na direção da Argentina e da
Venezuela, tendo este pano de fundo em mente. Sua resposta, que eu já
esperava por acompanhar seus artigos, foi que sim, corremos claramente
esse risco, e essa tem sido a intenção do PT. Até nossas estatísticas
oficiais estão em xeque, como lembrou.
Concordo com ele. Todo cuidado é pouco,
ainda mais quando vemos tantos brasileiros letárgicos, inclusive aqueles
da elite que deveriam estar mais bem informados. A fantasia de Schubert
é linda, como toda fantasia, mas acaba abruptamente, deixando apenas o
vazio depois. Eis um recado importante no momento.
Rodrigo Constantino
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